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Armas e drogas estavam em armários de policiais e seriam usadas para forjar crimes; investigação teria partido de aspirante a oficial que viu execução

Fazer vistas grossas ou forjar a cena de crime com uma pessoa morta.
Estas são as suspeitas que levaram a Corregedoria da PM de São Paulo a
prender temporariamente um grupo de 11 PMs, envolvidos direta ou
indiretamente em perseguição que terminou com a morte de Felipe Lemos de
Oliveira, no dia 13 de outubro de 2017. Ele e outro homem estavam em
uma moto e eram suspeitos de roubo. Com os policiais foram encontrados
‘kits flagrantes’.
As prisões decretadas envolvem sete soldados, dois 1º tenentes, um
cabo e um 2º sargento. Dois deles, o tenente Cléber e o cabo Cassiano,
teriam agido diretamente na perseguição que terminou com a morte de
Oliveira e na prisão de Jonathan Moya, que estava na garupa.
Embora oficialmente a PM afirme que começou a investigar a morte de
Oliveira porque as investigações teriam “apontado contradições” na cena
do crime, a Ponte apurou uma outra versão sobre o
início das investigações. Na viatura em que estavam o tenente e o cabo,
haveria um terceiro homem: um aspirante a oficial, espécie de
“estagiário” da corporação que acompanhava o trabalho dos policiais.
Após testemunhar o que teria sido uma cena de execução, “mascarada”
pelos policiais para parecer que eles haviam revidado aos disparos dos
suspeitos, o aspirante não aguentou. Procurou a Corregedoria e denunciou
que os seus colegas tinham praticado um homicídio. A partir daí, a
Corregedoria decidiu fazer um “fecha” na 3ª e 4ª Companhia do 16º BPM/M,
revistando os armários dos policiais.
Perseguição por 7 km termina em morte
Na ocorrência de 13 de outubro, uma viatura identificou três motos
suspeitas de praticar roubo na Avenida Giovanni Gronchi, no Morumbi, na
zona sul da capital. A perseguição teve início na altura do km 14 da
Rodovia Raposo Tavares e terminou na Rua Cachoeira do Arrependido.
De acordo com o relato dos policiais da viatura, o motorista da moto
caiu em determinado momento e disparou duas vezes antes de conseguir
levantar a moto e seguir em fuga – neste momento, a arma teria caído no
chão e um dos PMs a pegou. O garupa caiu e acabou preso. Mais para
frente, o motoqueiro caiu por ter sido atingido pelo disparo e não
resistiu.
A versão oficial é de que a Corregedoria da PM teria desmentido a
história dos policiais a partir de um trabalho próprio de investigação.
Segundo essa versão, a análise dos rastros das viaturas teria apontado
que os PMs não pararam no local em que os suspeitos caíram pela primeira
vez e não informaram a apreensão da arma quando fizeram contato por
rádio.
Além disso, uma segunda viatura que inicialmente não estava na
perseguição passou no local em que o suspeito caiu baleado e morreu. Os
PMs permaneceram por um minuto, foram até a sede da 4ª Cia, pararam por
três minutos e retornaram para a segunda cena do crime.

Trajeto desde o início até o fim da perseguição | Foto: Reprodução/Google Maps
Uma testemunha ouvida pela Corregedoria afirmou ter visto um policial
militar disparar em uma lixeira. Esse projétil passou por perícia e,
após confronto balístico, ficou confirmado que havia saído da arma de um
dos tenentes presos.
“Em resumo, a arma pode ter sido plantada na ocorrência e ainda há
indícios de que tenha sido disparada para ‘arredondar’o histórico da
ocorrência”, sustenta a Corregedoria, que decretou a prisão temporária
dos PMs por indícios de fraude processual presenciada ou efetuada,
“dentro outros delitos”. A Corregedoria não confirmou a presença de um
terceiro homem na viatura que teria feito a denúncia.
Armas de brinquedo e drogas no batalhão
As suspeitas da Corregedoria deram nos mandados de prisão temporária e
em revistas nos dormitórios dos policiais envolvidos. Estavam sob posse
dos sargentos quatro armas de brinquedo, 36 parangas de maconha, meio
tablete de “substância análoga a cocaína”, celulares sem chip, um par de
placas de carro e munições disparadas de calibres 38, .40 e 380. Eles
também tinham uma arma calibre 38 e munições intactas.
Com os cabos e soldados foram apreendidas pedras de crack, microtubos
de “substância análoga a cocaína” e tabletes de maconha. Vistoria em um
corredor do dormitório na sede da 4ª Cia encontrou mais microtubos no
forro do teto da companhia. Em um alojamento isolado, no fundo da sede,
estavam guardadas mais duas armas de brinquedo, munições de festim e um
revólver calibre 22.
As drogas, armamento e armas de brinquedos apreendidos nos dormitórios seriam o que os policiais chamam de ‘kit flagrante’
ou P-4 (sigla militar para “almoxarifado”): objetos que servem para ser
colocados em cenas de crime para mascarar execuções ou forjar
ocorrências de tráfico de drogas.
Outro caso de repercussão envolveu PMs do 16º Batalhão. Em 2015, o
policial militar Tyson Oliveira Bastiane deu dois tiros e matou Paulo
Henrique Porto de Oliveira, de 23 anos, já rendido, algemado e cercado
por três policiais no Butantã, zona oeste de São Paulo. Júri popular
considerou Bastiane culpado e o condenou a cumprir 12 anos e cinco meses de prisão.
SSP repudia ‘desvio de conduta’
Questionada pela Ponte, a SSP, por meio de sua assessoria de imprensa
terceirizada, a CDN Comunicação, confirmou a operação de busca e
apreensão na 4ª Companhia do 16º Batalhão, na qual foram
encontradas simulacros (armas de brinquedo), munições, smartphones e
entorpecentes. Os 11 policiais militares já estão presos no Presídio
Militar Romão Gomes. “A SSP não compactua com desvios de conduta e todas
as denúncias são rigorosamente apuradas pelas respectivas
Corregedorias”, afirmou a pasta.
Fonte: Ponte