Terça, 2 de maio de 2017
O Disco Eldorado foi gravado em 1992 com Eduardo Larbanois e Mario Carrero, dois grandes músicos da Música Popular Uruguaia.
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Por Cida Torneros*
Café na padaria
É uma dor na alma brasileira de uma geração inteira.
Acompanho nos últimos dias o noticiário sobre o adeus ao poeta
Belchior.
Tenho um orgulho interior e subjetivo ao extremo. No final dos
anos 80, uma noite friorenta me deu uma chance dos deuses.
Saí tarde do escritório da Álvaro Alvim e fui pegar meu carro
estacionado na Cinelândia. Enquanto o guardador foi buscar meu fusca,
entrei no boteco da esquina da Senador Dantas e pedi um cafezinho. Daqueles que
a gente toma em pé no balcão acrescentando água pra chamar de carioca.
Do lado, solitário, reconheço o homem de paletó cinza
escuro, cachecol xadrez no pescoço, bebendo também o seu cafezinho.
Não me contive quando vi o bigodão. - Você é o Belchior? Ele
riu. Nem lhe dei tempo de responder. Pude engatar uma declaração engasgada.
-Você me deu de presente uma música que considero hino da nossa
geração. Ele perguntou qual era. Eu cantarolei. Como nossos pais.
E fui saindo, emocionada. O guardador me passou as chaves e
dirigi até em casa. Estava realizada.
Eram 22h de uma noite com direito a cafezinho ao lado do poeta
da minha geração.
São 9 e meia da terça em que ele está sendo sepultado no Ceará.
Vim tomar café na padaria em Vila Isabel. O cachecol daquele
encontro era xadrez. Sequer conversamos. Ficou em mim um respeito por sua
privacidade e uma sensação da profunda solidão daquele homem tão inteligente e
perdido nesse mundo de Deus.
É hora do café. Na hora do almoço ele vai reconhecer o Paraíso
merecido.
Adeus dolorido esse nosso. Obrigada Bel! Por tudo. Pela
sensibilidade e por aquele encontro inesperado e inesquecível.