Sábado, 8 de julho de 2023

Pedagogia Colonial
“Adjuva incredulitatem meam” (Marcos, 9,24)
Publicado no site da AEPET em 07/07/2023
A pedagogia colonial é a maneira mais profunda e consistente para qualquer poder se manter. Ela se insere na mente e no comportamento das pessoas que passam a ser como o osso e a pele que reveste o corpo. Também é antiga, não é invenção do capitalismo financeiro, que domina o mundo ocidental neste século XXI. Podemos ver sua constituição no ocidente, quer na Grécia Antiga quer no monoteísmo judaico, nas grandes influências em nossas ações menos conscientes. E é exatamente isso: a pedagogia colonial dispensa a consciência, é o reflexo do que se supõe natural, humano desde sempre, mesmo quando absurdo.
Vejamos exemplo que vem de longe. “Como a perpetuação da espécie humana, a continuidade da vida, pode ser algo impuro, pecaminoso? E como o ser que é fundamental para esta perpetuação pode ser inferior, ter sua ação natural, fecundante, condenável?”
Pois, caro leitor, você está vendo como o velho testamento, a história dos judeus, trata a mulher. Ainda hoje, na sinagoga, no “Muro das Lamentações”, as mulheres ficam separadas dos homens para não conspurcarem suas orações, seu diálogo com Deus. Isso é a própria pedagogia colonial. E quantas são as mulheres que se submetem, como natural, a esta situação de inferioridade? “A mulher em casa é uma escrava e essa situação de dependência imprime marca nela. Uma criatura impotente, oprimida” (Nadezhda Krupskaya, “Escritos Selecionados”, mimeografados).
Pedagogia colonial pode ser mais amplamente entendida como estratégia de dominação, de homem em face da mulher, do homem diante de outro homem, de um poder em relação à sociedade humana.
E, como é evidente, a pedagogia colonial exige formas de comunicação que se insiram na mente, nos comportamentos, nas manifestações para que as consideremos as mais instintivas do ser. O que é uma falácia; a pedagogia colonial se constrói, é um processo planejado, controlado, sempre revisado e atualizado.
E dela que trataremos nesta série, de suas manifestações, de suas transmissões e da necessidade que a sociedade tem de construir um sistema de informação que a revele, que a traga ao conhecimento e à crítica para identificar o que lhe pareceu eterno e natural.
PEDAGOGIA COLONIAL: A FORMAÇÃO GERAL
Imagine tirar a economia do capitalismo. O que se manterá de pé? O que se propõe fazer, nestas reflexões, é levantar o manto da fantasia que oculta a sociedade humana, naturalmente solidária e na procura do bem comum, como fosse conjunto de antagonistas em favor do mais apto, de único triunfante.
Pode-se entender que a pedagogia colonial tem início com o nascimento das pessoas. Os sons, os sabores, os contatos, os afetos constituirão a primeira forma de aprendizagem, e, como é óbvio, o poder buscará estabelecer neles alguma distinção que faça surgir um colonizado. Porque a distinção é a formadora de grupos, de discriminações, fonte de inimizades e ódios. Se não houver distinção como entender e se relacionar com ricos e pobres, senhores e escravos, homens e mulheres, diferentes etnias?
O nascimento deve ser a primeira lição da pedagogia colonial. Por isso esta denominação: pedagogia porque se ensina, não é inata, e colonial porque submete, escraviza. E quanto mais elaborada, menos compreensível, porém bastante profunda.
A biografia de Eça de Queiroz, por Gondim da Fonseca, embora embasada numa compreensão psicanalítica, teve o discernimento da pedagogia colonial que “penetra no seu self e revela os fundamentos emocionais do seu estilo, de sua maneira de escrever”, prefacia Gondim nesta sua “biografia pioneira”.
Depois virá a escola ou a ausência de escola, as modalidades da construção do saber. Quando dirigentes ou vencedores fecham bibliotecas, incendeiam livros, reduzem verbas para o ensino, ou, como fizeram os primeiros colonizadores do Brasil, entregam a instrução, que deve ser pública e universal, à iniciativa privada, para alguns que possam ser catequizados em determinada ideologia, no caso a religiosa, dos jesuítas, já estão declarando o rumo com que pretendem formar a sociedade, sua pedagogia colonial, que tipo de cidadania querem colher daquele grupamento humano.
É sempre bom recordar que a realeza portuguesa, à época do descobrimento do Brasil, estava lutando contra o progresso, não era mais a construtora da Escola de Sagres, mas a da Inquisição, e a Companhia de Jesus foi criada para salvar o passado, colonizar os gentios e eliminar os infiéis, afinal ela mesma se dizia “dos soldados de Cristo”. Esta dupla do atraso veio ser a formadora do Estado Colonial brasileiro.
E mesmo quando trouxe para nossa terra a sede do Império Colonial, não trouxe o poder, trouxe, na expressão do historiador Gustavo Barroso, a “colônia dos banqueiros”. Portugal já se curvava aos banqueiros ingleses, que nos deixou, na passagem para o Império Brasileiro, sua dívida. Não é interpretação, são fatos. Veja-se, como exemplo, sua materialização no Tratado de Methuen, em 1703.
Porém, na leitura dos fatos, em seu entendimento, já está presente a pedagogia colonial. E se denominamos colonial é pela sujeição, pela ausência de autonomia. Não é a educação para liberdade, para a nacionalidade, como desejadas por Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire. É a educação para a submissão, para a apatia, para não questionar os desejos e as ordens do poder.
PEDAGOGIA COLONIAL: A EDUCAÇÃO E AS MÍDIAS
Duas ações encontraremos, e por toda vida, conduzindo a pedagogia colonial: no processo educacional, em todos os níveis e para todas as ocupações, e nas mídias, a comunicação de massa, por todos os meios: revistas, rádio, televisão, jornais, livros, podcast, sites de relacionamento, canais virtuais de toda sorte.