Terça, 4 de novembro de 2025
O banho de sangue nas favelas cariocas é exemplar na disputa por seu significado na luta política. Ouvir as maiorias é imperativo – mas não se deve abdicar de liderar, pedagogicamente, o repúdio radical a atos execráveis contra a vida: o massacre é inaceitável
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
No massacre do dia 28 de outubro, no Rio de Janeiro, foram mortas 121 pessoas -a contagem pode aumentar-, muitas delas com a extravagância de quem não se limita a matar: manifesta o desejo de comentar o assassinato, acrescentando ao crime um superlativo e uma assinatura, produzindo excesso de significação (decapitação, mutilação, esfaqueamento, desmembramento) que, paradoxalmente, anula o significado objetivo e utilitário da prática homicida, redefinindo o gesto como um movimento além do ato, destinado a comunicar outro sentido, não contido na cena “operacional”. Mais uma vez, compulsão à repetição como “política de segurança”, em escala crescente: está em jogo, novamente, o endereçamento da abjeção social -para que lado olhar, onde identificar a fonte do mal e do medo, mobilizando quais afetos? É aí que se instala, e intensifica, o racismo. Há um locus privilegiado, um território. O racismo é uma geografia, uma geopolítica urbana -viva Milton Santos! A operação policial não visava prover segurança, mas qualificar a insegurança.
Sabemos que uma incursão bélica num bairro popular não restaura a ordem, não promove segurança pública, não altera dinâmicas criminais em curso. Sabemos pela observação de eventos análogos ao longo das décadas. Nesse caso, tratava-se de mudar a agenda política, que vinha se desenhando favorável ao governo federal, em parte por erros grosseiros da extrema direita, cuja irresponsabilidade anti-nacional ultrapassara todos os limites. Tratava-se também de salvar o governador, às vésperas de seu julgamento no TSE. Além disso, a insistência no léxico trumpista do “narco-terror” serviu para inscrever o discurso da extrema direita brasileira na gramática geopolítica global, sacrificando a soberania e abrindo as portas do Brasil a quaisquer veleidades imperiais. Senha e passaporte foram emitidos. Pode-se imaginar a festa de robôs e algoritmos, no ano eleitoral. Mesmo que a Faria Lima e a mídia corporativa não embarquem na aventura neofascista, lhes convém manter sob chantagem o governo federal.