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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

SOLIDARIEDADE —Vereadores de São Paulo organizam 'CPI da população de rua' contra proposta que mira padre Lancellotti

Sexta, 5 de janeiro de 2024
Liderança religiosa recebeu apoio após o anúncio de comissão para investigar ONGs

Caroline Oliveira
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 05 de janeiro de 2024

Oposição articula uma comissão para investigar atuação da Prefeitura em prol da população em situação de rua - Richard Lourenço/Câmara Municipal de São Paulo

A bancada do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo deve apresentar um pedido de instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o aumento no número das pessoas em situação de rua na capital paulista.

A proposta também nasce como uma reação ao pedido de instalação de CPI protocolada pelo vereador Rubinho Nunes (União Brasil), em 6 de dezembro do ano passado, que tem como um dos alvos o padre Julio Lancellotti. A liderança religiosa atua em prol da população em situação de rua na região há décadas.


A vereadora Silvia Ferraro (PSOL), da Bancada Feminista, informou ao Brasil de Fato que logo após o fim do recesso parlamentar, na primeira semana de fevereiro, a legenda buscará as assinaturas necessárias para protocolar o pedido. No total, é necessário o apoio de 19 dos 55 vereadores.

"Nós, da Bancada Feminista, estamos articulando uma outra CPI para se contrapor a essa, para investigar por que a população em situação de rua de São Paulo cresceu tanto no último período. O que existe de fato é uma negligência do poder público municipal com população em situação de rua. Assim que a Câmara voltar do recesso, nós vamos atrás das assinaturas", afirmou. Um levantamento feito pelo g1, divulgado em setembro do ano passado, mostrou que a capital tem cerca de 53 mil pessoas nesta situação. Em 2019, esse número era de aproximadamente 24 mil.

Vereadora Silvia Ferraro, da Bancada Feminista / Richard Lourenço/Câmara Municipal de São Paulo

Nesse contexto, a parlamentar classificou como "absurda" a instalação de uma CPI para "perseguir" pessoas e entidades que "fazem um trabalho assistencial". "Rubinho Nunes fala que essas entidades dão marmita e comida e que, portanto, perpetuam a população em situação de rua, quando é totalmente inverso a situação", afirma a vereadora.

"Quem perpetua a população em situação de rua é falta do poder público que não tem programa de moradia social, de geração de emprego e renda, que não tem programa adequado com a questão."


O vereador Celso Giannazi, também do PSOL, afirma que a CPI proposta pela oposição vai questionar o que a prefeitura de São Paulo, em nome do prefeito Ricardo Nunes (MDB), tem feito efetivamente para combater o aumento da população em situação de rua. "Considerando que a prefeitura tem recursos financeiros significativos, o problema não é a falta de recursos, mas sim a falta de competência dessa administração para enfrentar com seriedade esse problema."

A vereadora Luna Zarattini (PT), que preside a Comissão de Direitos Humanos na Câmara, já declarou apoio à instalação da CPI proposta pelo PSOL. "Eu acredito ser fundamental e muito importante essa articulação da CPI em relação à investigação do aumento da população de situação de rua feita pela vereadora Silvia Ferraro", disse Zarattini ao Brasil de Fato.


"Enquanto presidente da Comissão de Direitos Humanos, eu apoio essa iniciativa, e o Partido dos Trabalhadores também, porque é fundamental a gente investigar uma série de irregularidades e de ineficácias das políticas públicas em relação à população em situação de rua."

Perda de apoio

Além da articulação por uma CPI que vá na direção contrária da comissão proposta por Rubinho Nunes, a repercussão negativa também fez com que o vereador do União Brasil perdesse apoio da própria base do prefeito Ricardo Nunes, da qual faz parte.

Pelo menos quatro vereadores de São Paulo retiraram o apoio à instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que tem como um dos alvos o padre Julio Lancellotti.


Os vereadores Thammy Miranda (PL), Xexéu Tripoli (PSDB), Sidney Cruz (Solidariedade) e Sandra Tadeu (União Brasil) alegam que foram enganados pelo colega de Casa, o vereador Rubinho Nunes (União Brasil), que articula a implementação da comissão.

"Nós fomos enganados e apunhalados pelas costas. O documento de CPI que assinamos nunca citou o padre Julio e usou de uma situação séria para angariar apoio. 90% dos vereadores que assinaram esse pedido não sabiam desse direcionamento político do vereador [Rubinho] nessa CPI. Eu e meus colegas estamos do mesmo lado do padre Julio, de cuidar das pessoas. Lamento essa politização que o vereador fez do assunto e já pedi pra minha assessoria jurídica acionar a Casa e retirar meu apoio desse projeto", afirmou o vereador Thammy Miranda (PL) em transmissão ao vivo em suas redes sociais ao lado do padre.


Apesar de recuarem no apoio, não é possível retirar a assinatura, uma vez que o pedido para a instalação já foi protocolado em 6 de dezembro do ano passado. Agora, cabe ao presidente da Câmara dos Vereadores de São Paulo, Milton Leite, do mesmo partido de Rubinho Nunes, decidir se aceita ou não o pedido de instalação. A expectativa é que Leite não vá contra seu correligionário, a despeito da desastrosa repercussão sobre a CPI. Ainda assim, não deve atuar em favor da instalação.

Milton Leite, vereador pelo União Brasil e atual presidente da Câmara Municipal de São Paulo / Richard Lourenço/Câmara Municipal de São Paulo

Segundo Silvia Ferraro, ainda não é possível dizer qual será o encaminhamento dado por Milton Leite. "Vai depender muito de como vai seguir essa mobilização contra a CPI. Teve um primeiro momento que foi muito impactante o apoio ao padre Julio contra a CPI e exatamente por isso esses vereadores retiraram apoio", afirma. "Até agora a posição do presidente da Câmara foi de analisar. Ou seja, não foi uma posição categórica contra. O que nós estamos dizendo é que não queremos a CPI de forma nenhuma."

Organizações como alvo

Ainda que a CPI não atinja diretamente o padre Julio Lancellotti, a vereadora afirma que, se instalada, a comissão implicará na perseguição de organizações que fazem trabalho assistencial na região central de São Paulo. "Eu estou um pouco preocupada ainda, porque em alguns vereadores disseram que o padre Julio não é o alvo, mas as ONGs, o que também é muito ruim", afirma Ferraro.


Uma das organizações que também é alvo da CPI proposta por Rubinho Nunes é o Movimento Craco Resiste, que também atua com as pessoas em situação de vulnerabilidade no centro de São Paulo. Daniel Mello, membro do movimento, classificou a CPI como uma tentativa de tirar o foco da política municipal para tratar da Cracolândia.

Vereador Rubinho Nunes (União Brasil) foi membro do Movimento Brasil Livre (MBL) / André Bueno/Câmara Municipal de São Paulo

"É toda uma tentativa de intimidação, de tirar o foco da discussão. Desde o início da gestão [João] Doria, passando por [Bruno] Covas e Tarcísio [de Freitas, atual governador de São Paulo], está se apostando numa política de violência policial associada à internação, que é uma gastança de dinheiro público sem resultado para ninguém, que só piora a situação das pessoas pobres e do bairro, porque acirra um clima de conflito, violência e caos", afirma Mello.

A despeito da tentativa de instalar a CPI, a expectativa do movimento é que isso não aconteça. "A gente pensa que o conjunto da Câmara de Vereadores vai entender que a cidade tem outras prioridades, vai buscar agir com mínima seriedade. Não tem nenhum fundamento. A gente acredita, ainda que tenha um perfil conservador, a Câmara, a gente espera que se trabalhe com o mínimo de fundamento, com o mínimo de seriedade", afirma.

Desde a última quarta-feira (3) o Brasil de Fato tenta contato com o vereador Rubinho Nunes por meio seu número telefônico. Ainda não houve retorno. O espaço está aberto para posicionamentos.

Edição: Thalita Pires