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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 29 de maio de 2018

Tentando entender . . .

Terça, 29 de maio de 2018
Texto escrito em 27/5/2018

Por
Alemario Araujo*


TENTANDO ENTENDER …

“Desde que a Petrobrás iniciou sua nova política de preços para os combustíveis, em 3 de julho do ano passado, o óleo diesel subiu 56,5% na refinaria, segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) - passou de R$ 1,5006 para R$ 2,3488 (sem contar os impostos). O aumento acompanhou a cotação do petróleo no mercado internacional, exatamente a intenção da estatal. Mas, para os caminhoneiros, essa alta vem tornando sua atividade inviável. E, por isso, desde segunda-feira, 21, eles pararam rodovias no País, causando o desabastecimento de produtos e de combustível nas cidades. Os protestos estão no 7º dia seguido. Na quinta-feira, 24, o governo anunciou um acordo com lideranças de caminhoneiros, mas como o movimento é difuso, as manifestações continuaram. Na sexta-feira, 25, o presidente Michel Temer acionou as forças de segurança nacionais para desbloquear rodovias” (Estadão – “O Estado de S. Paulo” na internet).

Bem que gostaria de escrever algo sobre a crise decorrente da paralisação dos caminhões no Brasil, conforme pedido de análise de uma ex-aluna.

Veja que falei "paralisação dos caminhões".

A primeira grande dificuldade é definir quem paralisou os caminhões.
Para escrever um texto sobre esse e qualquer outro assunto, preciso ter um mínimo de segurança sobre a realidade (os fatos como efetivamente são). Afinal, a realidade é a régua da verdade.

A minha sensação, cada vez mais forte, é que a maior parte das explicações para a dramática situação vivenciada não estão claras ou visíveis. O que vemos na grande mídia, como de costume, é a famosa "ponta do iceberg".

Postei, no meu perfil do Facebook, três perguntas que ajudam a identificar os elementos importantes desse triste quadro.

Tentando entender, indaguei: "O Brasil importa cerca de 20% do combustível que consome. O preço interno do combustível deve flutuar, até diariamente, em função do valor do petróleo no mercado internacional?".

Eis a primeira grande questão: a política de preços da Petrobrás.

Parece de um simplismo enorme sustentar que a tal política é uma mera aderência ao mercado (como uma diretriz atemporal, correta de forma absoluta para todo e qualquer caso ou contexto).

Não se analisam os custos da Petrobrás? Qual a parte dos custos está em reais? Qual a parte dos custos está em dólares? Uma estatal do tamanho e da importância da Petrobrás deve atuar segundo as leis do mercado? Como funciona o mercado dos combustíveis? A atuação da própria Petrobrás não afeta esse mercado? A Petrobrás reduziu, no governo Temer-Parente, cerca de 50% da produção em suas refinarias? Como evoluiu a venda de petróleo bruto pela Petrobrás nos últimos anos? Como evoluiu a compra de combustíveis do exterior pela Petrobrás? A Petrobrás compra combustível no exterior de quem? A Petrobrás pretende vender refinarias? Quantas? Qual a razão? Para quem? A Petrobrás caminha para se tornar uma simples exportadora de petróleo interno bruto?

Um ingênuo acréscimo neste ponto. Se for (ou fosse) o caso, um inteligente e flexível mecanismo de equalização, devidamente calibrado, poderia evitar os malefícios dos subsídios e das constantes variações de preços dos combustíveis.

Ainda tentando entender, perguntei: "Desoneração tributária das empresas transportadoras era pauta da greve dos caminhoneiros?".

Esse ponto aparece no acordo firmado pelo governo.

Quem apresentou essa proposta? Qual a razão do governo ter aceitado a dita cuja sem resistências? Até que ponto esse movimento é patronal? Até que ponto esse movimento é dos caminhoneiros? Quantos caminhoneiros são autônomos? Mesmo os autônomos não são majoritariamente contratados por grandes empresas? Como está a relação econômica do setor de transporte de cargas com seus clientes? O setor de transporte de cargas consegue repassar os custos para o preço dos fretes?

Ainda indaguei: "Como ficará o preço da gasolina e do etanol em relação ao preço do óleo diesel?".

A "solução" parcial não indica um ajuste para um setor econômico? A gasolina não sofrerá consequência direta dessa "solução"? O preço "livre" da gasolina não será um combustível para outros e maiores protestos (de outros setores)?

A questão tributária subjacente é outro tema de extrema complexidade e relevância.

Como "resolver" o peso tributário sobre os combustíveis de forma isolada? O problema não teria que ser enfrentado no âmbito de uma reforma tributária com ampla desoneração do consumo e oneração significativa da propriedade, da renda-capital e das operações financeiras?

Em suma, o pano de fundo da crise em curso é justamente o modelo de desenvolvimento socioeconômico a ser adotado no Brasil.


*Aldemario Araujo Castro é professor, advogado, mestre em Direito, procurador da Fazenda Nacional