Quarta, 6 de julho de 2016
Do MPF
Esquema de superfaturamento de títulos gerou
prejuízos superiores a US$ 140 milhões ao Postalis; ex-presidente da
entidade e executivos estão entre os acusados
O Ministério Público Federal em São Paulo denunciou oito
pessoas envolvidas em fraudes que geraram prejuízos milionários ao
Postalis, o instituto de previdência complementar dos servidores dos
Correios. O esquema se baseou na negociação de títulos superfaturados no
mercado de capitais. As irregularidades, cometidas entre 2006 e 2011,
causaram rombo de mais de US$ 140 milhões aos cofres do fundo de pensão,
o que equivale a aproximadamente R$ 465 milhões, em números atuais. A
maior parte do montante foi revertida aos acusados na forma de
comissões.
Entre os crimes praticados estão organização criminosa, gestão
fraudulenta, apropriação ilegal de recursos financeiros e indução de
investidores a erro. A transação dos títulos se deu por meio de duas
corretoras, a Latam Investments LLC e a Delta Equity Services
Corporation, ambas sediadas nos Estados Unidos. As companhias compravam
títulos no mercado internacional e os revendiam aos fundos ligados ao
Postalis com preços muito acima dos valores reais.
O esquema, juntamente com outras fraudes, levou ao atual rombo de R$
4,09 bilhões nos fundos de pensão, segundo dados do Plano de
Equacionamento do Déficit 2014, aprovado em março deste ano. Por conta
do desfalque, os servidores dos Correios participantes do plano de
previdência, bem como aposentados e pensionistas, estão desde maio
arcando com a cobrança extraordinária de 17,92%. O desconto no
contracheque poderá ser aplicado até julho de 2039.
ENTENDA O CASO. O mentor do esquema era o
vice-presidente de renda fixa da Latam, Fabrizio Dulcetti Neves. No
Brasil, Fabrizio era sócio majoritário da Atlântica Administração de
Recursos. A companhia, com sede em São Paulo, gerenciava os fundos de
investimento do Postalis denominados Brasil Sovereign II, constituído em
2006, e Real Sovereign, em operação a partir de 2008. Até 2010, a Latam
era a corretora contratada da Atlântica para a execução e a liquidação
de transações no exterior. Naquele ano, a empresa deu lugar à Delta na
prestação do serviço.
As fraudes foram executadas com o uso de offshores ligadas a Fabrizio
e a seus sócios na Atlântica, Leandro Ecker, André Barbiere Perpétuo e
Cristiano Arndt, que faleceu recentemente e, por isso, não foi
denunciado. A consumação das fraudes contou também com a intermediação
da sogra de Fabrizio, Mercedes Monteiro, que igualmente titularizava
offshore envolvida nas negociações com os títulos adquiridos pelo
Postalis. Após as corretoras norte-americanas comprarem títulos no
mercado mobiliário a preços correntes, os ativos eram repassados a essas
empresas de fachada instaladas em paraísos fiscais, que então os
revendiam aos fundos de investimento do Postalis por valores
artificialmente elevados.
COMISSÕES. Só entre 2006 e 2009, os executivos
receberam gratificações que totalizam US$ 35,5 milhões, calculadas sobre
o valor em excesso das transações. O montante é totalmente incompatível
com os prêmios pagos a agentes do mercado financeiro. As autoridades
norte-americanas perceberam as manobras e constataram que as operações
foram concebidas com o único objetivo de gerar as comissões, prática
conhecida como “churning”. Estima-se que o esquema tenha causado
desfalques ao Postalis de quase US$ 63 milhões até 2010.
“Restou claro o objetivo fraudulento das negociações realizadas com
os ativos de crédito privado no exterior, antes de seu ingresso nas
carteiras dos dois fundos de investimento, inexistindo justificativa
lógica ou aceitável para os aumentos exorbitantes nos preços de
negociação dos títulos. Estes, ademais, redundaram em lucros
substanciais a pessoas que justamente tinham o poder de influenciar as
decisões de investimento dos fundos”, escreveu a procuradora da
República Karen Louise Jeanette Kahn, autora da denúncia.
OUTROS DENUNCIADOS. O então presidente do Postalis,
Alexej Predtechensky, também foi denunciado por participação no esquema.
Além de não fiscalizar nem impedir as fraudes, ele foi destinatário de
parte dos recursos desviados. As investigações mostraram que
Predtechensky era o titular de uma das offshores envolvidas nas
transações, constituída com o auxílio de Fabrizio. Ao menos US$ 3,9
milhões foram depositados na conta da empresa.
Também fazem parte da denúncia a esposa de Fabrizio, Laura Neves, e o
então diretor financeiro do Postalis, Adilson Florêncio. Assim como o
presidente, Florêncio foi omisso ao permitir a movimentação irregular de
recursos do fundo de pensão. Já Laura é apontada como proprietária de
pelo menos uma conta bancária que recebeu quantias das operações
fraudulentas.
Completa o rol de denunciados o administrador de carteiras da BNY
Mellon, José Carlos Lopes Xavier de Oliveira. A companhia atuou em
conjunto com a Atlântica para a valoração artificial de ativos. Entre
2008 e 2009, José Carlos foi o responsável pelo prejuízo de quase R$ 6
milhões ao Postalis na negociação de papéis emitidos pelo banco alemão
Commerzbank. Os títulos, adquiridos pela Atlântica por R$ 6,2 milhões,
foram vendidos meses depois por apenas R$ 300 mil.
TÍTULOS DA DÍVIDA. Outra etapa das fraudes ocorreu
entre 2010 e 2011, quando a Atlântica vendeu toda a cota de títulos da
dívida externa brasileira das carteiras para adquirir ativos privados
superfaturados no mercado de capitais. O negócio contrariou o
regulamento dos fundos ligados ao Postalis, que previa o investimento
mínimo de 80% dos recursos em papéis da dívida externa da União, e
causou um desfalque superior a US$ 79 milhões ao instituto de
previdência complementar. Os títulos comprados se referiam às dívidas da
Argentina e da Venezuela. A Atlântica pagou US$ 120,4 milhões, mas os
preços de emissão somavam pouco mais de US$ 41,3 milhões. As
investigações demonstraram a participação de Fabrizio Dulcetti Neves em
todas as fases dessa operação.
O número processual é 0008115-81.2014.403.6181. A tramitação pode ser consultada em http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/.