Sábado, 16 de julho de 2016
Edwirges Nogueira – Repórter da Agência Brasil
Em 2006, uma nuvem tóxica oriunda da
pulverização aérea em plantações de soja chegou à área urbana e provocou
intoxicação aguda em crianças e idosos de Lucas do Rio Verde (MT). Já
em 2013, quase 100 pessoas, entre professores e alunos, tiveram
intoxicação depois que um avião jogou defensivos agrícolas sobre uma
escola de Rio Verde (GO).
O professor do Núcleo de Estudos
Ambientais e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT) Wanderley Pignati, que participou da perícia dos dois
casos, acredita que a poluição causada por agrotóxicos pode ser
considerada intencional, uma vez que, para atingir o alvo, afeta também o
solo e a água.
“Não
é acidente. O avião passa ao lado e, de qualquer jeito, o vento vai
levar para um lado ou para outro. Essa história de que o vento não leva o
veneno para outro lugar fere os princípios da aviação, inclusive, pois
se o vento estiver parado, o avião nem levanta voo”, disse o
especialista durante uma palestra na Assembleia Legislativa do Ceará, em
Fortaleza, em maio deste ano.
Um
dos principais argumentos contra a pulverização aérea é a chamada
deriva, quando a aplicação de defensivo agrícola não atinge o local
desejado e se espalha para outras áreas. O pesquisador da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Aldemir Chaim, no artigo
Tecnologia de aplicação de agrotóxicos, de 2004, declara que a aplicação
de agrotóxicos no século atual não é muito diferente da forma como era
praticada no século passado. A principal característica dessa aplicação é
o desperdício de produto químico.
Em 1999, Chaim e outros
pesquisadores desenvolveram uma forma de quantificar esse desperdício em
diferentes formas de aplicação de agrotóxicos. Dependendo da altura das
plantas, apenas metade do produto aplicado atinge o alvo. O restante
cai no solo ou se perde pela deriva. Em 2013, a Embrapa desenvolveu o
Programa Gotas, um software que ajuda na calibração das pulverizações.
Segundo
Pignati, no caso da pulverização aérea, a deriva pode atingir áreas
mais distantes devido ao espaço entre o alvo e o avião: quanto mais alto
a aeronave estiver da lavoura que receberá os defensivos, maior será a
deriva por conta da ação do vento.
A professora do Departamento
de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do
Ceará (UFC) Raquel Rigotto participou de um estudo que identificou
princípios ativos de agrotóxicos no solo da região da Chapada do Apodi –
uma das áreas mais ocupadas pelo agronegócio no Ceará. Segundo a
especialista, as substâncias encontradas – difenoconazol e epoxiconazol –
são muito tóxicas: o difenoconazol, por exemplo, pode comprometer
seriamente o fígado e é tido como possível causador de câncer, segundo
classificação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA,
na sigla em inglês).
A especialista acredita que as substâncias podem chegar até mesmo às cisternas que abastecem as casas durante a seca.Também
foram encontrados princípios ativos de agrotóxicos no aquífero
Jandaíra, localizado entre o Ceará e o Rio Grande do Norte. As águas
subterrâneas são usadas tanto pelo setor produtivo como pelas populações
dos oito municípios cearenses, incluindo Limoeiro do Norte, e
potiguares que abrangem o aquífero.
“Esses contaminantes são
transportados pelo vento, podem se depositar no telhado das casas e,
quando vem a chuva, ela lava os telhados e é essa a água que as calhas
recolhe e se dirige para as cisternas. Temos uma preocupação muito
grande se essas águas, que muitas vezes garantem o abastecimento hídrico
das famílias nos períodos de seca, podem também estar contaminadas com
esses produtos”, indaga Raquel.
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