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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 7 de maio de 2025

As anulações das dívidas e as mobilizações camponesas na Europa, da Antiguidade ao século XX – CADTM

Quarta, 7 de maio de 2025


23 de Abril por Eric Toussaint

Em 2025 comemoram-se os 500 anos do aniversário da grande revolta camponesa que abalou toda a região germânica da Alsácia à Áustria, passando pela maioria dos principados da Alemanha e pela Suíça germânica. Em 1524-1525, pelo menos 300.000 camponeses e camponesas insurgiram-se. O movimento foi esmagado em maio de 1525 e a repressão brutal provocou a morte de pelo menos 100.000 camponeses. Entre as razões da revolta, o nível insustentável da dívida camponesa esteve à cabeça das reivindicações. Um dos principais líderes do movimento, Thomas Münzer, pregador antagonista de Lutero, afirmava a necessidade de instaurar na Terra um sistema conforme aos Evangelhos, o que implicava a anulação das dívidas e a igualdade de riqueza. Neste artigo, Éric Toussaint revisita os grandes movimentos camponeses que marcaram a história europeia, do Atlântico ao mar Cáspio, do Báltico ao Mediterrâneo, e a tradição das anulações de dívida.



 O papel histórico da dívida na exploração dos camponeses

Nos últimos 5000 anos, o endividamento das camponesas tem sido uma forma de exploração e espoliação que tem levado a sucessivas revoltas nos campos e que alastrou às cidades.

O processo de exploração e espoliação por meio da dívida é simples: o credor exige ao devedor que dê como garantia as suas posses. Pode ser, por exemplo, a terra que o camponês ou camponesa possui e lavra, ou os seus instrumentos de trabalho, ou gado. O reembolso do empréstimo pode ser feito em espécie ou em dinheiro. Como a taxa de juro é elevada, o devedor, para conseguir reembolsar a dívida, é obrigado a transferir para o mutuante uma grande parte do produto do seu trabalho e empobrece. Se deixar de pagar, o credor irá espoliá-lo do bem dado como garantia. Em certas sociedades, o incumprimento pode mesmo acarretar a perda de liberdade do devedor ou de membros da sua família. É a escravatura por dívida.

Há 5000 anos que as dívidas privadas desempenham um papel central nas relações sociais. A luta entre ricos e pobres, entre exploradores e exploradas, tomou muitas vezes a forma de conflito entre credores e devedores. Como destacou David Graeber, as insurreições populares começaram, com uma regularidade notável, da mesma maneira: pela destruição ritual dos documentos relativos à dívida (tábuas, papiros, livros de contas, registos de impostos…) (Graeber 2011) [1]. Em vários casos a luta pela anulação das dívidas resultou em situações revolucionárias.

Antes de avançarmos para a Idade Média e para o contexto de guerra dos camponeses alemães, convém sublinhar que o costume de anulação das dívidas tem uma longa história. Não é possível compreender as ideias em nome das quais os camponeses alemães se mobilizaram, se não tivermos em conta a força da tradição das anulações de dívidas na visão cristã original do mundo. Thomas Münzer, à semelhança de outros pregadores radicais da sua época e dos líderes das lutas campesinas, invocava os Evangelhos e considerava que as dívidas deviam ser anuladas.

Mas donde vem essa tradição de anulação das dívidas?

 A origem das anulações de dívidas

Durante a Idade do Bronze, na Mesopotâmia, os monarcas proclamavam periodicamente anulações de dívida que visavam restabelecer a paz social, pondo fim ao endividamento abusivo, que descambava amiúde na escravização por dívida e completa espoliação (Hudson 1993) [2]. Houve umas trinta anulações gerais de dívidas privadas na Mesopotâmia entre 2400 e 1400 antes da era cristã. Estas anulações beneficiavam principalmente os/as camponeses. Um dos decretos de anulação estipula que os credores oficiais e os cobradores de impostos que expulsaram os camponeses tinham de indemnizá-los.

Também houve anulações de dívida proclamadas pelos imperadores assírios no primeiro milénio a. C., e pelos faraós no Egipto. No século VIII a. C., encontramos no Egipto proclamações de anulação das dívidas e libertação dos escravos por dívida. Assim foi durante o reinado do faraó Bocchoris (717-711 a. C.).

Mais tarde, esta tradição, apesar de abandonada na prática, foi integrada no judaísmo e depois no cristianismo originais como princípio fundador. A tradição das anulações gerais da dívida fez parte da religião judaica e dos primeiros textos do cristianismo, via Deuteronómio, que proclama a obrigação de anular as dívidas a cada sete anos, e Levítico, que a exige a cada jubileu, ou seja, de 50 em 50 anos (Ponet 2024) [3]. A proibição de emprestar a juros também fazia parte dos princípios da religião cristã, do judaísmo e mais tarde do islão.

Na oração do «Pai Nosso», a oração de Jesus mais comum, em vez da tradução actual «Perdoai as nossas ofensas [pecados], / Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido», o texto grego original de Mateus rezava assim: «Senhor, anulai as nossas dívidas, assim como nós anulamos as dívidas a quem nos deve». Também a versão espanhola actual usa a palavra deuda (dívida) e não pecado. Em alemão, neerlandês, sueco, a palavra «Schuld» tanto exprime pecado, como dívida. E o termo aleluia, que denota alegria e é utilizado nas religiões judaicas e cristãs, provém da língua falada em Babilónia no segundo milénio antes de Cristo, aludindo à libertação dos escravos por dívida (Hudson 1993) [4].

É preciso notar que a tradição da anulação das dívidas a cada sete anos e por ocasião do jubileu a cada 50 anos nunca foi respeitada, pois contrariava os interesses das classes dominantes e dos diversos modos de produção que se sucederam a partir da segunda metade do primeiro milénio antes de Cristo. Quando houve anulações das dívidas, elas resultaram de grandes mobilizações populares e de grandes crises no seio das classes dirigentes.

Na época da Antiguidade grega e romana, o endividamento dos camponeses, que tinha adquirido proporções gigantescas, resultou em escravatura por dívida e provocou repetidas revoltas. Em Atenas, as reformas de Sólon no século VI antes de Cristo deram origem à anulação das dívidas e à proibição da escravatura por dívida (Manière 2022) [5].

No início do feudalismo na Europa Ocidental, grande parte dos produtores livres foi reduzida à servidão, pois os/as camponesas, sobrecarregadas de dívidas, não conseguiam reembolsá-las. Assim aconteceu durante o reinado de Carlos Magno, no final do século VIII e no início do século IX (Marx 1867, cap. 19) (Mandel 1962, t. 1, cap. 4) [6].

A partir do século XIV, uma série de poderosos movimentos de protestos camponeses abalou a Europa ocidental e central. Nos séculos XIV e XV assiste-se a uma sucessão de grandes movimentos camponeses na Flandres, em França, na Inglaterra, na Boémia e na Alemanha.

The Harvesters, Pieter Bruegel the Elder Netherlandish, 1565.
Fonte: The Met, CC, https://www.metmuseum.org/art/collection/search/435809




















A guerra dos e das camponesas alemãs de 1524-1525 faz parte de um movimento que tinha começado dois séculos antes com grandes mobilizações camponesas em Itália, no Piemonte, conduzido por Fra Dolcino [7] (1300-1307), na Flandres (1323–1328) (Dumolyn 2023) [8], em França (Cruzada dos Pastores em 1320, a Grande Jacquerie de 1358, numa vasta região a norte de Paris (Dommanget 1958) [9], Revolta dos Tuschins no Languedoque 1381-1384…), em Inglaterra (revolta encabeçada por Wat Tyler e John Ball em 1381 [10]) que marcaram o século XIV. A guerra dos camponeses alemães prolongou também em certa medida o grande movimento hussita e dos Taboritas, que tinham abalado a Boémia no século XV [11]. Sem esquecer a Espanha, onde a Guerra das Remensas (1462-1485) conseguiu obter, feito excepcional, uma anulação das dívidas camponesas concedida pelo poder real, para restabelecer o seu controlo sobre a Catalunha (Anderson 1976a) (Torquemada 2025) (Federici 2004) [12].

Em todas estas mobilizações da Idade Média encontramos pontos comuns: a oposição do campesinato aos privilégios da nobreza (os senhores feudais) e do alto clero, exonerado de impostos, a rejeição das corveias e taxas abusivas que pesavam duramente sobre as famílias camponesas, a vontade de defender as terras comunais contra a apropriação pela nobreza e pelo alto clero, o acesso às florestas com direito à colecta de madeira morta, o acesso aos cursos de água e lagoas com direito à pesca, a oposição às dívidas abusivas e aos empréstimos com juros usurários, a exigência de mudanças profundas na aplicação da justiça. Onde ainda vigorava a servidão: abolição da servidão. Nalguns casos encontramos ainda a exigência de expropriação dos bens da Igreja Católica. No caso do movimento camponês de 1524-1525 também foi exigida a eleição dos padres pelos paroquianos, o direito de os revogar e a pregação de acordo com os Evangelhos [13].

 A caminho da grande revolta camponesa alemã de 1524-1525

Extensão geográfica da Revolta dos Camponeses alemães da Alsácia à Áustria.
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/82/Karte_bauernkrieg3.jpg



























Num texto anónimo que circulou na Alemanha a partir de 1521, constava este diálogo entre um camponês e um nobre que descreve claramente a utilização do endividamento para desapossar o trabalhador das suas ferramentas ou da sua terra:

Camponês: Que me traz aqui? Pois bem, gostaria de saber como ocupa o seu tempo.
 
Nobre: Como havia eu de passá-lo? Estou aqui sentado, a contar o meu dinheiro, pois não vês?
 
Camponês: Dizei-me, Senhor, quem vos deu tanto dinheiro, para que tenhais de ocupar o vosso tempo a contá-lo?
 
Nobre: Queres saber quem me deu este dinheiro? Já te digo: um camponês vem bater à minha porta pedindo que eu lhe empreste 10 ou 20 guldens [florins]. Pergunto-lhe se possui um bom pedaço de terra. Diz ele: «Sim, meu Senhor, tenho um bom prado e um excelente campo, que juntos valem cem guldens». Respondo-lhe eu: «Perfeito! Dá-me por garantia o teu prado e o teu campo, e se te comprometeres a pagar um gulden por ano de juros, concedo-te o empréstimo de 20 guldens». Feliz por ouvir tão boas notícias, responde o camponês: «De bom grado vos dou a minha palavra». «Mas devo prevenir-te», acrescento eu, «que se porventura não honrares o pagamento a horas, tomarei posse da tua terra e farei dela minha propriedade». E isto não inquieta o camponês, que me dá por garantia o pasto e o campo. Empresto-lhe o dinheiro e ele paga pontualmente os juros durante um ou dois anos; depois sobrevém uma má colheita e ele paga atrasado. Confisco sua terra, expulso-o e fico com o campo e o pasto. E faço isto não só com os camponeses, mas também com os artesãos. [14]

De 1470 à 1525, houve uma explosão de levantamentos camponeses – da Alsácia à Áustria, passando pela maioria das regiões alemãs, Boémia, Suíça, Eslovénia, Hungria (em 1514) e Croácia – relativos em grande parte à anulação das dívidas exigidas às/aos camponeses e citadinos das classes dominadas. Centenas de milhares de camponeses pegaram em armas e destruíram centenas de castelos, dezenas de mosteiros e de conventos. Também queimaram frequentemente os arquivos senhoriais, para fazerem desaparecer as provas de dívida e os títulos de propriedade abusivamente adquiridos pelos nobres. A repressão fez mais de 100.000 mortes camponesas (Engels 1850) (Bloch 1921) (Graeber 2011) [15]. Aquando de uma dessas rebeliões, em 1493, os/as camponeses sublevados exigiram, entre outras coisas, a aplicação de um ano jubilar, no qual todas as dívidas seriam anuladas (Engels 1850) [16]Thomas Münzer, um dos líderes das revoltas camponesas, decapitado a 27 de maio de 1525 aos 35 ou 36 anos de idade, apelava à aplicação integral dos Evangelhos, nomeadamente a anulação das dívidas. Nisto se opunha a Martinho Lutero, que, depois de ter começado em 1519-1520 por denunciar a usura e a venda de indulgências pela Igreja Católica, acabou por defender a partir de 1524 os empréstimos a juros e exigiu que os camponeses e todos os demais endividados reembolsassem as suas dívidas.

Lutero defendeu, em oposição às sublevações camponesas:

«um governo temporal severo e duro que imponha aos mercadores (…) o reembolso dos empréstimos que contraíram… Ninguém imagina que o mundo possa ser governado sem que o sangue corra; a espada temporal tem de ser vermelha e sangrenta, porque o mundo quer e deve ser mau; e a espada é a vara de Deus e a sua vingança contra o mundo». (Lutero 1524, vol. 1) [17]

No conflito que opôs os camponeses apoiados por outros sectores populares (nomeadamente a plebe urbana, assim como os sectores mais pobres, os vagabundos, os mendigos, etc.) às classes dominantes locais, Martinho Lutero escolheu o seu campo e proclamou que as leis do Antigo Testamento, por exemplo o ano jubilar, já não se aplicavam. Segundo Lutero, o Evangelho apenas descreve o comportamento ideal. Segundo ele, na vida real, as dívidas têm sempre de ser reembolsadas. Thomas Münzer, muito influente na guerra dos camponeses de 1524-1525 e frontalmente oposto a Lutero, afirmava que era preciso instaurar na Terra um sistema baseado nos Evangelhos, o que implicava a anulação das dívidas e a igualdade de riquezas.

Retrato (não autenticado) de Thomas Müntzer por Christoffel Van Sichem (1608).
Fonte: Wikimedia Commons, CC, https://fr.wikipedia.org/wiki/Guerre_des_Paysans_allemands#/media/Fichier:Thomas_Muentzer.jpg






























O carácter de classe da revolta de 1524-1525 torna-se evidente quando verificamos que os príncipes protestantes e católicos se uniram, apesar do seu antagonismo religioso, para esmagar o movimento. Outra prova: o principal banqueiro alemão, a família Fugger, sediada em Augsburgo, financiou um exército de mercenários para participar na repressão da revolta.

Tal como grande parte dos movimentos camponeses que abalaram a Europa dos séculos XIV a XVI, a repressão exercida pela aristocracia e pelos monarcas foi de uma brutalidade inexcedível; não se limitou a executar os líderes, debelou uma parte enorme dos/das insurrectos. Alguns exemplos: a repressão contra a Jacquerie de 1358 fez 20.000 mortos em menos de 10 dias (Dommanget 1958), 60.000 mortos entre os camponeses húngaros em 1514 (Engels 1850), 100.000 mortos em 1525 na Alemanha (Graeber 2013). Em contrapartida, o número de vítimas do lado da aristocracia e alto clero foi ínfimo. As vitórias dos camponeses foram extremamente raras ou temporárias.

Suplício de um participante na Revolta dos Camponeses (Jäcklein Rohrbach)
Fonte: CC, Wikimedia Commons, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rohrbach-verbrennung-1525.jpg?uselang=fr#Conditions%20d%E2%80%99utilisation




























Os métodos bárbaros utilizados pelos conquistadores espanhóis para reprimir a resistência dos povos nativos no que os Europeus chamaram Novo Mundo nos séculos XVI, XVII e XVIII foram directamente inspirados no horrível tratamento aplicado para reprimir as revoltas camponesas na Europa nos séculos XV e XVI.

Depois da repressão violenta e massiva de maio de 1525, o movimento não se extinguiu completamente. Os partidários de Thomas Münzer continuaram activos e tentaram reacender a chama da revolta, mas não conseguiram. É preciso sublinhar, no entanto, a importância do movimento religioso dos anabaptistas, muito influentes na Alemanha, Países Baixos, Suíça do século XVI; alguns desses líderes reivindicavam as ideias de Münzer e foram fortemente reprimidos (Bloch 1921).

O esmagamento das revoltas camponesas na Alemanha no século XVI teve um efeito duradouro nessa parte da Europa. Segundo F. Engels, durante perto de três séculos, na Alemanha, não voltou a haver mobilizações com a amplitude da que ocorreu na guerra dos camponeses, apesar de a chama das rebeliões camponesas se ter reacendido em 1645, 1646, 1648, 1650 e 1656 (Anderson 1978, vol. 2). Foi preciso esperar pelas grandes mobilizações camponesas e populares de 1848, que afectaram a Alemanha e diversos estados europeus, para haver um renascimento das lutas camponesas e populares no mundo germânico (Engels 1850).

Suplício de Martin Aichinger e seus companheiros em Linz (Áustria)
Fonte: Wikimedia Commons, CC, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hinrichtung_des_Laimbauern.png?uselang=fr#Conditions%20d%E2%80%99utilisation




















Entretanto, em França, Inglaterra, Boémia, Polónia, Ucrânia e Rússia desenrolam-se poderosas mobilizações camponesas do século XVI ao século XVIII.

 Movimentos camponeses do século XVI ao XVIII em Inglaterra, França, Boémia, Polónia, Ucrânia e Rússia

Em Inglaterra, houve numerosos movimentos camponeses contra a enclosure [delimitação e privatização] das terras e em defesa dos bens comunais. Em 1549, em Norfolk, formou-se um movimento que reuniu à volta de 16.000 camponeses para destruir as vedações dos campos, opor-se às leis de repressão da vagabundagem que flagelavam nomeadamente os /as camponeses desapossados das suas terras ou dos seus empregos. Conseguiram ocupar Norwich (Federici 2004). O rei e os senhores reuniram um exército de 12.000 mercenários estrangeiros para acabar com a revolta, exterminando pelo menos 3000 rebeldes [18]. Depois da Guerra Civil Inglesa (1642-1651), movimentos como os Diggers (ou «Escavadores»), em 1649 e 1651, exigiram uma reforma agrária e a anulação das dívidas camponesas, opondo-se à delimitação das terras e exigindo o fim dos privilégios feudais. Silvia Federici mostra, no seu livro Calibã e a Bruxa: Mulheres, Corpo e Acumulação Primitiva (2004), a importância da participação das mulheres na luta contra a delimitação das terras em Inglaterra (Federici 2014). A autora fala também da enorme repressão exercida sobre as mulheres sob a forma de caça às bruxas, que atingu o seu apogeu entre 1580 e 1630 e fez centenas de milhares de vítimas (Federici 2014).

Em França: Houve uma série de revoltas camponesas (no sudoeste em 1593-1595 e também na Borgonha, na região de Cahors em 1624, na Guyenne e no Périgord em 1636-1637, na Normandia em 1639, em 1643 no Rouergue, em 1707 em Cahors). Estas revoltas, cada qual com sua especificidade, têm em comum a oposição ao aumento dos impostos, muitas vezes responsáveis pelo aumento das dívidas.

Na Boémia: Em 1680 o campesinato sublevou-se contra os senhores e foi necessária a intervenção do exército austríaco para pôr fim à revolta (Anderson 1976, vol. 2).

No Leste da Europa: A partir do século XVI assiste-se a uma generalização da servidão, que estava em vias de desaparecimento no Oeste do continente. Por outro lado, a escravatura dos camponeses manteve-se em várias regiões russas. No final do século XVI os escravos cultivavam ainda 8 a 15 % dos domínios russos.

Com a generalização da servidão, o endurecimento das condições de vida do campesinato deu origem a grandes movimentos campesinos. Os/as camponeses tinham dois meios de resistir: fosse pela revolta organizada, fosse pela fuga e estabelecimento em terras não cultivadas. Isto era possível porque a densidade populacional e a ocupação das terras era muito mais fraca do que na Europa Ocidental e Central. O recenseamento ordenado pelo czar Pedro, o Grande, em 1718-1719 revelou 200.000 servos fugitivos no território russo (Anderson 1976, t. 2). Por aqui se vê a dimensão do fenómeno.

Em 1648-1651, na Ucrânia, que fazia parte da República das Duas Nações (reino da Polónia e grão-ducado da Lituânia), estalou uma grande rebelião camponesa dirigida por Bogdan Khmelnytsky, líder dos Cossacos Zaporojianos. Os cossacos eram antigos fugitivos da Rússia ou da Ruténia que se estabeleceram numa vasta zona fronteiriça que entre a Polónia, a Rússia e a Crimeia (de população tártara) e eram apoiados pelo campesinato ucraniano. Viviam uma vida equestre seminómada, tal como os Tártaros, e eram temíveis guerreiros. Segundo Anderson, «a instabilidade camponesa tinha dado origem numa certa zona de planícies situadas à volta do mar Negro a um fenómeno sociológico praticamente desconhecido no Ocidente nesses tempos: massas rurais plebeias capazes de organizarem exércitos contra a aristocracia feudal» (Anderson 1976, vol. 2). Em 1648 a rebelião contra os nobres polacos dirigida pelo cossaco Khmelnytsky, à cabeça de uma elite guerreira relativamente rica, desencadeou um vasto levantamento dos servos na Ucrânia que combateram ao lado do campesinato cossaco pobre. Embora a anulação das dívidas não seja explicitamente mencionada como objectivo central, a revolta tinha profundas raízes nas injustiças económicas e sociais sofridas pelo campesinato ucraniano sob a dominação polaco-lituana. Os rebeldes defrontaram o exército polaco-lituano e as tropas privadas dos grandes senhores, os magnatas. Vitoriosos de início (1648-1649), os insurrectos foram vencidos em 1651. Os líderes cossacos mudaram de campo e aliaram-se ao czar da Rússia, que assim ampliou o território sob o seu controlo [19]. A base campesina passa da dominação da nobreza polaca para outra forma de exploração.

Na Polónia: Desenvolveram-se lutas caponesas na região de Podhale (perto de Cracóvia), entre 1650 e 1651, contra a opressão da nobreza e dos impostos, dentro do contexto mais vasto das tensões sociais e políticas da República das Duas Nações (Polónia-Lituânia). O seu manifesto, hoje perdido, apelava à libertação dos camponeses da servidão e à igualdade social.

Na Rússia, estala uma sucessão de revoltas camponesas nos séculos XVII e XVIII.

  • Em 1606-1607, os/as camponeses livres, servos e cossacos da região do Dniepre, sob a direcção do antigo escravo Bolotnikov [20], no ápice da rebelião controlava mais de 70 cidades no Sudoeste e Sul da Rússia e na bacia média e inferior do rio Volga. Em outubro-dezembro de 1606 cercaram Moscovo mas foram derrotados e retiraram. Bolotnikov foi executado. O movimento exigia, entre outras coisas, o fim da servidão.
  • Em 1670, começa uma revolta na região do Volga, sob a direcção de Stenka Razine, um chefe cossaco carismático. O movimento ganhou rapidamente terreno, atraindo milhares de camposes, servos e cossacos. Os revoltosos tomaram várias cidades, de Astracã a Simbirsk [actual Ulianovsk], abarcando quase todo o Sudeste da Rússia, e lançaram ataques contra os proprietários nobres. Os revoltosos denunciavam os abusos dos nobres e dos funcionários, reclamando uma repartição mais igualitária das riquezas e das terras. Os camponeses e os servos viam-se endividados com frequência, e uma das suas principais reivindicações era a redução ou anulação dessas dívidas. Os cossacos, em particular, procuravam preservar o seu modo de vida e a sua autonomia face à expansão do Estado. O governo czarista reagiu com grande brutalidade, mobilizando tropas para esmagar a revolta. Stenka Razine foi capturado em 1671, torturado e executado publicamente em Moscovo para servir de exemplo. Embora a revolta tenha sido esmagada, Stenka Razine permaneceu uma figura emblemática da resistência popular na Rússia. O seu nome vem muitas vezes associado à luta contra a opressão e à procura de justiça social.
  • Em 1707-1708, sob a direcção do cossaco Boulavine [21], ocorreu uma grande revolta dos Cossacos do Don contra o czar Pedro, o Grande. Os cossacos do Don acolhiam tradicionalmente servos fugitivos da servidão na Rússia Central. Pedro, o Grande, procurava recuperá-los, o que provocou tensões com os Cossacos, que se sentiam atacados na sua autonomia. Estes denunciavam igualmente os impostos demasiado pesados e as múltiplas corveias. No seu auge, Boulavine conseguiu reunir perto de 100.000 homens, unindo cossacos, camponeses e operários de Oral. Em julho de 1708, as forças governamentais esmagaram a rebelião perto de Azov. Boulavin foi morto e a revolta esvaziou-se.
  • Em 1773-1775, ocorreu a maior revolta camponesa da história do Império Russo. Dirigida pelo cossaco Iemelian Pugachev, esta revolta mobilizou servos e outras populações exploradas (cristãs e muçulmanas, nomeadamente), desde os contrafortes dos montes Urais e dos desertos do Bascortostão até às margens do mar Cáspio. Segundo Anderson, «todos unidos, cossacos das estepes e das montanhas, oprimidos das manufacturas, camponeses das planícies, tribos de pastores, lançaram uma série de revoltas que só puderam ser esmagadas juntando a totalidade dos exércitos imperiais» (Anderson 1976, vol. 2). Durante a luta, Pugachev fez publicar decretos que prometiam a abolição da servidão, a redistribuição das terras, o fim das taxas injustas e a liberdade religiosa. Depois de esmagada a revolta, a czarina Catarina, a Grande, intensificou a servidão, reforçou o controlo central e fez desaparecer todos os indícios da revolta (mudou o nome das cidades, proibiu o uso do nome «Pugatchev»).

Em França, a revolução de 1789-1793 permitiu acabar com os privilégios da nobreza e do clero, pôs término às corveias exigidas pela aristocracia e a diversas taxas cobradas pelo clero e suprimiu a monarquia. Mas a revolução beneficiou principalmente a burguesia, que comprou massivamente os bens confiscados à Igreja, à nobreza e a todos quantos tinham fugido da França revolucionária. Os/as camponeses pobres foram excluídos da venda de bens confiscados e os bens comunais não foram restabelecidos (Guérin 1946, tomo1, cap. VII). Alguns dos cadernos de queixas elaborados pelos camponeses mencionavam explicitamente o seu desejo de ver anuladas ou reestruturadas as dívidas dos camponeses, nomeadamente as dívidas a credores privados. Mas as suas dívidas não foram anuladas. Ora os camponeses muitas vezes endividavam-se junto de credores privados (notários, burgueses e até outros camponeses mais desafogados) por causa das más colheitas, dos impostos excessivos e das condições económicas difíceis.

No século XIX, aquando da vaga revolucionária de 1848 na Alemanha, os/as camponeses alemães sublevaram-se em várias regiões, nomeadamente em Baden, no reino de Vurtemberga, na Baviera e na Prússia, onde estalaram revoltas contra os senhores locais. Muitas vezes os camponeses queimaram os arquivos senhoriais onde eram registados os títulos de propriedade e as dívidas, numa atitude de rejeição simbólica do regime feudal. Em vários estados alemães os governos provisórios prometeram a abolição dos direitos feudais e a anulação das dívidas camponesas, para acalmar os/as revoltosos. Por exemplo, na Prússia o governo aprovou leis para abolir as corveias e os direitos senhoriais, mas muitas destas reformas eram incompletas e tinham de ser recompradas pelos camponeses, o que limitava o seu alcance. Os camponeses mais pobres foram frequentemente excluídos dos benefícios dessas reformas, por não conseguirem pagar as indemnizações exigidas pela abolição dos direitos senhoriais.

Por fim, as lutas revolucionárias de 1848 foram reprimidas e muitas das reformas prometidas foram parcialmente anuladas ou enfraquecidas pela reacção conservadora subsequente.

 A anulação das dívidas camponesas graças à Revolução Russa de 1917















Antes da Revolução de 1917, a maioria da população russa era composta por camponeses e camponesas, frequentemente esmagados por dívidas contraídas junto dos proprietários das terras, dos bancos ou do Estado. Estas dívidas resultavam de uma exploração feudal persistente, do endividamento por compra das terras após a abolição da servidão em 1861 e do desenvolvimento rápido do capitalismo na Rússia (Lenine 1899).

Uma primeira revolução derrubou o czar em fevereiro de 1917 e constituiu um governo provisório. Os camponeses e as camponesas passaram rapidamente à acção no verão de 1917, assenhoreando-se das terras dos senhores, do clero e dos grandes proprietários burgueses, sem ficarem à espera da prometida reforma agrária, protelada pelo governo provisório (Trotsky 1932, vol. 2). O campesinato russo tinha uma longa tradição de vastas revoltas que já tinham marcado o passado nacional, das quais são exemplo as revoltas de Stenka Razine no século XVII ou de Pugatchev ne século XVIII, no reinado de Catarina, a Grande.

Antes da vitória da revolução em outubro de 1917, o governo dos sovietes, que juntava bolcheviques e socialistas revolucionários de esquerda, emitiu diversos decretos para melhorar fundamentalmente as condições de vida e os direitos dos camponeses e das camponesas:

  • O decreto sobre a terra (1917) nacionalizou todas as terras e anulou as dívidas ligadas à sua aquisição.
  • Trecho do artigo 1º do decreto sobre a terra: «Todas as terras: terras do Estado, dos apanágios, da coroa, dos mosteiros, da Igreja, das possessões, dos majorados, das propriedades privadas, sociais, camponesas, etc., são alienadas sem indemnização; tornam-se propriedade nacional e são dadas em usufruto a todos os que as trabalham.» Artigo 5: «As terras dos simples camponeses e dos simples cossacos não são confiscadas» https://www.marxists.org/francais/lenin/works/1917/10/2-co-so/vil19171025-04.htm.
  • As dívidas aos terratenentes foram anuladas. Os bancos foram nacionalizados.
  • Foram tomadas medidas para organizar cooperativas e fornecer apoio financeiro às pessoas pobres. É preciso acrescentar o repúdio total [das dívidas], em fevereiro de 1918, da dívida czarista e da dívida contraída pelo governo provisório de Kerenski entre fevereiro e outubro de 1917, incluindo os empréstimos estrangeiros, considerados ilegítimos, por terem sido contraídos para financiar guerras e a opressão, e não o desenvolvimento do país (Toussaint 2024)

 Existem outras anulações da dívida no século XX?

Durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), os camponeses pobres encontravam-se pesadamente endividados aos grandes terratenentes. Nas zonas republicanas com forte influência anarquista ou do POUM [Partido Operário de Unificação Marxista], foi decidido anular as dívidas campesinas como medida de justiça social, mas estas medidas pouco duraram, porque a vitória dos putchistas reaccionários sob a direcção de Franco restabeleceu as antigas estruturas de propriedade e da dívida.

Após a Segunda Guerra Mundial, os países da Europa de Leste, sob a influência soviética, aplicaram reformas agrárias radicais. As dívidas camponesas foram em muitos casos anuladas, no quadro da colectivização das terras e da nacionalização da agricultura.

 E fora da Europa do século XX, houve anulação das dívidas camponesas?

Sim, foi o caso, nomeadamente, após a vitória da revolução chinesa de 1949. Esta questão, só por si, merecia um artigo completo.

 Conclusão

Aquando das mobilizações do mundo rural na Europa em 2024, foi possível verificar que o modelo de produção prevalecente gera o endividamento crescente das famílias camponesas. A dívida continua a constituir um instrumento de exploração e de espoliação do campesinato, ainda que a anulação não figure entre as reivindicações apresentadas. Este artigo mostra que o problema das dívidas camponesas desempenhou um papel histórico relevante nas revoltas camponesas. Nalguns casos, estas lutas conseguiram efectivamente obter a anulação das dívidas e outras medidas, como a distribuição da terra. Foi o caso, nomeadamente, da Revolução Russa de 1917.


O autor agradece a releitura de Omar Aziki, Claude Quémar e Maxime Perriot. Agradece também a Fernanda Gadea, Claude Quémar e Sushovan Dhar pela investigação documental.

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Tradução de Rui Viana Pereira

Notas

[1David Graeber, Debt: The First 5000 Years, Melvillehouse, New York, 2011, 542 p. | pt-pt: Dívida: Os Primeiros 5000 Anos, Edições 70, Coimbra, 2022, 696 p. | pt-br: Dívida: os Primeiros 5.000 Anos, ed. Três Estrelas, 2016, 704 p.

[2Michael Hudson, The Lost Tradition of Biblical Debt Cancellations, 1993, 87 p.; The Archaeology of Money, 2004. Ver também: David Graeber, op. cit. Ver Éric Toussaint, «A longa tradição de anulação de dívidas na Mesopotâmia e no Egipto entre o 3º e o 1º milénios a.C.», CADTM, 24/12/2024, 8291.

[3Isabelle Ponet, «Os perdões de dívida no país de Canaã no primeiro milénio antes da nossa era», CADTM, 27/12/2024, 8605.

[5Fabienne Manière, «594 av. J.-C. Solon consolide la démocratie à Athènes», Hérodote, 2/02/2022, https://www.herodote.net/594_av_J_C-evenement—5940000.php.

[6Ver Karl Marx, O Capital, Livro 3, cap. 19, notas sobre a usura pré-capitalista. Ver também Ernest Mandel, Traité d’économie marxiste, tomo 1, cap. 4, passagem intitulada «Le capital usurier».

[7Dolcino e seus partidários defendem uma sociedade igualitária, a partilha comum dos bens,a igualdade de género e a libertação das limitações feudais. Também refutavam a autoridade da Igreja Romana.

[8Jan Dumolyn, «La Flandre, épicentre du conflit de classes dans l’Europe médiévale», 23/07/2023, https://lavamedia.be/fr/la-flandre-epicentre-du-conflit-de-classes-dans-leurope-medievale/. Ver também Federici, 2004, p. 86-87.

[9Dommanget, 1958.

[12Ver Perry Anderson, 1976, p. 69.
Ver também, em espanhol, Judith Torquemada, «Las guerras remensas: contra los malos usos de las clases altas», 19/02/2025, https://www.espanafascinante.com/articulo/revoluciones-pueblo/guerras-remensas-malos-usos/20220822100000275456.html consultado em 1/04/2025.
Ver também Federici, 2004, p. 97.

[13Esta reivindicação figura à cabeça de uma lista de reivindicações aprovada a 20 de março de 1525 na Suábia.

[14Citado por Silvia Federici, Caliban et la Sorcière, p. 152 segundo G. Strauss (ed.), Manifestations of Discontent on the Eve of the Reformation, Bloomington, Indiana University Press, 1971, pp. 110-111.

[15Ver Friedrich Engels (1850), As Guerras Camponesas na Alemanha.
Ver também David Graeber, op. cit.
Ver igualmente Ernst Bloch (1921), Thomas Münzer.

[16Friedrich Engels (1850), As Guerras Camponesas na Alemanha.

[17Martinho Lutero. 1524. «Du commerce et de l’usure», in Œuvres, tomo 1, Gallimard (La Pléiade), Paris, 1999, p. 386. Citado por David Graeber, op. cit.

[19Por falta de espaço, não é possível abordar aqui os pogromes antijudaicos que ocorreram durante a rebelião. A este propósito, ler «Revolta de Khmelnitski». Noutros movimentos campesinos, como a Cruzada dos Pastores em 1320 em França, também houve pogromes contra os judeus. Ler, entre outros, https://www.universalis.fr/encyclopedie/pastoureaux/. O facto de no seio das comunidades judaicas, principalmente a partir do século XII, ter havido uma especialização no comércio do dinheiro e dos empréstimos explica por que a comunidade judaica (Rodinson 1968) p. XXXV a XXXIX) foi alvo da violência provocada por altas taxas de juro de empréstimos usurários. A cólera do campesinato e de outros sectores da população dirigiu-se contra o sistema que gerou um grande aumento da necessidade de endividamento para pagar as múltiplas taxas e impostos, contra esses agentes mutuantes e a comunidade a que eles pertenciam.

Eric Toussaint 

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.

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