Domingo, 7 de maio de 2017
Empresa diz que pagou propina a Aécio e, em troca, conseguiu obras em Minas Gerais e no setor elétrico
Por HUDSON CORRÊA-Época/Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Blog do Sombra
Aécio Neves acabara de perder a eleição para presidente da República.
Mesmo assim, a Odebrecht honrou o pagamento da última parcela de sua
campanha, em novembro de 2014 – em caixa dois, como mandava a regra.
Eram R$ 500 mil, derradeira fatia de um acerto de R$ 6 milhões. O
executivo Sérgio Neves conta que pegou o dinheiro numa mochila preta no
escritório da empreiteira em Belo Horizonte, colocou no porta-malas do
carro e dirigiu por meia hora até a Minasmáquinas, concessionária
Mercedes-Benz localizada na saída da cidade. Encontrou-se no
estacionamento com o dono da loja, Oswaldo Borges da Costa, o
Oswaldinho, tesoureiro informal de Aécio. “Ele [Oswaldo] pegou a mochila
e colocou no porta-malas do carro”, diz Sérgio Neves em seu depoimento.
Pronto, mais uma entrega de propina da Odebrecht para Aécio era
concluída com sucesso. Oswaldinho convidou Sérgio Neves para almoçar no
escritório. Na despedida, mostrou sua coleção de mais de 100 carros
antigos, guardados em dois galpões. Entre as raridades figurava um
Rolls-Royce Silver Wraith 1953, a bordo do qual Aécio Neves desfilou na
posse como governador de Minas Gerais em 2007. Por pouco, o investimento
da Odebrecht não levou o tucano a passear em outro Rolls-Royce da
década de 1950, que o levaria ao Palácio do Planalto. Seria o terceiro
presidente da República ligado à Odebrecht.
Presidente do PSDB e senador, Aécio Neves é um dos personagens mais
frequentes nas delações dos 77 executivos da Odebrecht. Não à toa,
divide com o senador Romero Jucá, do PMDB, o título de campeão no número
de inquéritos derivados da delação, abertos pelo ministro Edson Fachin,
relator da Lava Jato no Supremo. É investigado em cinco. Nesta semana,
ele prestou seu primeiro depoimento à Polícia Federal, sobre a
investigação relacionada a irregularidades em Furnas. Reunidos os
inquéritos, Aécio é acusado de ter cometido os crimes de corrupção ativa
e passiva, lavagem de dinheiro e fraude em licitação. A divulgação da
delação da Odebrecht mudou a perspectiva do senador tucano. A segunda
candidatura à Presidência da República em 2018, que seria natural, soa
muito distante, coisa do passado. Recentemente, Aécio comentou com
amigos que pode ser candidato apenas a deputado federal, diante das
dificuldades para obter votos até para manter-se no Senado.
Aécio foi uma aposta antiga da Odebrecht, coisa de longo prazo. As
delações relatam propinas pagas desde que ele era governador de Minas
Gerais, entre 2003 e 2010. “Nós estávamos investindo dinheiro numa
pessoa que ia se constituir no mandatário do país”, disse o executivo
Benedicto Barbosa Junior, o BJ, chefe de Sérgio Neves. BJ cuidava das
principais obras da empreiteira pelo Brasil – acima dele estava apenas
Marcelo Odebrecht. Por isso, tinha trânsito com políticos de variados
partidos, entre eles Aécio. A relação era tão boa que BJ disse aos
procuradores da Lava Jato que frequentava o apartamento do senador no
Rio de Janeiro e o Palácio das Mangabeiras, residência oficial do
governo em Minas Gerais. Possuía na agenda até o telefone da mãe de
Aécio para encontrar o tucano quando seus assessores não o
localizassem.
No começo de 2003, Marcelo Odebrecht via o ninho tucano em Minas
Gerais como um oásis na selva do governo Lula. Aécio tinha influência
na estatal federal Furnas e controlava a Companhia Energética de Minas
Gerais (Cemig), duas gigantes com investimentos bilionários. “[Aécio]
Passou a ser a grande interface nossa com o PSDB”, diz Marcelo em sua
delação. Ele incentivava seus subordinados a manter a proximidade com
Aécio, que “ia ser importante”. Os interesses da Odebrecht estavam
especialmente no setor elétrico. Marcelo recorria ao tucano para
equilibrar a disputa com a concorrente Andrade Gutierrez nos projetos
tocados pela Cemig.
Marcelo Odebrecht combinou: pagaria R$ 30 milhões para Aécio defender seus interesses no setor elétrico
Em 2007, a Odebrecht se associou a Andrade, Cemig e Furnas num
consórcio para construir as usinas hidrelétricas desejadas pelo governo
Lula no Rio Madeira, em Rondônia. As contrapartidas estão lá nas
planilhas do Departamento de Operações Estruturadas, o setor de propina
da Odebrecht: registros de pagamentos repetidos de R$ 1,05 milhão ao
“Mineirinho”. As senhas para cada entrega eram nomes de leguminosas:
“tomate”, “agrião” etc. Em dezembro daquele ano, o consórcio venceu o
leilão para construir a Usina de Santo Antônio com deságio de 35%.
Poucos no setor elétrico acreditavam na viabilidade da obra. Em sua
delação, o executivo Henrique Valladares disse que a estratégia da
Odebrecht era ganhar também o leilão de Jirau, a segunda usina, marcado
para maio de 2008. Mas o consórcio começou a sofrer ataques do governo,
com a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, na linha de frente.
Assim, em fevereiro daquele ano, Valladares foi com Marcelo Odebrecht ao
encontro de Aécio Neves no Palácio das Mangabeiras, sede do governo
mineiro, em busca de ajuda. Segundo ele, falou-se de política e
economia, conversa trivial entre poderosos, sem menção a propina. Mas,
na saída, Valladares ouviu uma deixa de Aécio: “Henrique, o Dimas, nosso
amigo comum, vai te procurar”. No carro, Valladares ouviu de Marcelo
que havia um acerto com Aécio: pagamento de R$ 50 milhões – R$ 30
milhões dados pela Odebrecht, R$ 20 milhões pela Andrade Gutierrez. Em
troca, o governador defenderia os interesses do consórcio na questão das
hidrelétricas.
Dimas Toledo, o “amigo” de Aécio e Valladares, foi diretor de Furnas
entre 2000 e 2005. Foi ao ostracismo porque, em 2006, a Polícia Federal
obteve uma cópia de cinco páginas com nomes de 156 políticos e
pagamentos que somavam R$ 40 milhões em caixa dois na eleição de 2002,
com assinatura atribuída a ele pela PF. Numa época sem Lava Jato, a
investigação da “lista de Furnas” deu em nada. Toledo saiu do circuito
oficial, mas manteve contatos frequentes com Valladares. Após o encontro
com Aécio, o amigo apareceu para bater papo como sempre, mas trouxe no
bolso o cronograma de pagamento dos R$ 30 milhões. As visitas se
tornaram mais frequentes. Toledo apresentava “pedaços de papel”. “Com a
indicação e nomes, empresas com sede no exterior, a grande maioria no
exterior, para pagamentos no exterior”, diz Valladares. Cada pagamento
variava entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões.
Mas a vida não se resumia a energia. Em paralelo, Aécio e a Odebrecht
estavam unido na maior obra de Minas Gerais. Benedicto Junior, o BJ, diz
que numa reunião no início de 2007, Aécio anunciou que a Odebrecht
participaria da construção da Cidade Administrativa, um conjunto de
prédios projetados por Oscar Niemeyer para reunir todos os 16 mil
servidores estaduais espalhados em prédios em Belo Horizonte numa área
fora da cidade. Seria um projeto de mais de R$ 1 bilhão. Como nem havia
licitação na praça, BJ entendeu que era jogo jogado. Para acertar o
quinhão da Odebrecht, ele deveria procurar Oswaldinho, na aparência
então presidente da Codemig, a estatal à frente do projeto, e, na
prática, tesoureiro informal de Aécio. Pela sistemática da Odebrecht, as
conversas se davam “homem a homem”: BJ falava com Aécio, Sérgio Neves
conversava com Oswaldinho. Assim, Sérgio Neves foi até Oswaldinho e
voltou do encontro com a fatura: propina de 3% sobre o valor do
contrato. Não havia motivos para duvidar que Oswaldinho falava em nome
de Aécio, disse BJ. Além de homem de confiança, era contraparente,
casado com uma filha do padrasto do governador. Parcelada entre 2007 e
2009, segundo afirmam os delatores, a propina de R$ 5,2 milhões foi
entregue em espécie, a maior parte na concessionária de Oswaldinho.
Sem espaço para disputar a Presidência em 2010, Aécio organizou a casa
mineira. Saiu candidato ao Senado e lançou o vice-governador, Antonio
Anastasia, ao governo. “O Benedicto Junior, a pedido do Aécio, definiu
que a empresa ia fazer contribuições em caixa dois para Aécio e para o
grupo político do Aécio”, diz Sérgio Neves. A Odebrecht diz que pagou R$
5,5 milhões em caixa dois para a campanha de Anastasia. Segundo os
delatores, o dinheiro vivo foi entregue entre julho e setembro de 2010
em sua maior parte na concessionária de Oswaldinho. Mas houve uma
sofisticação. Assim como fizera com João Santana, o marqueteiro do PT, a
Odebrecht fez negócio com Paulo Vasconcelos, marqueteiro de Aécio.
Segundo delatores, a empresa dele recebeu R$ 1,8 milhão, entre 2009 e
2010, e R$ 3 milhões em 2014, sem prestar qualquer serviço à Odebrecht.
Só repassou o dinheiro às campanhas de Anastasia e Aécio.
Por meio de nota, Aécio Neves afirma que “jamais se envolveu em atos
ilícitos”. Ele diz que os delatores não apresentaram provas e, até pelo
contrário, a delação de Marcelo Odebrecht nega ter discutido “alguma
contrapartida ou qualquer outro tipo de compromisso em troca dos apoios
feitos”. “Sobre pedidos à Odebrecht, na condição de dirigente
partidário, para campanhas eleitorais, o delator BJ declarou que: o
senador fazia o pedido de doação, [mas] não se envolvia se feita caixa
um ou caixa dois.” O senador também nega fraude na obra da Cidade
Administrativa. “Todas as etapas de execução do complexo foram auditadas
em tempo real por empresa independente, definida por licitação, e
acompanhadas pelos órgãos de fiscalização do Estado.” “É importante
registrar que a licitação das obras já foi objeto de investigação do
Ministério Público e, em 2014, foi decidido pelo arquivamento em razão
da ausência de irregularidades.” Sobre o depoimento de Aécio à Polícia
Federal, seu advogado, Alberto Zacharias Toron, disse que o senador “fez
questão absoluta de esclarecer tudo”. O marqueteiro Vasconcelos diz que
provará a prestação de serviço à Odebrecht. O senador Antonio Anastasia
afirma que “nunca tratou de qualquer assunto ilícito com ninguém”.
Dimas Toledo nega envolvimento no esquema e no caixa dois. Oswaldinho
não se manifestou.