Quinta, 29 de março de 2018
Léo Rodrigues - Repórter da Agência Brasil
Medo e desconfiança são as duas palavras mais usadas por moradores de favelas do Rio de Janeiro para descrever seu sentimento em relação à Polícia Militar. É o que aponta um levantamento sobre as percepções de segurança pública com mais de 6 mil pessoas, que foram visitadas em suas casas entre setembro de 2015 e fevereiro de 2016. Os resultados foram apresentados hoje (28).
A pesquisa é do Laboratório de Pobreza, Violência e Governança (PoVgov) da Universidade de Stanford, instituição sediada dos Estados Unidos, e foi realizada em parceria com o Observatório de Favelas e a Redes da Maré, duas organizações da sociedade civil que atuam em comunidades do Rio de Janeiro. Foram entrevistados moradores da Cidade de Deus, Providência, Rocinha, Batan e Maré.
Entre os entrevistados, 16% relataram que um amigo, um conhecido ou um membro da família foi assassinado por um policial. Além disso, 20% já tiveram as suas casas invadidas por forças de segurança, já sofreram agressões e têm algum familiar que foi agredido por policiais.
Em relação ao crime, 15% relataram ter sofrido um assalto a mão armada, viram alguém assassinado por um criminoso ou tiveram suas casas invadidas por um bandido. "Muitas vezes a polícia está mais propensa a abusar dos direitos dos cidadãos do que os criminosos", aponta o estudo.
Eles também foram perguntados sobre "qual é o sentimento que a maioria da comunidade têm demostrado em relação aos policiais que atuam em sua favela" e lhes foram apresentadas várias opções de respostas, igualmente divididas entre palavras positivas e negativas, entre elas medo, respeito, desconfiança, admiração, simpatia, indiferença, desrespeito, indiferença e raiva. O entrevistado também poderia dizer qualquer outro sentimento que desejasse.
"Quando os residentes relacionam seus sentimentos com a polícia, eles costumavam usar uma linguagem negativa", registra o estudo. Medo e desconfiança foram as palavras mais utilizadas.
O relatório também traça o perfil dos entrevistados. Metade deles vive com uma renda média de um a dois salários mínimos. Em relação à escolaridade, 29% completaram o ensino fundamental e 26% completaram o ensino médio. Apenas 3% tiveram acesso à universidade. Dos entrevistados, 45% declararam-se como católicos e 41% como evangélicos, enquanto 14% se disseram adeptos de outras religiões e 24% afirmaram não ter religião.
Esse não é o primeiro estudo do laboratório da Universidade de Stanford desenvolvido no Rio de Janeiro. Em parceria com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Seseg) e a Polícia Militar, vem sendo realizados estudos com o objetivo de entender as causas individuais, contextuais e institucionais do uso da força letal policial. Pesquisas similares também são desenvolvidas no México.
UPP
O estudo trouxe também impressões do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), criado em 2008, como um dos principais instrumentos de segurança pública do estado. No ano passado, foi anunciada uma reformulação e o remanejamento de um terço do efetivo que atuava nas favelas.
A UPP foi avaliada como positiva para a comunidade apenas por 31% dos entrevistados, enquanto 22% consideram a experiência negativa. Para 23%, houve melhora na relação entre comunidade e policiais, mas para 27% essa interação não melhorou. O maior número de entrevistados, no entanto, não apresentou avaliações positivas nem negativas, respondendo às perguntas dizendo que concordam "em parte" ou que "as coisas ficaram da mesma forma." Por outro lado, 48% dos entrevistados avaliaram que a UPP aumentou o desenvolvimento econômico local e 33% relataram que ajudou a diminuir a discriminação à favela.
As avaliações também diferem de uma comunidade para outra. No Batan, 60% da população acredita que a UPP foi uma ação positiva e apenas 4% tem uma opinião oposta. Na Rocinha, 40% dos entrevistados discordam que a UPP melhorou a comunidade, enquanto somente 20% concordaram com esta afirmação.
A Rocinha é também a única favela onde o número de moradores que querem a saída da UPP foi maior do que aqueles que querem a permanência. O fim do projeto é defendido por 30% dos entrevistados, contra 27% que não desejam. No Batan e na Cidade de Deus, mais da metade dos residentes acham que a UPP não deve abandonar a comunidade.
Na Providência, 37% têm essa mesma opinião, superando os que discordam dela. Na Maré, não há UPP, de forma que os moradores não opinaram sobre o assunto.
"Apesar da existência de opiniões diversas sobre a UPP, quando perguntamos diretamente aos moradores se querem que ela deixe a favela, 46% de todos os entrevistados respondem que não", disse a pesquisadora Beatriz Magaloni, diretora do PoVgov.
Sobre os resultados alcançados pelo projeto, apenas 14% responderam que a polícia conseguiu recuperar o controle territorial de grupos criminosos, enquanto 37% acham que houve falha nesse objetivo, e 30% relataram que a UPP não acabou com os confrontos armados entre grupos criminosos e policiais, enquanto 23% responderam que isso ocorreu. Em relação à criminalidade, apenas 32% acreditam que houve redução do crime. Para 49%, a situação não se alterou e 19% avaliam que as práticas criminosas cresceram.
Corrupção
Os entrevistados também avaliaram o nível de corrupção policial: 21% acham que aumentou e 22% que diminuiu. Particularmente na Rocinha, 35% moradores afirmaram que houve crescimento desse tipo de corrupção. É o maior índice entre as comunidades estudadas.
Os moradores das favelas relataram pedidos de subornos em ocasiões diversas, incluindo para autorizar a realização festas, para regularizar moto-táxis ou para não prender um membro da família. Em algumas áreas, a UPP teria práticas de milícia, cobrando para se ter acesso a serviços como TV a cabo, eletricidade e gás. Outra forma de atividade ilícita está ligada aos acordos com traficantes, onde os policiais recebem dinheiro para fazer vista grossa ao fluxo de drogas.
O relatório apontou ainda que as avaliações são diversas, considerados alguns perfis dos entrevistados. As mulheres são significativamente mais propensas a aprovar a UPP do que os homens. Por outro lado, os moradores que têm filhos desaprovam mais do que aqueles que não são pais. Além disso, os negros tendem a ser menos favoráveis à UPP do que os brancos.