Nos anos oitenta, o Fundo monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial ganharam, junto dos povos dos países em desenvolvimento, a fama, perfeitamente adequada, embora pouco lisonjeira, de serem os responsáveis pela implementação de medidas extremamente impopulares impostas aos governos. Em suma, de serem os responsáveis pelos males que atingem os mais pobres. É preciso dizer que os governos, frequentemente cúmplices das classes dominantes, adoram esconder-se atrás dessas instituições, cuja sede fica bem distante, na 19.ª Avenida em Washington. Essa má reputação alastrou como um rastilho de pólvora e a imprensa dos países do Sul começou de imediato a dar por isso.
Habituadas a dizerem sem rodeios que é preciso reduzir drasticamente o orçamento social ou privatizar as empresas de serviço público, as duas instituições compreenderam, no entanto, que essa linguagem franca não era conveniente. Os povos depressa identificaram o papel motor que essas instituições exerciam nas catástrofes econômicas e humanas que ocorriam. Os protestos que surgiam na sequência dos aumentos de preços dos bens de primeira necessidade foram, de imediato, batizados de protestos anti-FMI. Os governos sofreram rapidamente fortes pressões por parte da opinião pública no sentido de não cede-rem mais às imposições do FMI ou do Banco Mundial. A pílula, extremamente amarga, tornou-se cada vez mais difícil de engolir...
Uma grande operação de comunicação foi lançada nos anos noventa, para enfrentar a bem merecida crise de legitimidade que o FMI e o Banco Mundial atravessavam (e continuam a atravessar). O discurso passou a ser o da redução da dívida e da luta contra a pobreza. Essas instituições diziam-nos que tinham compreendido a situação e que tinham mudado. No entanto, os condicionalismos ultraliberais, de sinistra memória, como os programas de ajustamento estrutural dos anos oitenta, nunca foram postos de lado. Basta ver uma série de exemplos do início dos anos 2000, em todos os continentes, para colocar essas duas instituições perante as suas próprias contradições.
No Sri Lanka, em 2005 o governo recusou um empréstimo de 389 milhões de dólares, que obrigava a reformas políticas, como a reestruturação do regime de pensões e a privatização da água.
No Equador, em julho de 2005, o governo decidiu reformar o uso dos recursos petrolíferos. Em vez de ser usada inteiramente para o pagamento da dívida, parte dela deveria ser usada para gastos sociais, especialmente para a população indígena, muitas vezes des-privilegiada. O Banco Mundial bloqueou um empréstimo de US$ 100 milhões
que havia prometido ao Equador (ver o capítulo sobre o Equador).
No Haiti, o FMI impôs, em 2003, o fim do sistema que permitia ao Governo controlar o preço dos combustíveis, tornando-o «flutuante». Em poucas semanas, o preço dos combustíveis subiu 130 %. As consequências foram terríveis: dificuldade em manter a água potável ou cozer os alimentos; aumento do preço dos transportes, que os pequenos produtores repercutem no mercado, o que leva à subida dos preços de muitos produtos essenciais. Mas como a inflação é ferozmente combatida pelo FMI, este conseguiu obrigar o governo a impor o congelamento de salários. De uma só vez, o salário mínimo diário, que era de 3 dólares em 1994, caiu para 1,50 dólares, o que deveria, segundo o FMI, atrair o investimento estrangeiro … Até mesmo nos países produtores de petróleo, como o Iraque e a Nigéria, o FMI impôs a lógica da flexibilidade de preços. Os preços aumentaram, provocando grandes manifestações de protesto das populações afetadas, como foi o caso em Bassorá, em dezembro de 2005 …