Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 16 de abril de 2025

QUATRO ARTIGOS SOBRE A VIDA BRASILEIRA — ARTE, INSTRUÇÃO, PODER E COMUNICAÇÃO DE MASSA

Quarta, 16 de abril de 2025

A VIDA BRASILEIRA — ARTE, INSTRUÇÃO, PODER E COMUNICAÇÃO DE MASSA



Pedro Augusto Pinho *


A CONSTRUÇÃO DO BRASIL

 

NOTÍCIA ATUALÍSSIMA

Notícia extraída da BSB Revista em 10/4/2025: Na noite de 10/abril/2025, manifestantes indígenas e as forças de segurança da Polícia Militar do Distrito Federal e do Congresso Nacional se confrontaram em frente do Congresso. A tentativa de invasão aconteceu durante ação do Acampamento Terra Livre (ATL). Os indígenas marcharam do acampamento junto à antiga Funarte em direção ao Congresso, armados com arco e flecha, tacapes e outros artefatos. Ao chegar à frente da Câmara dos Deputados, alguns indígenas avançaram e derrubaram as grades de proteção. Foram lançadas bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra os indígenas. A deputada federal índia Célia Xakriabá (PSOL-MG) atingida pelas polícias passou mal, com falta de ar, junto a outros indígenas. O Corpo de Bombeiros do Distrito Federal registrou o atendimento de pessoas que tiveram mal súbito e foram transportadas para hospitais.



A DESCOBERTA DO BRASIL

O Brasil se insere na expansão da Europa Ocidental, que havia recebido graciosamente a mais avançada tecnologia da China, ao passar da economia pré-capitalista, ainda fundiária de reduzido mercantilismo, para a economia capitalista. “Participando das atividades do comércio na Europa, o antigo condado Portucalense, agora Reino de Portugal e Algarve, abriu a grande via de expansão rumo ao litoral ocidental africano, descobrindo e economicamente explorando as regiões da Guiné, serras Leoa e dos Reis, foz dos rios Zaire e Gâmbia” (Luís Henrique Dias Tavares, “O Primeiro Século do Brasil”, Editora da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1999).


A primeira História do Brasil, escrita em 1576 por Pero de Magalhães Gândavo, tomou por título “História da Província Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil”. Obra renascentista revelou as belezas naturais e a exuberância da vida em ambiente tranquilo.

Mas, para efeito do Brasil que se formou e no qual se vive no século XXI, tomaremos, de início, “O Brasil Nação”, de Manoel Bomfim (1868-1932), publicado em 1931.


Lê-se no Prefácio, de julho de 1928, do “historiador competente, psicólogo profundo, escritor primoroso, o professor Manoel Bomfim” como o crítico Almir Ferreira o saudou, no lançamento de “O Brasil Nação”, pelas páginas do Diário Carioca:


“Uma República deve ser conduzida na política de caracteres definitivos, senhores dos seus destinos, e que não possam descer. Ora, isto como nos governamos é a obra de criaturas temerosas, antes de tudo, de serem descidas, que nenhuma fez uma subida no seu esforço. E tanto que, consagrada indiscutivelmente a República nestes últimos vinte anos, vimo-la definida na inteira degradação dos costumes políticos. Já nem importam os nomes, que eles não modificariam esse parecer. Contudo, ensinaram muito esses vinte últimos anos: tudo que se poderia aprender de um mundo totalmente podre. Foram de crise no Ocidente, foram a ultimação do regime já definido. Aprendi, então, como nossos dirigentes são incapazes de compreender e realizar a democracia, como temem a liberdade, que nunca conheceram; aprendi como se mostra a degradação de uma classe por definição de escol; como se organiza o Estado para a exclusiva injustiça, até a torpeza e o roubo; como é preciso não ser honesto, nem sincero, nem apto... Vi como evolui a corrupção, como se consagra a infâmia e a ignorância, como é livre o poder para atentar contra as mais humanas das tradições brasileiras – a da bondade e compaixão... E, assim, se fez o esquema das qualidades precisas a um político para ser estadista na República brasileira...”.

E, concluindo o Prefácio: “Houve a inevitável reação, ao menos para a coragem de dizer o que me pareceu necessária verdade”.



DO ARCAÍSMO DO ESTADO

A antropologia ainda discute a chegada do ser humano às Américas, mas há evidências que eles vieram da China, um dos polos civilizatórios mais avançados daquela época, há cerca de 20.000 anos pelo Estreito de Bering, então uma ponte de gelo formada na glaciação Würn (cerca de 150 mil anos). Estes migrantes constituíram as civilizações maia, asteca, inca e os tupi brasileiros.


Darcy Ribeiro, dos gênios brasileiros, designa “processos civilizatórios”, os movimentos da evolução sociocultural resultante das sucessivas revoluções tecnológicas, exemplificando com os equipamentos e a utilização de novas fontes de energia (D. Ribeiro, “Configurações Histórico-Culturais dos Povos Americanos”, Global Editora, SP, 2016, 2ª edição).


Especificamente para o Brasil, nosso genial antropólogo afirma que “não nasceu como etnia”, mas surgiu “como espécie de subproduto indesejado e surpreendente de um empreendimento colonial, cujo propósito era produzir açúcar, ouro ou café e, sobretudo, gerar lucros exportáveis” (Darcy Ribeiro, “Os Brasileiros Livro I – Teoria do Brasil”, volume IV dos “Estudos de Antropologia da Civilização”, primeira edição em português pela Paz e Terra, Rio, 1972, citações da 3ª edição, pela Editora Vozes, Petrópolis, 1978). Cuba, antes da libertação de 1º de janeiro de 1959 pelos guerrilheiros comandados por Fidel Castro.


Mas o Brasil não era apenas um país continental, como dos maiores do globo terrestre. Não poderia ser uma fazenda de qualquer plutocracia.


Era, então, indispensável construir uma elite inteiramente doutrinada na submissão colonial. E isso ocorre exatamente no alvorecer do capitalismo, ainda que pelas mãos de um reino estruturado no modelo feudal, resistente à modernização do Estado. Daí a primeira iniciativa foi deixar a instrução nas mãos da Igreja Católica. Um país de analfabetos tementes a Deus.


A extinção dos índios, majoritariamente tupis, quando não convertidos e escravizados pelos jesuítas e outros padres católicos, foi uma consequência da construção da “fazenda Brasil”. Também Darcy Ribeiro nos narra a desdita destes nativos em “O Povo Brasileiro – A Formação e o Sentido do Brasil” (Companhia das Letras, SP, 1995): “os grupos indígenas encontrados no litoral português eram principalmente de tronco tupi, que, havendo se instalado uns séculos antes, ainda estavam desalojando antigos ocupantes oriundos de outras matrizes culturais. Somavam, talvez, um milhão de índios, divididos em dezenas de grupos tribais”. Lembrar que o Brasil descoberto estava reduzido aos limites do Tratado de Tordesilhas (1494), em torno de 1.800.000 km², mas que, ainda assim, já seria o 17º maior país em extensão territorial, não o 5º, como hoje.


O Brasil começa a ganhar a forma atual com a União Ibérica, quando os reis de Castela também o foram de Portugal e, consequentemente, do Brasil, entre 1581 e 1640, e, na procura de índios e riquezas, brasileiros e portugueses fora além dos limites de Tordesilhas.

O analfabetismo, politicamente cultivado, chegou ao século XX. Por ocasião da República, o Brasil contava com 85% de analfabetos (1890), no início do século (1900) eram 74%, quando do golpe de 1964, 36%, ao fim do golpe (1980), 25%, no alvorecer deste século (2000), 13% e, atualmente (2025), estimam-se 7%.


Confronte-se com a média mundial de analfabetos, mesmo no início do século passado (1900), na ordem de 20%.


Por isso que afirmamos ser a ignorância e o arcaísmo do Estado um mesmo projeto de poder, nascido no exterior, conduzido pela instrução e pela cultura de massa, para dominar o Brasil, governado por aqueles maus brasileiros descritos por Manoel Bomfim.


O MUNDO DAS FINANÇAS APÁTRIDAS




COMO AS FINANÇAS CHEGARAM AO PODER

O domínio das finanças começa no período entre as grandes guerras da primeira metade do século XX, envolvendo praticamente todo mundo. Era a tentativa de recuperar o domínio pós-napoleônico dos capitais anglo-judaicos no Império “onde o Sol nunca se punha”, agora entregue à industrialização.


Entre os ardis colocados estava o combate ao petróleo, pelos danos ambientais e à sobrevivência da própria humanidade. Associava-se deste modo aos movimentos pela saúde, na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, quando o rio Tâmisa fedia como esgoto a céu aberto.


Porém, com recursos financeiros e sabendo utilizar os recursos midiáticos que então surgiam na evolução das máquinas de calcular e para armazenar informações, logo se difundiu pelo mundo e foi obtendo vitórias, como a denominada “crise do petróleo”, na década de 1970.


Conquistando passo a passo o poder à industrialização, sem uma desmascaradora denúncia, as finanças obtiveram – inicialmente com os governos de Margaret Thatcher, Primeira-ministra do Reino Unido ( 4 de maio de 1979 a 28 de novembro de 1990) e Ronald Reagan, Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), (20 de janeiro de 1981 a 20 de janeiro de 1989) – o passaporte de livre trânsito por todas as alfândegas e todos os controles migratórios pelo mundo. E num mundo que dia a dia se digitalizava.


Assim foi uma consequência natural, quase esperada, que a década de 1980 concluísse com nova Bíblia, uma constituição universal, que se denominou Consenso de Washington (novembro de 1989), como as leis de Deus em 10 mandamentos, apresentados por John Williamson, economista do think tank Institute for International Economics (IIE), que estão a seguir transcritos.

    1 - Disciplina fiscal, evitando grandes déficits fiscais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB);

    2 - Redirecionamento dos gastos públicos de subsídios (especialmente subsídios indiscriminados) para uma ampla provisão de serviços essenciais pró-crescimento e pró-pobres, como educação, saúde e investimento em infraestrutura;

    3 - Reforma tributária, ampliando a base tributária e adotando alíquotas marginais moderadas;

    4 - Taxas de juros determinadas pelo mercado;

    5 - Taxas de câmbio competitivas;

  6 - Livre comércio: liberalização das importações, com ênfase na eliminação de restrições quantitativas (licenciamento, por exemplo), proteção comercial a ser fornecida por tarifas baixas e uniformes;

    7 - Liberalização do investimento estrangeiro direto interno;

    8 - Privatização de empresas estatais;

   9 - Desregulamentação: abolição das regulamentações que impedem a entrada no mercado ou restringem a concorrência, exceto aquelas justificadas por motivos de segurança, proteção ambiental e do consumidor e supervisão prudencial de instituições financeiras; e

    10 - Segurança jurídica para direitos de propriedade privada.

Como síntese destes mandamentos: a substituição dos Estados Nacionais por um indistinguível “mercado”.


CONSEQUÊNCIAS DO PODER EXERCIDO PELAS FINANÇAS

A primeira consequência do poder das finanças foi o fim da defesa das nacionalidades, tudo e todos passaram a ser apátridas, e a segunda, implantou-se uma corrupção universal, pois os princípios morais não subsistem num universo de poder sem outro freio que não seja o lucro máximo e mais rápido.


Das primeiras vítimas foi o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 8 de dezembro de 1991, e sua substituição pela criação da Comunidade de Estados Independentes (CEI), constituída pela Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Estônia, Geórgia, Cazaquistão, Quirguistão, Letônia, Lituânia, Moldávia, Rússia, Tadjiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão. Um forte país, a URSS, sai da cena internacional, e em seu lugar aparecem 15 sem qualquer expressão, presas fáceis das finanças apátridas.


Fica demonstrado que o fim da URSS foi pago àqueles que poderiam adotar esta decisão, com valores que nos fazem pensar na Fundação Gorbachev, fundada em dezembro de 1991.


Ter uma ideologia era importante para sustentar esta transformação. Foram buscá-la em duas fontes, ambas com as características neoliberais, aplicadas à economia. A Escola de Viena, também denominada Escola Austríaca de Economia e a Escola de Chicago (EUA).

A Escola de Viena era formada por economistas nascidos no século XIX e cuja preocupação era o combate ao socialismo. São membros deste grupo: Carl Menger (1840-1921), fundador, Friedrich von Wieser (1851-1926), Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914), Ludwig von Mises (1881-1973) e Friedrich von Hayek (1899-1992).


A Escola de Chicago, de onde saíram os “chicago boys”, para orientar a economia chilena após a conquista do governo pelo general Augusto Pinochet Ugarte (1915-2006), quando se implementou a política de liberalização econômica e remoção das tarifas para proteção da indústria local. Também colocou os sindicatos na ilegalidade e privatizou a estrutura de seguridade social e várias empresas estatais. De modo geral a Escola de Chicago combatia o keynesianismo.


O neoliberalismo financeiro fez regredir a sociedade, quer pela falta de instrução pública, quer pela falta de emprego, que, ainda, pela retirada das garantias de direitos principalmente trabalhistas e previdenciários.


A junção da corrupção com a ausência de garantia dos direitos fez crescer enormemente um poder paralelo do tráfico de drogas e o poder das milícias, no lugar das polícias. Aumentou também o número de perseguições e assassinatos dos descendentes das populações originárias, como se leu na notícia que inicia esta série. Definitivamente o Ocidente, onde se aplicou o neoliberalismo financeiro, sofreu o retrocesso civilizatório, hoje facilmente observado nas manifestações populares em capitais e grandes cidades europeias.


PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI

O professor, economista e diplomata Adriano Benayon (1935-2016), em seu livro “Globalização versus Desenvolvimento” (1ª edição pela LGE Editora, Brasília, 1998) afirma que “a tendência da competição é gerar seu contrário: a concentração”.


Ora, nenhum dos neoliberais que receberam Prêmio Nobel de Economia, como von Hayek (1974), Milton Friedman (1976), George J. Stigler (1982), entre outros mais recentes, foi capaz de entender que a competição leva a eliminação, no tempo, dos concorrentes mais frágeis, conduzindo a economia para um monopólio.


A tão contestada ação dos Estados Nacionais e das empresas públicas são instrumentos capazes de evitar o monopólio privado, o maior inimigo da sociedade que busque atender seus componentes, dos mais pobres aos mais ricos, mesmo de algum modo desigual, mas evitando a miséria e a fome, como se vê, neste 2025 nos EUA e na Europa Ocidental.


O professor Benayon na obra citada, ironiza a ideia religiosa puritana na defesa do “espírito capitalista”. Escreve o professor: “O capitalismo tradicional implica ousadia, prática da violência e da fraude para obter valor dos outros, gosto pela fruição da riqueza, mentalidade de risco e até de jogador. Todas são opostas às virtudes atribuídas aos puritanos: prudência, poupança dos frutos do próprio trabalho, retidão”.


E cita Calvino e São Tomás de Aquino, invocado pelos liberais, como verdadeiros opositores do capitalismo, em especial o não produtivo, o financeiro, que domina o ocidente desde 1990.


Antes de mostrarmos o outro lado da moeda e do mundo, aproveitemos as lições de Adriano Benayon para uma falácia desenvolvida sem exclusividade no ambiente intelectual marxista: a teoria da dependência, do desenvolvimento sem soberania. Obra que deu divulgação a esta teoria de dois sociólogos, o brasileiro Fernando Henrique Cardoso e o chileno Enzo Faletto, “Dependência e Desenvolvimento na América Latina” é “desprovida de valor positivo”, como afirma o diplomata.


Fernando H. Cardoso, que por dois mandatos presidiu o Brasil, deixou-o mais pobre e mais ignorante do que o País que recebeu de Itamar Franco.


Os olhos do mundo se dirigem hoje para a República Popular da China (China) e do modelo de Estado e sociedade que se construiu a partir da Revolução Cultural de Mao Tse Tung, entre 1966 até 1976.


Sinteticamente, a Revolução Cultural foi a última tentativa de se criar um Estado comunista, não soviético, na imensidão territorial e populacional da China. Seu fracasso possibilitou juntar-se ao modismo neoliberal dos anos 1979/1992, conduzido por Deng Xiao Ping. Capitais dos EUA e da Europa acodem ao chamado de uma zona de capitalismo ao sul de um país comunista. Ainda permanecia, no entanto, o fracasso de um país com mais fome do que comida.


Surge a acomodação, no governo de Jiang Zi Min (1989-2003), entre o marxismo e o neoliberalismo, e há verdadeira renegociação onde os capitais estrangeiros aceitam manter-se operosos na China, objetivando desenvolver tecnologias e quantidades exportáveis de bens. Nas duas décadas finais do século XX, uma invasão de produtos “made in China” ocupam as prateleiras, lojas inteiras, nos EUA e no Brasil. “Tudo a 0,99 centavos”.


Porém a China que se transformou na maior potência da atualidade teve início com a recuperação do milenar pensamento de Confúcio, sem que se perdessem os ganhos do marxismo maoísta e do capitalismo financeiro. Tal façanha começa com Hu Jin Tao (2002-2013) e é ampliada e exemplarmente conduzida por Xi Jin Ping, a partir de 2013.


INSTRUÇÃO, ARTE E COMUNICAÇÃO NO BRASIL


  

AINDA ESTOU AQUI

Todos os brasileiros sentiram o justo orgulho pelos prêmios internacionais obtidos por Walter Moreira Salles Júnior, Fernanda Torres e, de modo geral, por todos que trabalharam neste magnífico filme: “Ainda Estou Aqui”.


Rigorosamente tudo saiu brilhante, competente e talentoso. Fotografia, iluminação, enquadramentos, expressões faciais, indumentárias, música, até o cachorro soube morrer.

Um filme que é mais do que o registro de um período da História do Brasil que muitos preferiam não ter ocorrido. E toda violência envolvendo o Exército e a Polícia não são ocultados. Vê-se que o Brasil fora tomado por pessoas que não eram movidas pelo respeito humano nem mesmo pelo nacionalismo.


Para não cometer injustiça, devemos fazer uma restrição ao Presidente Ernesto Geisel, que contrariando as ordens do exterior (leia-se dos Estados Unidos da América – EUA), promoveu importante passos no desenvolvimento do Brasil, como a implantação da Usina Nuclear com tecnologia transferida da Alemanha e desenvolvida por brasileiros, a da exploração e produção de petróleo nas águas territoriais brasileiras, ampliadas para 200 milhas marítimas, com descobertas como a da Bacia de Campos, a instituição do Programa Nacional do Álcool, trazendo para a matriz energética do Brasil a biomassa. Na área social a aprovação do divórcio, e a criação da FUNARTE, importante instituição para o levantamento e registro do folclore nacional e divulgação das artes brasileiras.


Também na política, Geisel deu os primeiros e decisivos passos para a abertura lenta, gradual mas segura. Houve sem dúvida episódios nefastos, porém o que mais nos choca está nas palavras do próprio Geisel para Maria Celina d’Araujo e Celso Castro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). À pergunta: o senhor era contrário às eleições diretas naquela época (em que foi presidente)?


Geisel responde: “Sou até hoje. O que deram as eleições diretas no Brasil? Collor e Itamar. Não discordo de ouvir a população, mas creio que a nossa população está ainda num nível muito baixo, do ponto de vista cultural e do ponto de vista econômico. Não se pode querer aplicar no Brasil um sistema que pode ser ótimo na Alemanha, ou que funciona muito bem na Inglaterra. Quantos anos levou a Alemanha para chegar ao que é? Quantos anos levou a Inglaterra para ser o que é? Os próprios Estados Unidos? Nós vamos copiando tudo que eles fazem, sem verificar os caminhos que percorreram e se as nossas condições básicas estão aptas para o exercício da prerrogativa daquela forma. Por que não os imitamos evitando ou impedindo a proliferação de partidos que nada representam, mas atrapalham e só servem aos seus donos?” (M. C. D’Araujo e Celso Castro, organizadores, “Ernesto Geisel”, Fundação Getúlio Vargas Editora, RJ, 1997).


Voltemos ao filme de Walter Salles Júnior e, de algum modo, estaremos também criticando as palavras do ex-presidente.


O filme “Ainda estou aqui” trata, basicamente, da história de uma família, mas contextualiza a época com militares e policiais torturadores e assassinos. Ora, estes coadjuvantes não o faziam por simples disfunção comportamental ou por distúrbios psíquicos. Eles tinham o apoio que não era somente dos chefes, nem dos chefes dos chefes. Era oriundo do mesmo sistema colonizador que aplicou o golpe de 1964 e que não permitia o Brasil se transformar em competitiva potência internacional. Esta amplitude cognitiva falta no excelente filme.


Também o Presidente Geisel busca ampliar a autonomia ao Brasil, principalmente pelas ações na área da energia e pelo levantamento das tradições brasileiras. Sua punição não foi a tortura nem a morte, como de Rubens Beyrodt Paiva; ele foi impedido de designar seu sucessor, aceitando João Figueiredo – filho de Euclides Figueiredo, que Geisel derrotara na contra revolução de 1932 – imposto pelas finanças apátridas.


Ao tratar do “Estado Arcaico” já identificamos o analfabetismo. Vamos aprofundar esta situação que tem sido o maior dos males brasileiros.


ENSINO, MORAL E POLÍTICA

Confúcio cujo pensamento, recuperado por Hu Jin Tao (vide o artigo anterior: O MUNDO DAS FINANÇAS APÁTRIDAS), modela o homem com o ensino laico, também forma o homem político, dotado de exigências morais, consagrado à arte de governar.


De acordo com a análise, provavelmente da filósofa francesa Anne Cheng (1955), que se encontra na Introdução de “Diálogos de Confúcio” (tradução para o português por Alcione Soares Ferreira, para IBRASA, SP, 1983): “o primeiro axioma do humanismo confuciano é a confiança que ele deposita na educação como fator de melhoramento constante, fé ainda hoje solidamente arraigada na China Contemporânea. “Estudar” é a primeira palavra dos “Diálogos” e deve ser entendida num sentido prático”.


Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), posterior a Confúcio (551 a.C.-479 a.C.), cujo pensamento influenciou o Ocidente, mas nem perto do que significou o de Confúcio e Lao Zi (571. a.C.- 531 a.C.) para a China, também pregava a obrigatoriedade do caráter ético, político e moral, além de pragmático da educação.


Compare o prezado leitor com a atitude do atual governador do mais rico estado brasileiro, São Paulo (Coronel Tarcísio de Freitas), que está leiloando para interesses privados, ou seja, para dar lucro, as escolas públicas de São Paulo. O que se pode esperar do Brasil, se o modelo da escolarização seja o de dar lucro aos donos das escolas?


O único sistema educacional verdadeiramente libertador é aquele definido por Anísio Teixeira (1900-1971), personagem central da educação no Brasil, “a educação pública, gratuita e laica”. Ou seja, para todos os brasileiros, sem qualquer exclusão, o que significa a existência de escolas em todos rincões do País. Totalmente estatal, garantida com os recursos do Tesouro Nacional sem restrições dos neoliberais “tetos de gastos”. E laica, que vai muito além de não ser ideológica e religiosa, uma educação que esteja afinada com as experiências cotidianas dos discentes. Anísio Teixeira também era favorável ao modelo construtivista de educação, incentivando a experimentação e a aprendizagem prática, e também voltado para o entendimento e ações de cidadania.


Porém o ensino não se esgota nas escolas públicas. Ele também é parte das comunicações de massa.


O jornalista e conferencista Beto Almeida, a respeito da mudança do Ministro das Comunicações, cobrou ação afirmativa do Governo Federal a respeito dos Canais da Cidadania. Escreve Beto Almeida no jornal “Monitor Mercantil” (12/4/2025):

“Os Canais da Cidadania fazem parte da lei que criou o Sistema Brasileiro de TV Digital, são veículos municipais de televisão, com tecnologia digital, sinal aberto, distribuídos para as prefeituras que os desejarem implantar, mediante edital lançado, conforme a lei, pelo Ministério das Comunicações”.


“Cada prefeitura pode receber a concessão de um canal televisivo de alcance municipal, sendo que a tecnologia digital permite que ele se multiplique em 4 canais, sendo um para a prefeitura, um para a Câmara de Vereadores e dois para entidades da sociedade civil organizada mediante critérios definidos na própria legislação”.


“Indispondo-se com o seu potencial democratizante, Bolsonaro mandou sustar a distribuição de editais – por meio de portaria grosseiramente ilegal que atropelou a lei – embora já fossem 309 o número de prefeituras solicitantes do serviço de Canal da Cidadania. O candidato Lula se comprometeu com a implantação da nova modalidade municipal de televisão, especialmente após lembrado tratar-se de lei por ele mesmo sancionada”.


No entanto, este canal de comunicação de massa, a televisão, fica perdido na burocracia que defende o poder neoliberal com ações objetivas, como foi o presidente Jair Bolsonaro, ou com evasivas, omissões e inações, como vemos presentemente.


Não se trata apenas de termos uma população totalmente alfabetizada, como conseguiram países mais pobres do que o Brasil, como a Venezuela, a Bolívia, Cuba e Usbequistão, os dois últimos sem analfabetos acima de 17 anos. Trata-se de termos a comunicação de massa que não seja hegemônica, apresente única versão dos fatos: aquela que interessa ao poder realmente dirigente do país, a finança neoliberal.


Entenderemos assim porque Walter Moreira Salles Júnior e Ernesto Geisel, pessoas tão diferentes e em áreas tão distintas, cometem as mesmas falhas cognitivas: uma educação catequizadora, como a temos desde Tomé de Sousa (1549), mesmo com os esforços do presidente Getúlio Vargas e do governador Leonel Brizola. 


PERSPECTIVAS NACIONAIS PARA O MUNDO EM GUERRA


 

PANORAMA MUNDIAL EM 2025

A eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos da América (EUA) não foi mudança de rumo, apenas a aceleração do que se esperava para o mundo Ocidental em queda, quer na dimensão econômica, quer na dimensão cultural. O neoliberalismo financeiro, que dominou o mundo Ocidental a partir da última década do século XX, trouxe nestes 35 anos o desemprego, fome, guerra, miséria e insegurança para esta parte do mundo, onde está o Brasil. Trouxe também a regressão cognitiva e cultural.


A comunicação de massa busca colocar, no inconsciente coletivo, vivermos nova superação dos EUA a um desastre econômico, com insistentes referências à “Crise de 1929”. Ora, a crise de 29 encontrou os EUA e todo mundo numa economia industrial eletromecânica, em um planeta politicamente fragmentado, ainda que com poucas nações independentes, mesmo que apenas sob o aspecto formal, e com precária comunicação internacional.


O mundo do século XXI é o das finanças digitais, caminhando para uma economia mais virtual do que real, com cada vez menos atores ativos. Nem de longe comparável à que antecedeu a II Grande Guerra.


Atualmente, quem está mais contemporânea é a República Popular da China (China), não mais os EUA e menos ainda a Europa Ocidental (Reino Unido, Alemanha, França, Países Baixos, Bélgica, Suíça, países nórdicos e mediterrâneos).


O mundo deste século é Asiático e Africano. Infelizmente não será da América Latina, onde a presença estadunidense é muito grande, como demonstram a Argentina, a Colômbia, a América Central e com casos tristes como do Equador, nestes dias mais recentes, protagonizado pelo bilionário Daniel Gilchrist Noboa, nascido em 1987, em Miami, Flórida (EUA), que preside o Equador como dono de latifúndio, desde 2023.


É o terceiro Noboa a governar aquele país: Diego Noboa (1850-1851) e Gustavo Noboa (2000-2003). Este Noboa III, diante da previsível derrota eleitoral, decretou estado de exceção em Quito e outras sete províncias no sábado (12/4), véspera da eleição presidencial. Obteve então, atropelando a legislação e as pesquisas, mais um mandato presidencial e, quem sabe, a perpetuidade no poder.


Voltado para o Oriente, o mundo deixa de ser unipolar, centrado nos EUA e na cultura europeia, teísta, belicosa, excludente e escravagista. O mundo que parece surgir da influência oriental é aquele voltado para o homem, não para seus bens, como indicam os pensadores que mais influenciaram o modo de vida oriental: Lao Zi, Siddharta Gautama, o Buda, e Confúcio.


Este fato também explica a soberba sionista e expansionista de Benjamin Netanyahu, tentando construir o “Estado Judeu” como imaginado por Theodor Herzl (1860-1904), que avança pelo Oriente Médio e pela África, incluindo o norte da Arábia Saudita e o leste do Egito. O genocídio palestino, que se expande presentemente pelo mundo árabe, vem sendo denunciado pelo próprio mundo ocidental com manifestações opositoras em diversos países, inclusive nos EUA, que apoia formal e explicitamente o Estado de Israel.


O apoio da China, com o programa da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), a Nova Rota da Seda, e a presença da Rússia, permitiram à África empreender a segunda luta pela independência. Desta vez não só do domínio político e administrativo das potências europeias, as independências no século XX, mas com a conquista da soberania nacional, escolhendo seus parceiros e dirigindo o governo para os interesses nacionais.


BRASIL NADA BRASILEIRO

A 29 de março de 1549, Tomé de Sousa implantou o governo-geral do Brasil, conforme determinava a Carta Régia de D. João III, de 1548. Estava constituída a Colônia do Brasil que, com o breve período de governo do Marechal Floriano Peixoto, 23/11/1891 a 15/11/1894, perdurou até 3 de novembro de 1930, quando Getúlio Vargas assume a presidência do Governo Provisório, vencedor da Revolução de 1930.


O Brasil Colônia, com o interregno dos três anos do Marechal Floriano, durou 381 anos e oito meses. E criou um sentimento de impotência, de submissão ao exterior, que foi a grande oposição aos Governos Vargas, e a toda iniciativa de soberania que se seguiu até hoje.


Chegou-se mesmo a eleger e reeleger um sociólogo cujo grande feito foi apresentar a “Teoria da Dependência”, como se um país ou qualquer sociedade ou até uma pessoa pudesse se desenvolver sem autonomia, tendo sempre alguém a lhe orientar.


Esta impotência foi responsável pela oposição que levou Vargas a imolar-se pela Pátria, ao golpe de 1964, à redemocratização da década de 1980, e a submissão, desde os anos 1990, às finanças apátridas.


O Brasil de 2025 é uma cópia atualizada do país dirigido por Tomé de Souza, ou seja, ao invés dos mil portugueses, escravos, mulheres, jesuítas, que desembarcaram em Salvador, na Bahia, em 1549, temos o Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do sistema bancário estabelecido no Brasil, para governar o país.


Em “O Estado de São Paulo” (janeiro de 2025): “Brasil precisa passar mensagem forte de compromisso fiscal”, diz Flávio Souza, CEO do Itaú BBA. Segundo este executivo, preocupações com a parte fiscal geram muitas incertezas e isso acaba afetando o apetite dos investidores, especialmente dos estrangeiros.


Nenhuma referência à desindustrialização, ao retrocesso tecnológico, ao desemprego, à insegurança do trabalho, às restrições para os benefícios da previdência social, nada que não seja o ganho financeiro é visto por este executivo de um grande banco. Daqueles que são os que verdadeiramente designam presidente e diretores do Banco Central independente do País, ou seja, dependente do mercado financeiro internacional.


O grande pensador brasileiro, cuja imensa contribuição ao país ainda está por merecer o devido reconhecimento, José Walter Bautista Vidal (1934-2013) deixou-nos o livro “De Estado Servil a Nação Soberana” (Editora Vozes, Petrópolis, 1987), de onde transcrevemos:


“O que está ocorrendo no Brasil não tem precedentes na história. Não estamos sendo submetidos à ação exploratória que seja de uma nação. Estamos sendo subordinados a uma pluralidade de ações econômicas e sociais comandadas por interesses imediatistas, gerados no exterior e sem qualquer compromisso com a vida nacional. Essas ações levadas a cabo com a omissão displicente de brasileiros, com flagrante indiferença da opinião pública nacional, vêm se tornando cada vez mais frequente. O descaso dos negócios nacionais com que empresas estrangeiras vêm tratando seus negócios em nosso País é evidenciado na leitura diária dos jornais”.


Urge a reconquista da identidade nacional.

 

* Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, membro do Conselho Editorial do Grupo Pátria Latina de Comunicação.


Publicado originalmente em 14/04/2025 no PÁTRIA LATINA