Não
será facilmente que a direita abrirá mão do comando das forças do
Estado, mediante o qual, com apoio em um Congresso hegemonizado por
fugitivos da polícia, está revogando os direitos sociais e destruindo a
nação.
===========
Por
É
certo que a avidez pecuniária de Temer e Aécio ajudou no processo, mas o
fundamental é que o presidente ilegítimo já de há muito se tornara
descartável.
Temer está sendo defenestrado pelas mesmas forças que haviam assegurado a deposição de Dilma Rousseff.
Incompetente
e corrupto, ademais de rejeitado pela consciência nacional, Michel
Temer, ainda presidente enquanto escrevo estas linhas, está sendo
defenestrado pelas mesmas forças que haviam assegurado a deposição de
Dilma Rousseff e a tomada do poder do Estado pela súcia comandada pelo
seu PMDB, em associação com o tucanato golpista, cuja grande liderança é
Aécio Neves, coletor de propinas.
É
certo que a avidez pecuniária de Temer e Aécio (e a mediocridade de
ambos) ajudou no processo, mas o fundamental é que o presidente
ilegítimo – fracassando no projeto imposto pelas forças do golpe – já de
há muito se tornara descartável e, por isso mesmo, está sendo jogado ao
mar, destino de carga imprestável.
Assim,
as forças econômicas e políticas que, sob a liderança do Sistema Globo
(um partido de direita que opera o monopólio da informação no Brasil),
prepararam o golpe contra Dilma e os interesses populares, são as
mesmas que, hoje, comandam esse golpe dentro do golpe em processo, e seu
objetivo é, preservando o mando (e os lucros dele derivados), impedir a
retomada da direção política pelas forças democráticas.
Na
arquitetura do golpe, o presidente é sempre um interino se equilibrando
na corda bamba presa nas pontas pelos interesses do grande capital. Se
Manuel torna-se inconveniente, troque-se Manuel por Joaquim, para que
tudo continue como dantes no Castelo de Abrantes. Temer, nessa história,
foi sempre uma contingência, deplorável, mas, nas circunstâncias do
golpe, inevitável, embora que prescindível, como os fatos recentes
demonstram.
Não
será facilmente que a direita abrirá mão do comando das forças do
Estado, mediante o qual, com apoio em um Congresso hegemonizado por
fugitivos da polícia, está revogando os direitos sociais e destruindo a
nação.
A
segunda fase desse golpe dentro do golpe é a preservação dos interesses
reacionários, mediante a eleição de um preposto qualquer pela via
indireta do Congresso Nacional. Joga-se Temer ao mar, mas preserva-se o
mando, pois trata-se de simples troca de nome, sem alterar a
substância. Qual a diferença entre Temer, Rodrigo ou Eunício?
Nas
circunstâncias troca-se seis por meia dúzia, porque, quem quer que
seja o substituto do títere, terá de ser, sempre, um representante do statu quo. Ou seja, trata-se de mudar para que nada mude, como sentenciava Tomasi de Lampedusa pela voz de d. Tancredi em seu magnífico O Leopardo.
A
direita, que, pela voz da Rede Globo, proclama a mudança, está
tranquila, pois a mudança continuísta será operada, eis sua posta, por
um Congresso ilegítimo, sem representatividade, rejeitado pela
população, comandado por uma cúpula repulsiva, e, portanto, ‘sob
controle’.
Ou
seja, sai Temer e entra um qualquer, por que, qualquer que seja o
escolhido, será sempre um representante do bloco ainda hegemônico.
É
esse o projeto de continuidade da classe dominante, preparada para,
longe dos interesses do povo e das vozes das ruas, manobrar a crise
segundo seus interesses, que jamais se confundem com os interesses da
nação.
A
raiz da crise – política mais do que econômica – é a decomposição dos
poderes da República, carentes de legitimidade e representação, uma
contrafação nos termos da democracia representativa, construindo, de
mãos dadas, o Estado de exceção jurídica, assim autoritário e classista.
Nada
mais claramente denunciador da crise do que a degenerescência do Poder
Legislativo, a ilegitimidade do atual Poder Executivo e a
politização-partidarização de um Poder Judiciário que afronta a ordem
constitucional.
Desde
que a permanência do presidente ilegítimo está fora de cogitações –
grita a nação –, trata-se de discutir a forma de sua defenestração,
rápida, para que o resto do organismo republicano não se contamine com
sua ilegitimidade.
Até o ‘mercado’, que amparou sua ascensão, clama agora por sua rápida partida.
A
solução mais simples, e aquela que mais tende à urgência da crise,
aquela que menos prejuízos imporia à nação, cansada, seria a renúncia
do presidente, mas essa saída já foi recusada pelo mandatário rejeitado,
carente de grandeza.
Sobram,
ao país, outras saídas e a primeira delas é a condenação do presidente
que, em face da delação de seus sócios da JBS, já responde a inquérito
aberto pelo STF.
A
delação de Joesley Batista, massiçamente exposta por jornais e pela
televisão, mostra Michel Temer, no Palácio do Jaburu, sendo conivente
com o empresário corrupto, na compra do silêncio de Eduardo Cunha, que
muito teria a revelar das tramas e tramoias levadas a cabo com o
presidente.
Mas
não é só. No diálogo deprimente, o empresário revela suas traficâncias,
informa a ‘compra’ de um procurador da República tornado informante,
relata as tentativas de corrupção de outras autoridades e as demais
manobras suas visando a obstruir a apuração judicial. A tudo Temer ouve
silente (sinal de assentamento), quando sua obrigação era dar voz de
prisão ao meliante.
Caso
falhe a ação do STF, a alternativa ditada pela Constituição é o
impeachment, já requerido, mas dependente de despacho do presidente da
Câmara dos Deputados, um colega de grei. Contra esse caminho, todavia,
fala a inconveniência do tempo exigido para sua tramitação nas duas
Casas.
Em
seu lugar, os observadores lembram a velha solução do julgamento do
pedido de cassação da chapa Dilma-Temer no TSE, julgamento que se espera
para a primeira quinzena de julho. Para os práticos, trata-se, apenas,
de um bom entendimento com o ministro Gilmar Mendes, ministro do STF e
voluntarioso presidente do TSE. Como ele negociou a exclusão, do
processo, de seu constituinte, ser-lhe-á igualmente fácil articular
agora sua condenação, sem dores de consciência, pois estará sempre
servindo ao poder, o ofício de sua alma.
Mas o país não suporta mais nem um dia a permanência de Temer no Planalto.
Nosso
Congresso, sem caráter, maleável aos humores do poder do momento, pode
inspirar-se na solução que os militares legalistas impuseram no contra
golpe de 11 de novembro de 1955, comandado pelo ministro general Lott.
Naquela
data o Congresso, em uma só sessão, simplesmente declarou o presidente
em exercício, deputado Carlos Luz, sem condições de exercer a
Presidência da República (ele estava enredado em uma conspiração que
visava a impedir a posse de Juscelino Kubitscheck). A mesma resolução
seria adotada dias adiante (28 de novembro), quando o presidente
titular, Café Filho, afastado por alegados motivos de saúde, tentou
reassumir a Presidência da República, já ali exercida pelo presidente do
Senado, Nereu Ramos.
Se
o senhor Michel Temer não tem condições de permanecer na presidência
por mais um dia – a nação já o regurgita – é igualmente inaceitável que a
alternativa para o vácuo do poder seja a eleição de um interino por
esse Congresso, carente de quaisquer condições, sejam éticas, sejam
morais. Enfim, um Congresso, nunca será abusivo repeti-lo, sem
legitimidade.
A
saída é a convocação de eleições diretas, já neste ano, para o que será
necessária a aprovação de Emenda Constitucional, que o Congresso sabe
muito bem operar em horas, quando quer, já vimos. E há sempre
constitucionalistas orgânicos à disposição para formular soluções.
Em
1955 o espírito democrático-pragmático foi acionado pelos tanques do
general Lott; o patriotismo de hoje deverá ser provocado pela força
popular. Quero dizer que a alternativa democrática depende de as forças
populares ocuparem as ruas – fábricas, escolas, campos etc. – tornando
permanente a grande mobilização proporcionada pela greve geral de 28 de
março.
Só
com o povo nas ruas exercendo seu protagonismo é que poderemos
conquistar as Diretas Já, que devem ser vistas como passo essencial de
uma grande luta que visa à retomada da emergência das massas e da
legitimidade democrática.
No
curto prazo, o projeto das Diretas Já – que nos retirará do impasse
político – está, porém, a depender de imediata e prévia reforma do
processo eleitoral – pela qual devemos lutar com afinco -,
assecuratória da democratização das eleições, e nesse sentido são
condicionantes mínimas o financiamento público das campanhas, ademais de
seu radical barateamento, e a votação em listas fechadas, nos termos
das discussões e projetos liderados pela CNBB e pela OAB.
Ao
lado da reforma política, é imprescindível a imediata paralisação da
reforma da previdência e da reforma trabalhista, a revogação dos atos
lesivos ao patrimônio nacional, como sejam o desmonte do BNDES e da
Petrobras e a entrega do pré-sal a empresas estrangeiras.
Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia