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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Competência para julgar crimes contra a vida praticados por militar com vítima civil é do Tribunal do Júri

Terça, 25 de agosto de 2020
Do MPF
Para MPF, crivo da Justiça Militar para escolha dos casos que serão julgados viola princípio acusatório e competência do juiz natural
A competência para julgar os crimes contra a vida praticados por militar quando a vítima for civil é do Tribunal do Júri, defende o Ministério Público Federal (MPF). Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques recorreu de decisão que negou seguimento a recurso extraordinário contra o arquivamento de ofício, pela Justiça Militar, de investigação de homicídio de um civil pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.
A subprocuradora-geral destaca que o artigo 125, parágrafo 4º, da Constituição Federal, conferiu ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes contra a vida praticados por militar quando a vítima for civil. “Trata-se de competência absoluta, que não pode ser afastada nem usurpada por qualquer outro Juízo”, assinala. Segundo Cláudia Sampaio, a Justiça Militar não pode, a pretexto de preservar sua competência, “conferir ao crime natureza que o constituinte expressamente não lhe reconheceu, e o que é pior, proferir decisões que violam a competência do Juízo constitucionalmente competente”.

Na manifestação, a subprocuradora-geral diz que a intervenção da Justiça Militar tão somente para selecionar os casos que vão ser encaminhados ao Juízo do Júri “afigura-se atentatório não somente à competência do Tribunal do Júri, ao princípio acusatório e às atribuições do Ministério Público como titular exclusivo da ação penal pública, mas também ao princípio democrático”.
Ela alerta que a Justiça Militar não foi instituída como um privilégio ou uma prerrogativa de natureza corporativa para livrar policiais militares da punição pelos crimes que venham a cometer em decorrência de intervenção policial. “Se não há competência da Justiça Militar, não há razão para que o inquérito seja submetido ao seu crivo para escolher quais casos vão ser levados ao julgamento do juiz constitucionalmente competente”, argumenta.
Posicionamento do STF – Para a subprocuradora-geral, a questão é de extrema relevância, não somente jurídica, mas também social, e reclama posicionamento firme e urgente da Suprema Corte. Ela cita que dados recentes divulgados pelo Monitor da Violência, do G1, apontam que em 2018, foram mortas por policiais no Brasil, 5.716 pessoas. Em 2019, foram 5.804 e nos cinco primeiros meses de 2020, somente no Rio de Janeiro, 741 pessoas já foram mortas por policiais. Em São Paulo, até junho já foram 514 mortes, representando aumento de 21% em relação ao mesmo período do ano passado. De acordo com Cláudia Sampaio, “a quase totalidade das investigações decorrentes dessas mortes é arquivada pela Justiça Militar a pretexto de legítima defesa”. 
Outro dado citado na manifestação, é o aumento de mortes de crianças atingidas por disparos de policiais, segundo dados divulgados pela imprensa. Em 2019, na cidade do Rio de Janeiro, seis crianças, com idade entre 5 e 12 anos foram mortas. “O Supremo Tribunal Federal não pode manter-se indiferente a essa realidade que choca o país”, pondera. “Um dos fatores relevantes para o agravamento da letalidade decorrente da atividade policial é, sem dúvida, a certeza da impunidade. O policial sabe que o juiz Militar e o respectivo Tribunal vão protegê-lo, evitando a instauração da ação penal”, conclui.
Entenda o caso – O caso concreto que resultou no debate sobre a competência para julgar os crimes contra a vida de civis por militares foi iniciado em São Paulo. A Polícia Militar instaurou inquérito para apurar o homicídio de um civil por dois PMs. Concluída a investigação, o inquérito foi encaminhado ao Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo que arquivou, de ofício, a investigação, com o argumento de que os investigados agiram em legítima defesa. A decisão foi contrária ao parecer do Ministério Público, que recorreu da decisão requerendo a nulidade da decisão por ofensa ao princípio acusatório e à competência do Tribunal do Júri.
O recurso foi negado e o MP opôs embargos infringentes buscando a prevalência do voto vencido que defendeu a procedência do recurso com base nos artigos 125, parágrafo 4º e 129, inciso I, ambos da Constituição Federal. Os embargos não foram acolhidos, resultando no recurso extraordinário, que teve seu seguimento negado pelo relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski. A manifestação assinada pela subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques pede a reconsideração da decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário ou o provimento do agravo interno para que seja conhecido e provido o recurso extraordinário.