Por
Cenário
é, perigosamente, de anarquia institucional. É condição para qualquer
projeto progressista a unidade das forças populares e de esquerda
‘A mocidade de Manuela D’Ávila e Guilherme Boulos aponta para a continuidade da luta em face da inevitável sucessão geracional’
A prisão
do ex-presidente Lula – ilegal, arbitrária, ato de perseguição política
-, que chega sem surpresa para os que enxergam um palmo adiante do
nariz, encerra um capítulo da Operação Lava Jato e escancara um novo
ciclo dentro do golpe instalado com o impeachment de Dilma Rousseff. Mas
igualmente indica para as forças populares novos objetivos imediatos e,
forçosamente, novas formas de luta.
E exige, como imperativo histórico, sua unidade.
Não
é inteligente minimizar o ataque e suas consequências: a adversidade
deve ser mais um instrumento de nossa aproximação com as grandes massas,
ainda chocadas com a violência.
A
unidade das forças populares, na qual Lula tanto tem investido, tem que
ser nossa resposta, pois, mais do que nunca, essa ela é o instrumento
de que podem lançar mão os trabalhadores em momento gravíssimo da vida
nacional, em momento de refluxo que corresponde, igualmente, ao avanço
das forças as mais reacionárias, retrógradas e atrasadas, movidas pelo
ódio de classe.
A
perseguição política a Lula, não só ao que simboliza, não só ao que
representa como líder popular, mas já agora a inominável perseguição
física, roubando-lhe a liberdade, não pode ser vista como obra do acaso,
uma só patologia de um juiz de piso.
No
campo da luta atual representa um passo à frente dado pelas forças
mais retrógradas na tentativa de, aprofundando o flanco autoritário,
garrotear os direitos individuais, as garantias constitucionais (como
revelou a deplorável atualmente denegação do habeas corpus impetrado
pelo ex-presidente ao STF) e, como sempre, os ataques à nossa
soberania (aí estão a entrega do pré-sal, da Embraer, da Eletrobras, o
desmonte do BNDES e da Petrobras) e aos direitos dos trabalhadores.
Este
é o projeto dos verdadeiros autores do impeachment, ponto de partida
para a imposição do regime de exceção jurídica em que vivemos, regime
que opera à margem do Palácio do Planalto, onde ainda despacha um
presidente que não governa.
O
cenário de nossos dias é, perigosamente, de anarquia institucional e
caos decorrente da falência dos poderes clássicos da República,
governada que está sendo por estamentos burocráticos que se
autonomizaram, como se poderes fossem. ‘Mini-Estados’ dentro do Estado.
São
setores do Poder Judiciário (estimulados pela pusilanimidade do STF),
da Polícia Federal, setores do Ministério Público Federal, e já agora,
irresponsáveis do Exército, estimulados pelas declarações desastradas de
seu Comandante, repisadas por outros oficiais em comando, lembrando
tempo de autoritarismo castrense que nossa sociedade não admite reviver.
Essas
ilhas de poder convergem operacionalmente na República de Curitiba, o
centro difusor, enquanto os meios de comunicação levam a cabo,
impunemente, seu papel como secretores de ódio, primeira fase da insânia
fascista. Por trás de todos, o grande capital, desapartado dos
interesses nacionais, desapartado da Nação, alheio conceito de Pátria,
vassalo de interesses externos.
Na
Presidência da República um mamulengo que se aparvalha quando os
cordéis se soltam, uma ausência de vontade ou de brios, uma corte de
aproveitadores e oportunistas preocupados, tão-só, em atender aos seus
tutores e em se preparar, para as respectivas defesas nos processos
criminais aos quais deverão responder ao cabo do governo, com o fim do
‘foro privilegiado’. Mais preocupado do que todos, o inquilino do
Jaburu.
Eis a anarquia política dando forma à anarquia institucional, semente da convulsão que não pode interessar ao povo desarmado.
No
vácuo do poder, assoma a violência que hoje contamina e assusta a vida
nacional, marcada pela intolerância política, a truculência, a violência
física, as agressões indiscriminadas, os atentados e já os
assassinatos.
Escrevo
sob o impacto da execução política de Marielle Franco (até quando
esperaremos que a polícia e os interventores anunciem os executantes e,
principalmente, os mandantes deste crime infame?), a execução de jovens
inocentes em Maricá, a violência inominável que no Sul acompanhou as
caravanas do ex-presidente Lula, no limite do atentado a bala. E, como
pano de fundo, a violência que explode nos editoriais e no noticiário
dos jornais e, inunda as chamadas redes sociais.
Em
todos os momentos de crise, a primeira vítima da casa-grande é a
democracia, e quando a democracia se torna supérflua para a classe
dominante, ainda mais indispensável ela se torna para os
trabalhadores, que dela necessitam para a defesa de seus direitos e a
luta pela transformação da sociedade burguesa, com o fim da dominação de
classe.
Em
seu discurso de São Bernardo, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, um
dos centros de resistência à ditadura de 1964, o líder trabalhista
tinha presente essa lição de Rosa de Luxemburgo, e por isso mesmo pôs a
questão democrática no centro da luta do povo brasileiro.
Há,
portanto, desdobro o discurso de Lula, duas tarefas urgentes e ingentes
para os trabalhadores nessa fase de sua luta que é de reorganização e
resistência. A tarefa central, mãe de todas as outras, é a defesa da
democracia na sua mais ampla concepção e, meta ancilar, a defesa do
processo eleitoral de 2018, nos termos da Constituição, portanto livre
dos casuísmos que se cozinham na Câmara dos Deputados e nas salas e
antessalas do TSE.
Evidentemente
que o ex-presidente não mencionou, mas é óbvio que a exigência de
eleições democráticas implica seu indeclinável direito de disputar as
eleições, a única forma de o processo eleitoral reconquistar a
legitimidade perdida.
Ainda nesse discurso, pronunciado em condições tão dramáticas, Lula teve a ciência de indicar, como conditio sine qua non de
todo e qualquer projeto progressista, a unidade das forças populares e
de esquerda que, acicatadas pelas dificuldades de hoje, saberão, pois é
uma necessidade de sobrevivência, identificar, de um lado os
adversários fundamentais e, de outro, as tarefas impostas pelas
circunstâncias.
Ele
lembrou a importância da presença do dirigente sindical no chão da
fábrica. Tome-se a assertiva como uma metáfora sobre a importância da
relação do líder, todo e qualquer líder popular, com as massas, a
prioridade da ação organizativa e do proselitismo sobre a burocracia.
Para
enfrentar os adversários de hoje, fortalecidos como raramente
estiveram, precisamos retornar às nossas bases, fortalecer a vida e a
organização sindical, disputar as periferias onde devemos voltar a
atuar, fortalecer os partidos de nosso campo e, fonte de tudo,
fortalecer os movimentos sociais.
O
abraço aos pré-candidatos do PSOL e do PCdoB, em sua carga de
simbolismo, é um chamado e um convite à unidade política da ação das
forças partidárias do campo progressista. E a mocidade de Manuela
D’Ávila e Guilherme Boulos aponta para a continuidade da luta em face da
inevitável sucessão geracional.
O
abraço também deve ser lido como um chamamento aos ausentes e um apelo
para que finalmente nossos partidos compreendam que o adversário está na
outra margem do rio, que nenhum de nossos partidos crescerá dependendo
da destruição uns dos outros. Ou crescem juntos, ou desfalecem
desapartados.
No
primeiro momento estaremos com todos aqueles que se comprometam com a
democracia, embora saibamos que nem todos nos acompanharão quando se
colocar como tarefa a retomada da luta pela soberania e pelo governo dos
trabalhadores, fim estratégico do qual não podemos abrir mão, senão ao
preço da descaracterização. Não é difícil, porém, distinguir projetos
estratégicos de alianças conjunturais ou táticas
Desde
já, além de insistir na luta contra o desemprego e contra as reformas
trabalhistas e da previdência, contra o desmonte da economia e pela
soberania, cabe ao campo progressista lutar por uma frente ampla, em
defesa da democracia, das eleições e agora, em defesa da liberdade de
Lula. Esta é a luta unificadora, e a tese que mais amplia na sociedade.
Roberto Amaral
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Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia