Segunda, 18 de julho de 2016
Luiz Erthal
Blog Toda Palavra
Blog Toda Palavra
Há quatro anos o governo britânico lançou o programa Building Schools
for Futures (Construindo Escolas para o Futuro), que pretendia suprir o
déficit de salas de aula na Inglaterra com a construção em larga escala
de escolas pré-moldadas econômicas e de rápido processo construtivo. O
plano do então secretário de educação, Michael Gove, gerou uma intensa
polêmica entre os arquitetos ingleses, que viam com desconfiança a ideia
de serem produzidas escolas padronizadas com um design inferior e
despersonalizado.
Enquanto os empreiteiros se apressaram a apresentar ao governo
projetos de kits pré-moldados baratos, ao custo de 1.465 libras (cerca
de 1.950 dólares) o metro quadrado, o Royal Institute of British
Architects (RIBA) desafiou os arquitetos ingleses a buscarem
alternativas para oferecer um projeto escolar de alto padrão de design,
pois os modelos até então propostos, segundo eles, equivaliam a galpões
que, além de desconfortáveis, dificilmente poderiam ser adaptados a
terrenos acidentados.
VIERAM AO BRASIL – David Chambers e Kevin Haley,
diretores do conceituado escritório londrino de arquitetura e design
Aberrant Architecture, vieram, então, ao Brasil buscar inspiração nos
Centros Integrados de Educação Pública, construídos no Rio de Janeiro
nos anos 80 e 90, durante os dois governos de Leonel Brizola, com
projeto educacional de Darcy Ribeiro e arquitetônico de Oscar Niemeyer.
Para eles, aquele seria o modelo ideal de escola pública a ser adotado
pelo Reino Unido.
A pesquisa realizada por eles resultou em uma impressionante
apresentação, com a exibição de réplicas em miniatura dos 508 Cieps
construídos no Brasil, contendo seus nomes e localizações, dentro da
exposição “Venice Takeaway: Ideas to Change British Architecture”
(Veneza Takeaway: Ideias para Mudar a Arquitetura Britânica), realizada
pelo British Council para a Bienal de Arquitetura de Veneza de 2012.
NO CORAÇÃO DE LONDRES – No ano seguinte a exposição
foi montada no próprio RIBA, no coração de Londres, com grande destaque
na imprensa britânica, e agora a pesquisa dos dois arquitetos foi
transformada em livro (Wherever You Find People: The Radical Schools of Oscar Niemeyer, Darcy Ribeiro and Leonel Brizola) a ser lançado no final deste ano.
O programa de construção de escolas do governo britânico ainda não
deslanchou por conta de dificuldades políticas, mas alguns dos conceitos
dos Cieps já foram aplicados em uma escola de ensino fundamental do
Leste de Londres, a Rosemary Works, cujo projeto de reforma foi assinado
pela Aberrant Architecture. Sabotados pelos governos que sucederam
Brizola no Estado do Rio, desprezados pela mídia e pelas elites
brasileiras, os Cieps conquistam, enfim, 31 anos depois de lançados, o
reconhecimento internacional como um dos mais extraordinários programas
educacionais já realizados no mundo.
BOA ARQUITETURA – O blog Toda Palavra entrevistou
com exclusividade um dos sócios da Aberrant Architecture para saber por
que um projeto de mais de 30 anos, concebido para ser executado em um
país tropical marcado por grandes desigualdades sociais e por um baixo
padrão de educação pública seria adequado para um país europeu como a
Inglaterra. Admitindo que os britânicos também possuem problemas sociais
a serem enfrentados, David Chambers destaca a importância da boa
arquitetura a serviço da educação.
“Ficamos fascinados ao descobrir que a padronização no Brasil teve
como objetivo estender o alcance da arquitetura de alta qualidade para
todos. A maioria dos Cieps ficavam em áreas pobres, onde não havia uma
boa infraestrutura pública. Então eles assumiram um papel cívico maior”,
diz Chambers.
“Os playgrounds cobertos, por exemplo, tornaram-se praças públicas
essenciais. Era fundamental que eles fossem além do papel de uma escola:
todo o programa preconizava o uso da arquitetura a favor de uma nova
filosofia educacional.”
SOLUÇÃO TROPICAL – Para o arquiteto inglês não
haverá dificuldades em adaptar o projeto do calor dos trópicos para o
rigoroso inverno europeu. Ele lembra que isso aconteceria aqui mesmo no
Brasil, caso Brizola tivesse chegado à Presidência da República e
realizado o seu plano de espalhar 10 mil CIEPs pelo Brasil, pois muitas
dessas escolas seriam instaladas em regiões de clima mais temperado,
como o Sul do país. David Chambers prefere destacar a robustez dos
edifícios, que, segundo ele, estão resistindo bravamente ao tempo e ao
abandono.
“Claramente o design tem sido extremamente resistente ao longo do
tempo. Construções escolares às vezes sofrem com mudanças sucessivas de
administração e por falta de manutenção e de recursos. Mas a alta
qualidade do design e da construção tem permitido aos Cieps manterem boa
aparência e permanecerem robustos até hoje.”
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG TRIBUNA DA INTERNET – A importante reportagem foi enviada pelo jornalista Sergio Caldieri, que fez o seguinte comentário:
“Por volta de 1985, a mais importante revista alemã “Der Spiegel” fez
uma matéria considerando os CIEPs, a maior revolução educacional da
América Latina. Mas no Brasil vários professores que tentaram educar o
povo foram duramente perseguidos, como Graciliano Ramos, Josué de
Castro, Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Milton Santos,
Décio Freitas, Florestan Fernandes, Joel Rufino, Maria Yeda Linhares e
tantos outros”.