Sábado, 9 de julho de 2016
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Do Brasil de Fato
Caso fomenta o debate sobre o projeto “Escola sem partido”, discutido nacionalmente no Legislativo

Em menos de 24 horas, um vídeo
publicado nas redes sociais por uma professora de sociologia da rede
pública do Paraná obteve mais de 150 mil visualizações e virou alvo de
ataques por blogs e sites da direita. Na gravação, alunos do primeiro
ano do ensino médio, do Colégio Estadual Profª Maria Gai Grendel, do
bairro Caximba, na região sul de Curitiba, cantam uma paródia com o funk
“baile de favela”. O protagonista da nova letra, no entanto, é um
teórico que tem causado polêmicas no Legislativo nacional, estadual e
municipal: Karl Marx.
“Os burgueses não moram na favela/ Estão nas empresas explorando a
galera/ E os proletários, o salário é uma miséria/ Essa é a mais-valia,
vamos acabar com ela”, dizem os versos da paródia “Karl Marx é baile de
favela”, que resgata temas e análises abordadas em sala de aula.
De acordo com a professora Gabriela, acusada pelo colunista Rodrigo
Constantino de promover “doutrinação marxista”, ela estava incentivando
os estudantes a compreender melhor os teóricos da sociologia, como Émile
Durkheim, Karl Marx, Erving Goffman, entre outros autores previstos nas
diretrizes curriculares. “Íamos começar a estudar Max Weber”, conta.
Após a repercussão do vídeo, Gabriela foi afastada pela diretoria do
colégio, que alegou exposição dos alunos e “difamação” da instituição.
Em resposta, dezenas de estudantes se manifestaram pela volta da
professora e iniciaram a campanha “#VoltaGabi”. “O que ela fez de errado
em ensinar a realidade para nós?”, escreveu uma aluna em rede social.
Na última quarta-feira (6), os estudantes organizaram um protesto no
colégio, imprimiram cópias da letra da paródia e cantaram durante o
intervalo. Segundo informações de um dos organizadores, que não quis se
identificar por medo de represália, participaram aproximadamente 180
alunos. “Começamos a gravar a manifestação, os alunos gritavam ‘volta
Gabi’ e os funcionários do colégio quiseram tomar os celulares, mandando
todo mundo apagar as imagens. Logo depois de uma confusão com um
estudante que discordava da ação, a diretoria chamou a patrulha e vieram
três viaturas da Rotam. Entram no colégio com escopeta e tudo”,
descreve.
“Lei da Mordaça”
O caso da professora de sociologia afastada fomenta o debate sobre a
implementação da proposta “Escola Sem Partido”, que inspira atualmente
três projetos de lei na Câmara dos Deputados. Um deles, o PL 1411/2015,
apresentado pelo deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), tipifica o crime de
“assédio ideológico” em sala de aula, prevendo penas de até um ano de
prisão, além de multas aos professores. Entre as justificativas para a
aplicação do programa nas diretrizes e bases do sistema nacional está a
de que professores e autores de livros didáticos estariam se
aproveitando da “audiência cativa dos alunos” para promover determinadas
correntes políticas e ideológicas, contrárias àquilo que é ensinado
dentro do ambiente familiar.
Em audiência pública no Senado, realizada na última quarta-feira (6),
o ministro interino da Educação, Mendonça Filho, se posicionou
contrário aos projetos de lei, alegando que a liberdade de expressão
garante o acesso a todas as correntes de pensamento.
Apesar disso, os três projetos de lei- entre eles os PL 861/2015 e PL
867/2015, apresentados pelo deputado Izalci Lucas Ferreira (PSDB-DF)-,
continuam incentivando a aplicação do programa “Escola Sem Partido” em
11 estados e em câmaras municipais, como no Rio de Janeiro. No Paraná, a
proposta que ficou conhecida como “Lei da Mordaça”, apresentada em
outubro de 2015 na Assembleia Legislativa pelo deputado Pastor Gilson de
Souza (PSC), líder da bancada evangélica, foi derrubada. O texto previa
punição para professores que expressassem suas opiniões políticas,
ideológicas e religiosas, e proibia a veiculação de conteúdos sobre
questões de gênero em sala.
Na avaliação do doutor em Educação e professor da Universidade
Federal de São Carlos (Ufscar), Antônio Fernando Gouvêa da Silva, o
“Escola Sem Partido” é uma proposta autoritária, defendida por grupos
que também se posicionam politicamente. “Toda a ação humana tem sempre
uma intenção. É preciso perceber que não há neutralidade no ato
educativo, como não há neutralidade em nenhuma ação humana”, afirma.
Para Gouvêa da Silva, o modelo de educação do “Escola Sem Partido”
propõe apenas a formação de pessoas para o mercado de trabalho e não
estimula o pensamento crítico dos estudantes. “Uma escola que é apática,
passiva ou que muitas vezes estimula preconceitos raciais, sociais ou
em relação à questão de gênero, que desqualifica alguns cidadãos em
detrimento de outros, essa escola não é sem partido, ela já tem um
partido, só que ela não assume o papel político que ela exerce”,
questiona.
Polarização política
A hostilidade em relação ao caso do Colégio Estadual Profª Maria Gai
Grendel e a outros professores do estado pode ser interpretada dentro de
um contexto mais amplo, caracterizado pela polarização política
associada à intolerância que surge após as eleições de 2014. Essa é a
opinião do doutor em Ciência Politica e professor da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), Alexsandro Eugenio Pereira. “As reações contra
os professores que lecionam Marx mostram os efeitos dessa intolerância
sem sentido e sem propósito. Se você tiver oportunidade de coletar
depoimentos dos pais, verá como eles associam Marx à doutrinação
ideológica e ao PT, como se Marx, socialismo e PT fossem uma coisa só”,
comenta.
Segundo Pereira, lecionar Marx nas disciplinas de Sociologia e
História nas escolas é tratar de um conteúdo obrigatório, mas que pode
ser mal interpretado. “Marx é um teórico importante das Ciências
Sociais, mas também um pensador cujas ideias tiveram enorme repercussão
no século XX. Suas ideias influenciaram as revoluções socialistas e sua
crítica ao capitalismo serve de referência para os movimentos sociais
que lutam contra a desigualdade, a exploração do trabalho, a miséria,
etc.”, explica.