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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

QUEM TERÁ EM 2024 O SEU ANO FELIZ

Sexta, 5 de janeiro de 2024
Pedro Augusto Pinho*

QUEM TERÁ EM 2024 O SEU ANO FELIZ

 

Há um século, vivíamos os anos loucos. Acabara a grande guerra colonial europeia para conquista de territórios na África e Ásia, com a vitória dos Estados Unidos da América (EUA). E vinham daquele país norte-americano as características da década: o sufrágio feminino, a melindrosa, o charleston e o jazz, o cinema, o automóvel e, ao lado da liberdade de costumes, a lei seca, e restrições aos imigrantes asiáticos e mesmo dos europeus pobres, que desejavam “fazer a América”.


Em 1918 surgia na Europa novo modelo político, social e econômico: o comunismo, na imensa Rússia dos czares. A Europa se refazia das mazelas da guerra, especialmente a Alemanha, que deixava de ser o Império de 2.658.161 km², para ser a República de Weimar, com 468.787km².


Porém o pior estava por vir: a crise da especulação financeira estadunidense (1929), que levou o mundo à forte depressão econômica e as novas demandas políticas e surgimento de outras ideologias de poder.


A II Grande Guerra foi gerada nestes anos loucos, aos quais nem faltou uma epidemia: a “gripe espanhola”.


Nossos anos loucos surgiram mais cedo, no ano 2010, porém já ameaçam com mutações do covid 19 e as irracionalidades da gestão financeira, provocando guerras, fome, desemprego, miséria, desindustrialização entre tantas outras mazelas, inexistentes quando o domínio visava a vida próspera, segura, civilizada.


O SÉCULO 21 A VOO DE PÁSSARO


O poder estadunidense da industrialização, vitorioso há um século, se desfez com o ataque neoliberal, construído desde o ambiente conturbado do entre guerras (1914-1939), e vitorioso nos anos 1980, com as desregulações financeiras e a divulgação da constituição da globalidade unipolar, o “Consenso de Washington”, fechando a década (1989).


Uma sequência de seis crises, provocadas para transferência de recursos do sistema produtivo e dos Estados Nacionais para os gestores de ativos, na última década do século 20, obrigou à sequência de guerras localizadas nestes últimos 24 anos.


Logo em 2001, com a farsa da destruição de três torres em Nova Iorque (EUA), deu início à “luta contra o terror”, caracterizada pelo ataque à religião islâmica. Tem início a Guerra no Afeganistão (2002), e com falso pretexto de armas de destruição de massa, a Guerra no Iraque (2003).


Seguem-se a sucessão de movimentos, insuflados pelas organizações de inteligência anglo-estadunidense-francesas, que tomaram o nome de “Primaveras Árabes”, pois atingiam países predominantemente islâmicos: Tunísia, Líbia, Egito e Síria. Também foram atingidos outros países da África (Quênia e Nigéria), da eurásia (Chechênia, Paquistão e Ucrânia).


Mais recentemente, para manter em permanente conflito o Oriente Médio, a principal província petroleira do mundo, implodiu a Guerra de Israel contra o povo palestino, que já se alastra para o Líbano.


O assédio do sistema financeiro internacional a países africanos e asiáticos tem sido permanente, ora com movimentações militares ora com bloqueio, sanções e outras atividades econômicas.


Pode-se resumir que a característica deste século é a batalha das finanças apátridas aos Estados Nacionais, à industrialização e ao desenvolvimento tecnológico fora do mundo unipolar.


Antes de discorrer sobre personagens, países, organizações internacionais, efeitos econômicos, sociais e políticos desta batalha, cabe uma reflexão sobre a questão da energia.


A ENERGIA NO MUNDO CONFLITUOSO


O grande desenvolvimento, obtido pelos EUA a partir do término da Guerra da Secessão (1861-1865), deveu-se a singularidade da descoberta de petróleo (1859) em território estadunidense.


Desse modo, dispondo da melhor fonte de energia primária, pelo custo de obtenção e pelo poder calorífico, os EUA puderam se industrializar mais ampla e rapidamente, atingindo a condição de potência na I Grande Guerra (1914-1918).


Ainda hoje, o petróleo é a mais utilizada fonte primária de energia, 52% da matriz energética mundial, seguido do carvão mineral (29%) e da biomassa (10%). As pesquisas atualmente em curso, para a produção de energia atômica pela fusão nuclear, poderão alterar esta matriz ainda neste século. Hoje a fissão nuclear responde por 5% da matriz mundial.


Portanto, a disponibilidade de petróleo é uma condição importante para o desenvolvimento dos países. São quatro os principais polos petrolíferos no mundo.

O mais importante está no Oriente Médio, com a Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Catar, Omã e Síria. Também há referência a reservas na área marítima da Faixa de Gaza.


A segunda área de grandes reservas está na América do Sul, com o país da maior reserva mundial, a Venezuela, e significativas reservas no Brasil (pré-sal), no Equador, Colômbia e Argentina. Em terceira posição está a Federação Russa e os países da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), que reúne 12 das 15 Repúblicas Socialistas Soviéticas.


A quarta grande concentração de reservas está na África, liderada pela Líbia e pela Nigéria, com Angola, Egito e Sudão.


Verifica-se que o centro do mundo unipolar: EUA, Reino Unido e União Europeia, além de não possuírem reservas significativas, não mais administram as maiores fontes de energia fóssil do mundo. O carvão mineral é atualmente mais encontrado na China, na Rússia, na Índia, países dos BRICS, e na Austrália e EUA.


Esta situação explica a enorme campanha que as finanças apátridas, desde a década de 1970, movem contra o petróleo, imputando malefícios que nada tem a ver com seu uso, como as questões climáticas, decorrentes dos períodos glaciais e interglaciais, das explosões solares e de outros fatores independentes da ação humana: fendas geológicas, vulcões e tsunamis.


As energias eólica e solar, além de muito mais caras do que as fósseis, são intermitentes e necessitam do petróleo para seus funcionamentos.


O MUNDO QUE 2024 ESTÁ RECEBENDO


2024 inicia com os BRICS ampliado e de modo muito significativo. Recorde-se seu início, congregando os países em forte desenvolvimento: Brasil, Rússia, Índia e China, aos quais logo se agregou a África do Sul. Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos (EAU), Etiópia e Irã compõem o BRICS10, que terá a Rússia na presidência deste ano. Há cerca de 20 países candidatos a um lugar nesta Organização Internacional.


Com dados do Poder360 (“Brics ampliado terá quase metade da produção de petróleo global”, de Geraldo Campos Jr, em 03/09/2023) e retirando a Argentina, que decidiu não ingressar na Organização, o novo BRICS10 estará produzindo 36,1 milhões de barris de óleo por dia e 1.325 bilhões de m³ de gás natural por ano, o que representa 45% do fornecimento mundial de petróleo.


No aspecto da projeção de poder, os BRICS10 têm 46% da população do planeta e perto de 37% do PIB mundial.


Os BRICS10 terão, no mundo político internacional, o apoio da Organização para Cooperação de Xangai (OCX), criada em 2001, composta originalmente pela China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão, aos quais se incorporaram, em 2017, a Índia e o Paquistão, e recentemente (2023) o Irã. São partícipes da OGX, na condição de “Parceiros de Diálogo”, a Arábia Saudita, Armênia, Azerbaijão, Camboja, Catar, Egito, Nepal, Sri Lanka e Turquia. E de “Observadores”: o Afeganistão, a Bielorrússia e a Mongólia.


Em 2024 completará dez anos a União Econômica Eurasiática (UEE), formada pela Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia e Tadjiquistão, além de Cuba e Uzbequistão, estes dois na qualidade de observadores. Nove países já celebraram Acordos Comerciais com a UEE.


Somando a estas organizações a Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), formada por 150 países, que completou dez anos em 2023, integrando por rede de projetos de infraestrutura a Ásia com a África, Europa e América, não resta dúvida de quem está no comando da grande transformação a se opor ao mundo unipolar.


As instituições de divulgação, doutrinação e coordenação do projeto financeiro neoliberal reconhecem as grandes dificuldades que enfrentarão neste ano. O Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça), em janeiro de 2023, ouviu economistas de diversas procedências, de setores público e privado, e dois terços esperavam a recessão global.


A Europa perde sua posição de liderança envolvida na sua própria armadilha da guerra contra a Rússia, entrando no processo de desindustrialização, de falta de suprimento de energia, do desemprego e diversas manifestações populares, desde a Suécia até a Itália, contra os governos que se auto referiam como democráticos e liberais. Não espanta a onda neofascista e das extremas direitas política, religiosa e bélica a correr o Velho Continente e sua expressão armada: Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que pretende se expandir para o Pacífico.


Se a eleição nos EUA provoca apreensão com a possibilidade de vitória de Donald Trump, na Rússia é certa a recondução de Vladimir Putin, com 80% da população se manifestando a favor do defensor do povo e da cultura russa.


Na economia, a desdolarização deu mais um passo com os BRICS10 e levará ainda a novas medidas com o possível aumento de membros na próxima reunião de agosto de 2024.


Surge na faixa do Sahel, na África, novo movimento de descolonização que encontrará nas Organizações encabeçadas pela China e pela Rússia o apoio que necessitarão, tanto no campo político, quanto econômico, social e mesmo militar pois a Guerra na Ucrânia demonstrou que a Rússia está três gerações de armamentos a frente dos EUA. O que não se resolve em um ano.

O Feliz Ano Novo vai para o Oriente, como ocorreu antes da chegada dos europeus à América. Se esta última ocupação durou 500 anos, quanto durará a reconquista oriental do poder tecnológico e do comércio, ao invés de provocar guerras?

 

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.