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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Em reunião tensa, Conselho de Ética da Câmara aprova cassação de Glauber Braga; texto vai a plenário

Quinta, 10 de abril de 2025

Reunião durou cerca de sete horas; psolista anuncia greve de fome em forma de protesto


Brasil de Fato
09.ABR.2025 ÀS 21H20
UPDATED ON 10.ABR.2025 ÀS 00H40
SÃO PAULO (SP)

Em uma reunião que se estendeu por sete horas e ocorreu em meio a um clima de alta tensão, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quarta (9), a proposta de cassação do psolista Glauber Braga (RJ), acusado pela bancada do partido Novo por quebra de decoro. O texto chancelado pelo colegiado é o parecer do relator, Paulo Magalhães (PSD-BA), que defende a perda de mandato do parlamentar por conta de uma discussão que evoluiu para violência física entre Braga e um militante de extrema direita em abril de 2024. O relatório foi aprovado por 13 votos a cinco, com apoio de membros das siglas MDB, PP, PSD, Republicanos, União Brasil e Podemos. Votaram contra o texto as federações Psol-Rede e PT-PcdoB-PV.

Após o relator reafirmar, nos momentos finais da sessão, que mantinha o posicionamento pela perda do mandato do psolista, Glauber Braga pediu a palavra e anunciou uma greve de fome. O parlamentar disse que não pretende sair do plenário onde foi realizada a reunião. “Tomei a decisão de utilizar a tática mais radical que, do ponto de vista politico, um militante pode fazer: eu hoje tomo a decisão de que vou permanecer aqui nesta sala, permanecer no Congresso Nacional. Estou o dia inteiro em jejum e, partir de agora, não vou, até o fechamento deste processo, me alimentar. Vou permanecer aqui aguardando, com a decisão irrevogável de que não vou ser derrotado pelo orçamento secreto”, anunciou o deputado, que insistiu na tese de que o processo teria o objetivo de lhe “perseguir politicamente” por conta de sua posição crítica às práticas que remodelam o orçamento secreto e à figura de Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Casa, de quem se considera inimigo.

O parlamentar fluminense, que vinha acusando Magalhães de se coadunar com Lira para tentar cassar seu mandato, também acusou os dois colegas de uma suposta combinação com o atual presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para fazer o processo avançar nesta quarta. O motivo da crítica é o fato de a ordem do dia no plenário da Casa ter começado depois do habitual, o que permitiu que a sessão do Conselho de Ética se estendesse além do convencional. Às quartas-feiras, Motta tem combinado com as lideranças partidárias de iniciar as votações às 16h e, por regra regimental, quando se inicia a apreciação da pauta do plenário, automaticamente todas as comissões legislativas suspendem os trabalhos.

Parlamentares de esquerda usaram adesivo com frase “Glauber fica”. Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

“Este não é um momento banal. O fato de até 17h30 não ter sido iniciada a ordem do dia no plenário dá um indicativo objetivo de que já existe um acordo pra que a deliberação que vai ocorrer aqui ocorra antes de iniciada a ordem do dia”, afirmou o psolista, que disse já estar “entendendo os desdobramentos disso”.

Parlamentares do Psol e do PT se revezaram nas críticas ao relatório de Magalhães e na defesa de Braga. Para o grupo, o parecer seria “desarrazoado” por aplicar penas consideradas por eles como desproporcionais ao episódio que levou Braga à berlinda do Conselho de Ética.

Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

Para Jandira Feghali (PcdoB-RJ), a postura do colegiado de encaminhar a cassação do psolista favorece práticas políticas extremistas como a do Movimento Brasil Livre (MBL), ao qual pertence o militante que Braga expulsou da Câmara em 2024. “Não só o deputado Glauber tem tentativas de obstrução do seu mandato por essa gente que não consegue incorporar a diferença e a divergência, mas todas nós que estamos aqui já fomos ameaçadas de morte, foram ameaçadas as nossas famílias. Eu própria já tenho duas notícias-crime na Polícia Federal, no Supremo Tribunal Federal, por conta de ameaças dessa gente, que é movida pelo ódio, pelo preconceito, pelo apagamento do diferente, pelo apagamento da divergência.”

Integrantes de sindicatos e outras entidades acompanharam sessão em gesto de apoio a Braga. Cristiane Sampaio/ BdF

Na via da oposição à figura de Braga, nomes como Nikolas Ferreira (PL-MG), Kim Kataguiri (União-SP) e outros se revezaram nas críticas ao deputado, com quem o segmento rivaliza em diferentes pautas, especialmente as de teor econômico. Ao discursar durante a reunião e defender a perda de mandato do psolista, Kataguiri, que é vinculado ao MBL, disse que o colegiado precisaria tomar uma “decisão firme” porque Braga teria “posturas inaceitáveis”.

Sociedade civil

A reunião do colegiado também contou com a presença de apoiadores de Braga que integram diferentes segmentos da sociedade civil, entre sindicatos, partidos de esquerda, coletivos de militantes e outros que foram à Câmara para acompanhar a reunião. Teve destaque, por exemplo, o comparecimento do ator Marco Nanini, considerado um ícone da teledramaturgia e do teatro brasileiros. Atualmente de passagem por Brasília para encenar uma peça, o artista chegou ao colegiado pela manhã e acompanhou todo o debate ao lado de parlamentares por horas seguidas.

Marco Nanini durante sessão do Conselho de Ética. Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

Por meio de um vídeo publicado em sua conta pessoal no Instagram, Nanini disse que foi à Câmara “por uma causa muito importante”. “Nós sabemos que isso é uma perseguição política para calar a boca de um dos deputados mais importantes e combativos do Congresso, portanto, Glauber fica. Estamos juntos com Glauber nesta luta”, disse.

Também houve quem se deslocasse de outros pontos do país para engrossar o coro em defesa do psolista na capital federal. É o caso dos amigos Érico Luiz Garcia, Donavan Sampaio, Mário Alarcão, Larissa Silva Moura e Bluma, militantes do partido Unidade Popular (UP). O grupo viajou de Goiânia (GO) para demonstrar apoio presencial a Braga durante o debate no Conselho de Ética.

“O mandato do Glauber é o que tem se apresentado como mais a favor da classe trabalhadora, então, enquanto eu ainda puder exercer minha militância, quero trazer aqui minha energia e me somar com os outros companheiros que também não querem deixar a gente perder um mandato tão importante pra construção de pautas mais populares e de direitos para o povo”, disse Mário Alarcão ao Brasil de Fato.

Érico Luiz Garcia, Donavan Sampaio, Mário Alarcão, Larissa Silva Moura e Bluma, da UP de Goiás. Cristiane Sampaio/BdF

Trâmite

O processo chegou ao fim no colegiado após um ano de tramitação e ainda depende de avaliação do plenário, ao qual cabe a decisão final sobre o assunto. Segundo anunciado por Braga, a defesa irá se utilizar dos instrumentos disponíveis no regimento da Casa para tentar salvar o mandato. As normas preveem, por exemplo, a possibilidade de apresentação de recurso junto à Comissão de Constituição & Justiça (CCJ), mas, nesse caso, somente podem ser colocadas questões de ordem jurídica, e não de mérito. No plenário, são necessários 257 dos 513 votos para se aprovar a perda de mandato de um parlamentar.

Em caso de cassação final do mandato por parte do plenário, a bancada do Psol projeta ingressar com uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), segundo anunciado nesta quarta. O grupo questiona pontos do rito adotado pelo colegiado e se queixa de “seletividade ideológica” por parte do relator e seus correligionários. Logo após o resultado da votação no conselho, a líder do Psol, Talíria Petrone (RJ), divulgou uma carta aberta enviada aos presidentes do STF, Luís Roberto Barroso, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, “pela defesa da democracia no caso de tentativa de cassação do mandato de Glauber”.

Uma das vice-líderes da bancada, Fernanda Melchionna (Psol-RS) disse que o processo seria uma forma de penalizar todo o segmento da esquerda e sua cartilha de pautas progressistas, uma vez que Braga é considerado um dos parlamentares mais combativos do Legislativo federal.

“Vocês não estão levando para o campo dos argumentos. Estão levando para o campo da tentativa de desmoralização de um campo político, mas não conseguirão. Vocês têm medo da verdade e vocês têm medo da luta de classes”, disse, ao se dirigir aos parlamentares do campo da direita.
Outro lado

À imprensa, o relator do caso, Paulo Magalhães, negou as acusações de que teria se associado a Lira para levar Braga à perda do mandato. O Brasil de Fato também procurou ouvir Arthur Lira, a respeito das atribuições feitas pelo parlamentar fluminense. Por meio de sua assessoria de imprensa, o pepista disse negar “com veemência” a suposta relação com o processo e acrescentou que “não houve acordo nem pedido algum” relacionado ao assunto. “O deputado Paulo Magalhães é um parlamentar respeitado, experiente, que está no exercício de seu sétimo mandato e que tem ampla liberdade para analisar a temática, que ainda será submetida posteriormente ao plenário da Casa”, continuou.

O mesmo procedimento foi adotado em relação ao presidente Hugo Motta. A reportagem questionou a assessoria do paraibano sobre o motivo da demora no início da ordem do dia nesta quarta e a respeito das críticas feitas por Braga e aliados, mas não houve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto, caso Motta queira se manifestar.


Editado por: Martina Medina