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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 2 de abril de 2018

PLP 459/2017 desvia arrecadação tributária e gera dívida pública ilegal

Segunda, 2 de abril de 2018
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Por
Maria Lucia Fattorelli
22/03/2018
Grande propaganda vem sendo feita por governadores e prefeitos pela aprovação do projeto de SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS (PLP 459/2017 na Câmara dos Deputados, tramitou no Senado como PLS 204/2016), sob alegação de que tal projeto iria “acelerar a cobrança de créditos e traria benefícios para os entes federados”.

Na verdade, tal projeto desvia arrecadação tributária e viabiliza a realização de operação de crédito ilegal e não devidamente autorizada. Utiliza empresa estatal criada para operar engenharia financeira que possibilita o ingresso de algum dinheiro rápido por meio de empréstimo ilegal, porém, a um custo altíssimo e inconstitucional que afeta negativamente as finanças públicas atuais e futuras.

Em troca do empréstimo ilegal (que não é contabilizado como dívida pública, mas sim como “venda de ativo”), o ente federado entrega a propriedade do fluxo da arrecadação de créditos, que é desviado, como indicado no diagrama a seguir.

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Os entes federados perdem o controle sobre a arrecadação de créditos tributários (parcelados ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa), líquidos e certos, devido à cessão do fluxo de arrecadação desses créditos mediante contratos de alienação fiduciária ou outras ordens à rede arrecadadora. Esse desvio ocorre durante o percurso desses créditos pela rede bancária, para uma conta vinculada à empresa criada para operar o esquema porém, não é essa empresa que gerencia a referida conta, mas sim os investidores privilegiados que adquirem os papéis emitidos por essa empresa.

Sem esse esquema, a totalidade dos recursos arrecadados chegariam integralmente aos cofres públicos. Com o esquema, somente uma parte dos recursos arrecadados alcança os cofres públicos, pois a outra parte é desviada para investidores privilegiados e sequer irá compor o orçamento público. Com isso, toda a legislação de finanças do país, que é estruturada no princípio do orçamento único, está sendo burlada por esse esquema, razão pela qual a aprovação desse projeto será um escândalo.

Inúmeras aberrações legais embutidas nessas operações ferem a Constituição Federal, o Código Tributário Nacional, a Lei de Responsabilidade Fiscal e toda a legislação de finanças do país. Por isso, graves questionamentos por parte de órgãos de controle federais, como o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público de Contas, e estaduais, como o Tribunal de Contas dos Estados de Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Sul têm sido levantados (Ver ALERTA CONTRA O PLP 459/2017, disponível em https://goo.gl/CWo4bu) mas tudo isso tem sido ignorado pelos parlamentares que em dezembro último aprovaram o PLS 204/2016 no Senado.

A contratação disfarçada de dívida pública usa a empresa estatal criada para operar esse esquema. Essa “estatal não dependente”, pessoa jurídica de direito privado (a exemplo das que já estão operando em Belo Horizonte - PBH Ativos S/A - e em São Paulo - CPSEC S/A – entre outras), emite papéis financeiros, debêntures sênior, que oferecem juros elevadíssimos e são vendidas a investidores privilegiados sob a modalidade de “esforços restritos de colocação”, sem qualquer propaganda, de tal forma que somente poucos privilegiados do mercado financeiro tomam conhecimento. Um banco compra essas debêntures, paga à empresa criada para operar
o esquema, ela fica com uma parte e repassa a maior parte ao ente federado, como mostra o diagrama a seguir.

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No caso de Belo Horizonte o banco BTG Pactual S/A, que foi o coordenador líder da operação de lançamento das debêntures, comprou a totalidade desses papéis por R$ 230 milhões. A empresa PBH Ativos S/A ficou com R$ 30 milhões e repassou R$ 200 milhões para o município de Belo Horizonte. O mecanismo foi uma mera fachada para o município obter esses R$ 200 milhões no mercado. Como esse empréstimo não é contabilizado como dívida, o seu pagamento se dá por fora, com aqueles recursos desviados ainda na rede bancária; um verdadeiro escândalo!

Caso não tivesse sido implementado esse esquema em Belo Horizonte, o município teria R$ 70 milhões a mais em caixa. Então, numa operação de R$ 200 milhões, em apenas 3 anos, o município já teve perda comprovada de R$ 70 milhões, conforme dados oficiais analisados pela CPI da Câmara Municipal de Belo Horizonte, que permitiu acesso a escrituras, documentos contábeis e contratos da PBH Ativos S/A, cuja análise revelou que referida empresa
é mero veículo de passagem para confundir e dificultar a visualização das operações ilegais e fraudulentas que envolvem o desvio e sequestro de recursos públicos, além da perda de controle sobre a arrecadação tributária e danos financeiros efetivos.

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Em apenas 3 anos e dois meses de funcionamento e com uma operação de R$ 200 milhões o município de Belo Horizonte teve perda efetiva de R$ 70 milhões, já que sem o esquema teria recebido R$ 531,5 milhões e, devido ao esquema recebeu R$ 462 milhões no período. O impacto disso em todo o Brasil, ao longo de um período de tempo maior, será
desastroso e aniquilará as finanças de todos os entes federados, com o agravante de acobertar esquema fraudulento, porque contratar dívida dessa forma disfarçada é crime, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Além disso, devido à alienação fiduciária dos créditos parcelados a receber, essa perda continuará ocorrendo em escala exponencial ao longo dos anos.

O BTG Pactual S/A foi ao mesmo tempo o coordenador líder da emissão das debêntures pela PBH Ativos S/A e ele mesmo adquiriu a totalidade dessas debêntures. Também ele é que possui poderes sobre as Contas Vinculadas, que não podem receber qualquer interferência do Município nem da própria PBH Ativos S/A. A operação não foi registrada na CVM, com base na questionável Instrução CVM 476, que afronta o art. 19 da Lei 6.385/76.

O esquema da securitização envolve, adicionalmente, garantias públicas descomunais! Além da entrega do controle sobre a arrecadação dos créditos parcelados, caso algum desses créditos deixe de ser arrecadado, o Município se compromete com garantias e indenizações, ou seja, terá repor com outros créditos ou indenizar com recursos.

Essas garantias são documentadas por outros papéis também emitidos pela empresa estatal criada para operar o esquema – as debêntures subordinadas – as quais são entregues pela empresa ao ente federado, em troca do compromisso de garantia no montante exigido pelo mercado. No caso de Belo Horizonte essa garantia foi de R$ 880 milhões, acrescidos de atualização monetária calculada pelo IPCA e mais juros mensais de 1% sobre a totalidade desse montante. Esse dado indica o quanto essa operação é onerosa: para receber, de forma ilegal, R$ 200 milhões, o município se comprometeu com R$ 880 milhões atualizados e remunerados! Os dados demostraram que em 3 anos os R$ 200 milhões foram pagos, mas o esquema prosseguirá ao longo de 9 anos...

Ao contrário da propaganda enganosa de que o esquema da SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS iria livrar o Estado de créditos podres, o esquema representa um grande rombo às contas públicas e a perda do controle sobre a arrecadação tributária. O ônus de cobrar o crédito tributário continua a cargo dos órgãos públicos, esteja ele inscrito em Dívida Ativa (cobrança judicial ou extrajudicial) ou não, seja de difícil arrecadação ou não. Todo esse trabalho de arrecadar, fiscalizar e cobrar continua a cargo do setor público, como aliás consta textualmente do projeto de lei. O que está sendo cedido de fato pelos entes federados não é o ônus de cobrar créditos de difícil arrecadação, como diz a propaganda falaciosa, mas sim o próprio produto da arrecadação tributária; o dinheiro que chega à rede arrecadadora, mediante a alienação fiduciária do fluxo da arrecadação.

O texto dos projetos de lei menciona a cessão de “direitos originados de créditos tributários e não tributários”, OMITINDO QUE TAIS “DIREITOS ORIGINADOS” CORRESPONDEM AO RECURSO JÁ ARRECADADO.

Estamos diante de um escândalo: esse PLS 459/2017 autoriza o desvio do dinheiro arrecadado de contribuintes, isto é, desvio do recurso já pago, ingressado na rede bancária. Esse grave fato está escondido no texto do referido projeto de lei, disfarçado na expressão “DIREITOS ORIGINADOS” de créditos. Esses “direitos” correspondem ao produto da arrecadação!

Ademais, esta entrega do produto da arrecadação é definitiva e formalizada por contrato de cessão fiduciária dos créditos, o que implica na transferência da propriedade e controle sobre os créditos públicos, conforme comprovado documentalmente no estudo da PBH ATIVOS S/A durante CPI da Câmara Municipal de Belo Horizonte, conforme contratos oficiais¹ , e vem  acompanhada do compromisso de garantia de adimplemento dos créditos, o que implica em operação “com retenção dos riscos” pelo ente federado.

O PLS 459/2017 (PLS 204/2016) descumpre a Constituição Brasileira e todo o sistema normativo que compõe o arcabouço de proteção para as finanças públicas, uma vez que pretende-se conferir ares de legalidade à prática de ato lesivo ao erário público resultante de:

    (a) contratação de operação de crédito ilegal e não autorizada;
    (b) comprometimento com vultosas garantias e indenizações, e, especialmente,
   (c) desvio do fluxo de arrecadação tributária e respectivo sequestro de grande parte
desses recursos em favor de investidores privilegiados durante o seu percurso pela
rede bancária.

O PLP 459/2017 (PLS 204/2016 no Senado) (a) atende exclusivamente aos interesses da especulação financeira com grave lesão ao interesse público; (b) contraria frontalmente os princípios da publicidade e transparência abrindo as portas para corrupção desenfreada; (c) significa a perda do controle sobre a parcela da arrecadação tributária cujo fluxo é cedido, com grave ofensa às normas de finanças públicas e lesão aos cofres públicos; (d) promove a antecipação de receita pública de forma extremamente onerosa e ilegal, gerando perdas financeiras vultosas e irreparáveis, além do comprometimento por tempo indefinido de todas as administrações e gerações futuras.

Todas as fases da operação de crédito, resumidas a seguir, foram cabalmente comprovadas por diversos documentos recebidos pela CPI da PBH Ativos S/A:

• RECEBIMENTO DO EMPRÉSTIMO: o Município de Belo Horizonte recebeu R$ 200 milhões da PBH ATIVOS S/A (quando esta vendeu as debêntures sênior ao banco BTG Pactual S/A por R$230 milhões, pagando os escandalosos juros equivalentes a IPCA + 11% ao ano).

• PAGAMENTO DO EMPRÉSTIMO: se dá por meio do sequestro de cerca de metade dos recursos arrecadados de contribuintes, que são desviados para as Contas Vinculadas criadas por essa “engenharia financeira”. No período analisado, de abril/2014 a junho/2017, esse sequestro de recursos destinados ao banco BTG Pactual S/A somou R$ 259,96 milhões.

• VULTOSA REMUNERAÇÃO: comprovada pela disparidade entre o valor recebido pelo Município de Belo Horizonte (R$ 200 milhões) e o valor que se comprometeu entregar (R$880,32 milhões, mais IPCA, mais 1% ao mês), e, adicionalmente, pela perda comprovada no período analisado, de R$ 70 milhões.

Considerando a comprovação acerca da realização de operação de crédito, concessão de garantias e da cessão fiduciária de créditos parcelados arrecadados, recomendamos a leitura do 

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Relatório apresentado pela Auditoria Cidadã da Dívida à CPI da PBH Ativos S/A, disponível no link https://goo.gl/JuLNmr e respectivo Adendo 1 disponível em https://goo.gl/u6W4Fh, tendo em vista que todas as citações do referido relatório encontram-se devidamente fundamentadas em provas e documentos que comprovam o escândalo contido no esquema financeiro que tais projetos visam aprovar.

Diante do exposto, é importante que todas as entidades da sociedade civil e todos os cidadãos e cidadãs adotem iniciativas junto aos parlamentares e líderes políticos de todas as esferas públicas pela REJEIÇÃO AO PLP 459/2017 (tramitou sob o número PLS 204/2016 no Senado), devido à sua inconstitucionalidade flagrante, ofensa a toda a legislação que rege as finanças em nosso país e gravíssimos riscos para todos os entes federados e para a sociedade.