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sexta-feira, 12 de julho de 2024

Saúde privada: poder, captura e rédea solta

Sexta, 12 de julho de 2024

Sete Irmãs dominam a medicina de negócios no Brasil. Quem são. Como estão presentes na teia que controla a economia do país – e quais seus laços com fundos e corporações globais. Por que o Estado precisa reduzir drasticamente seu poder


OUTRASAÚDE                              SAÚDE E NEGÓCIO

Publicado no OUTRASAÚDE em11/07/2024

Imagem: Michael Byers (Mother Jones)

Por Eduardo M. Rodrigues e Ladislau Dowbor

“Não é nada pessoal, são apenas negócios”. Essa frase contribui para sintetizar a ideia central do artigo: uma análise da estrutura e da dinâmica, sob o ponto de vista do controle acionário em rede, dos principais grupos de saúde privada que atuam em território brasileiro. A dimensão e a capacidade estratégica desse setor econômico resultam de um comportamento empresarial onde os negócios em si, e os interesses específicos de seus proprietários, são o ponto central. Eufemisticamente chamados de “saúde suplementar”, transformaram-se justamente no inverso, isto é, a saúde privada converteu-se em campo hegemônico no país. Como veremos, a razão e os valores se invertem e a Saúde Pública, com toda sua essência Coletiva, passa a ser suplementar: o Sistema Único de Saúde (SUS) aprofunda sua queda na disputa da política de saúde no país. Perde principalmente, como sempre, a maioria, o povo que depende do atendimento público para se manter vivo (nota 13). Por outro lado, corporações da saúde privada acumulam lucros1 e seguem operando fusões colossais que resultam em poder e concentração ainda maiores (notas 2,3).

Nesse cenário, prevalece o oligopólio de sete holdings, que domina não só a saúde privada no Brasil, mas também compõe reduzidíssima e poderosa classe na liderança e comando decisivo da economia brasileira. Como dito, os movimentos do setor nos últimos anos são preocupantes no sentido de aprofundarem a oligopolização. No momento da finalização da redação do presente artigo, a Amil e a Dasa consolidam fusão de hospitais (nota 4), o que fez com que as ações dessa última disparassem 13,69% (nota 5). Outras operações, também em data próxima à exposta anteriormente, que envolvem a Oncoclínicas, Banco Master, Alliança, Amil, Dasa, Rede D´Or e Bradesco (nota 6), confirmam a tendência de concentração ainda maior (notas 7,8). O problema é que não se trata da produção de perfumes, mas de um serviço essencial. Da mesma forma que não vemos efetivas políticas nacionais e globais para evitar o apocalipse climático que se aproxima, a Saúde Coletiva é tratada como passatempo de programa dominical de auditório.

Em 2011, o instituto de pesquisa suíço ETH publicou o estudo “A rede de controle corporativo mundial” (notas 9,12), no qual analisava quanto poder de controle cada corporação exerce sobre outras corporações, por meio de aquisições de ações e tomadas cruzadas de participação. O resultado é que surgiu a cadeia de controle de cada corporação, dentro de uma rede interativa. E os números impressionaram muito: 737 corporações apenas, no nível mundial, controlam 80% do mundo corporativo; 147 delas, o “núcleo duro” do poder, controlam 40%, com destaque para o setor financeiro.

No Brasil, uma das surpresas foi a descoberta de que o setor mais poderoso, sempre sob o ponto de vista do controle acionário em rede, é o de energia elétrica, sendo a principal empresa a Eletrobrás, agora controlada pelo trio LST (os bilionários Lemann, Sicupira e Telles). Outra surpresa foi constatar que o setor de intermediação financeira, os bancos, não estão em primeiro lugar, mas em segundo, o que é não uma posição desprezível. Na sequência de surpresas, verificamos que o setor de Saúde Privada está entre os primeiros mais poderosos na economia corporativa brasileira, que representa 63,5% do PIB. São 200 holdings que significam apenas 0,03% dos CNPJs ativos. Nessa elite das 200 corporações há grupos ainda mais privilegiados. O primeiro nível de concentração dessa rede de 6.235 empresas (que compõem as 200 holdings) é constatado quando vemos que apenas 20% delas (1.247 empresas) controlam 80% (5.820) de todas as conexões acionárias da rede (7.257). E a concentração continua: 1% (um por cento: 62 corporações ou holdings) das 6.235 empresas, dos 200 grupos, controla quase ¼ (21,7%) de toda a rede, de todas as 7.257 conexões acionárias. O presente artigo, sob essa lógica, busca entender a importância e o papel da saúde privada.

Métodos

Os dados são de natureza quantitativa e coletados do anuário “Grandes Grupos – 200 maiores” elaborado e publicado pelo jornal Valor Econômico (Valor Econômico, 2020). Foram estruturados em duas diferentes planilhas do tipo Excel para processamento relacional dos 7.257 vínculos acionários existentes entre as 6.235 unidades empresariais que formam os mencionados 200 grupos e processados pelo software Gephi para a produção dos grafos e estatísticas relacionais. No presente artigo, aplicamos a Análise de Redes Sociais (ARS) no nível do território brasileiro, além de inovarmos com um indicador sociométrico a mais (centralidade de intermediação), não empregado no estudo de Vitali (nota 9). Com esse fim, fizemos uso de estatísticas relacionais para medirmos e entendermos a economia corporativa modelada em rede, bem como para a visualização de sua topologia. Dessa forma, são três, essencialmente, as métricas aplicadas (nota 10): grau de saída, grau de saída ponderado e centralidade de intermediação. O grau de saída mede a quantidade de conexões que parte de cada nó de uma rede para outro(s); o grau de saída ponderado faz o mesmo, considerando o peso de cada conexão; a centralidade de intermediação calcula a capacidade que em uma rede o nó tem de ligar outros nós e até subgrupos, servindo como ponte. Todos esses três índices mediram o controle acionário da rede corporativa em território brasileiro composta pelos já mencionados 7.257 vínculos, pertinentes a cada uma das 6.235 unidades empresariais encontradas em nosso estudo. É importante sublinhar que os graus de saída fazem menção ao controle acionário direto de cada nó e a centralidade de intermediação consegue captar o controle indireto na medida em que identifica os nós-ponte. No exemplo abaixo, caso o nó central (no meio do grafo), deixe a rede ou perca uma conexão, a própria rede em si deixa de existir. Tal hipótese ilustra o potencial da centralidade de intermediação.
Figura 1 – Grafo com destaque para o grau de saída e centralidade de intermediação. Fonte: https://acesse.one/1EssN

O nó central (que está no meio da rede), na figura ao lado, se desaparecer ou perder, por exemplo, sua conexão, provocará o desaparecimento da rede e o surgimento de duas novas. Esse é um dos cenários possíveis para a compreensão da importância da centralidade de intermediação. A centralidade de intermediação é baseada na ideia do controle exercido por determinado ator a respeito das relações sobre outros atores. Quando, por exemplo, dois atores não são adjacentes (diretamente conectados), eles dependem de outros atores do grupo para suas trocas ou eventuais relações, especialmente de atores que se encontram no caminho entre eles e que têm a capacidade de interromper a circulação dos recursos (qualquer tipo de relação ou comunicação). Quanto mais um ator se encontra “no meio”, como ponto de passagem obrigatório por caminhos que outras pessoas (ou atores ou empresas) devem tomar para se encontrar, mais central ele será, desse ponto de vista. O nó com elevada centralidade de intermediação é um ator-ponte, é aquele que controla a comunicação na rede e a comunicação é a própria rede, isto é, sem comunicação não há rede. É o nó que controla os fluxos da rede; e quem controla os fluxos da rede, controla a rede. Um nó, com esse tipo de controle, pode ameaçar a rede e, eventualmente, coagi-la ou pressioná-la. Ainda na figura 1, observamos que o nó da parte superior do grafo possui cinco conexões, a mesma quantidade do nó que está no meio da rede, um pouco mais abaixo. Entretanto, este possui um poder maior na rede, pois controla seu fluxo, unindo os dois principais subgrupos da rede. Portanto, possuir poucas conexões não significa, necessariamente, ser um nó pouco importante. Transportando o raciocínio para nossa rede corporativa, a unidade empresarial que tiver a maior centralidade de intermediação e grau de saída será aquela que, individualmente, maior controle exercerá sobre a economia corporativa. Em outras palavras, podem chantagear o país, controlar e manipular a economia (corporativa) nacional de acordo com os próprios interesses privados.

Resultados

No grupo de 200 corporações há, no total, 16 ligadas à área da saúde: Aché Laboratórios, Amil, Bayer, DASA, Eurofarma, Fleury, Grupo NC, Hapvida, Hyperama Pharma, Notre Dame Intermédica, Novartis, Prevent Senior, Profarma, Raia Drogasil, Rede D’Or e Unimed-Rio. Dentre estas, há 7, que nomeamos como as Sete Irmãs da Saúde (SIS), no topo da área da saúde privada (Rede D´Or, DASA, Eurofarma, Notre Dame Intermédica, Amil, Hapvida e Aché Laboratórios) e, especialmente, também fazem parte do 1% que controla acionariamente quase ¼ de toda a economia corporativa brasileira14,15. Quer dizer, em conformidade com a dimensão do controle acionário em rede, constituem um oligopólio não só no próprio setor, mas na economia como um todo. As Sete Irmãs da Saúde (SIS), integrantes de um seleto clube, possuem esse poder no mercado da saúde privada e na economia corporativa nacional.

O petit comité da saúde privada e da economia nacional

As Sete Irmãs da Saúde (SIS) ao integrarem o 1%, por óbvio, também estão no topo dos 10% e 20%, conforme a tabela 1 abaixo. Nela, apontamos a lista com as principais em ordem de importância, de acordo com a centralidade de intermediação e o grau de saída ponderado.

Tabela 1 – As Sete Irmãs da Saúde (SIS) – Centralidade de Intermediação e Grau de Saída Ponderado


A combinação entre as posições das SIS, a partir dos dois indicadores na tabela 1, evidencia sua participação privilegiadíssima no controle corporativo em rede da economia brasileira. Elas fazem parte da elite dos 10% das holdings (623 nós) que controlam 68,77% (4991 arestas) de todos os vínculos acionários da rede e, consequentemente, também pertencem aos 20% (1.247 nós) que controlam 80% (5820)11 de todas as conexões. Na tabela em questão, primeira e segunda colunas do lado esquerdo, tratamos da centralidade de intermediação. As SIS estão muito bem colocadas, com destaque para a Rede D´Or, que nesse importantíssimo quesito pertence ao 0,5% entre as 6.235 empresas que compõem as 200 holdings. Destaca-se que 25,93% de seu capital pertence à Pacific Mezz, empresa localizada em Singapura, um dos mais importantes paraísos fiscais e que, ainda, conta com sigilo fiscal. Esses últimos dois termos: paraíso fiscal e sigilo fiscal são expressões elegantes para quem não deseja pagar impostos. Ainda sobre a Rede D´Or, 11,88% está sob o controle do The Carlyle Group, um dos maiores fundos financeiros especulativos do mundo. Em 2022 administrava US$ 375 bilhões, o equivalente a metade do orçamento federal do Brasil. São muitas as notícias de operações, para dizer no mínimo, controversas e lesivas do grupo, incluindo a área da saúde. Por exemplo, está no leque de ações danosas da Carlyle a diminuição da qualidade e redução de serviços, bem como aumento de preços de medicamentos. Para maiores detalhes, o leitor pode pesquisar os casos relacionados à HCR ManorCare, LifeCare Holdings, Pharmaceutical Product Development, Albany Molecular Research, Acrotech Biopharma, Covis Pharma e Ortho-Clinical Diagnostics. Outro exemplo de empresa global, cujas estratégias empresariais não são exatamente dignas de constarem nos livros de boa governança é o caso da United Health, controladora da Amil no momento da confecção do presente artigo. Entre as denúncias sobre essa corporação, constam fraudes, reclamações falsas, acusações de faturamento excessivo, recusa de tratamentos, táticas agressivas para o não-pagamento de reembolsos e formação de monopólio. Práticas que tem lhe custado, nos Estados Unidos, processos judiciais e investigações governamentais.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Saúde privada: como funciona o oligopólio total

Domingo, 18 de fevereiro de 2024

Autor de pesquisa sobre a teia de corporações que comanda a economia no Brasil destrincha a situação no campo da saúde. Ele explica como os grandes grupos espalham seus tentáculos e acumulam poder. Mas defende: Estado ainda pode agir

Publicado no OUTRASAÚDE em 15/02/2024

Eduardo M. Rodrigues em entrevista a Gabriel Brito e Antonio Martins, no PULSO

“Não existe livre mercado ou livre iniciativa no setor privado da saúde. É isso que meu estudo demonstra. Diante do poder político acumulado pelos grandes grupos privados, não há a menor condição de falar em livre mercado”. Com essa definição, o economista e pesquisador Eduardo Rodrigues, da PUC-SP, iniciou sua entrevista em vídeo ao Outra Saúde, no PULSO.

Orientando de Ladislau Dowbor, que escreveu A Era do Capital Improdutivo, Rodrigues é autor do artigo Quem está no comando? Poder entre grupos econômicos hegemônicos no Brasil, que destrincha a teia dos oligopólios na economia do país. Estamos falando de 200 empresas que controlam mais de 60% do PIB e cujo faturamento é 70% superior ao orçamento geral da União – aquele que viabiliza todos os serviços públicos e benefícios sociais e previdenciários do Brasil. No caso da saúde, 16 grupos, sendo três estrangeiros, mandam em tudo.

Elaboração: Eduardo Rodrigues

O estudo é desdobramento do trabalho de Dowbor, cujo livro se apoia em dados publicados por pesquisadores do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica, que sistematizou todo o emaranhado de conexões entre as megacorporações globais e seu controle absoluto sobre a economia contemporânea. O artigo The Network of Global Corporate Control é a base do trabalho de ambos. Tanto pelo tamanho como pela capilaridade desse capitalismo globalizado, e sua intensa conexão com o mercado financeiro, o livro e a pesquisa aqui debatida apresentam um quadro em que o capitalismo global efetivamente submete os Estados nacionais.

No recorte desta entrevista, Rodrigues se concentra em mostrar como o setor privado de saúde brasileiro também representa essa tendência de grande concentração de capitais. Isso num contexto em que o setor alega crise financeira, uma vez que seus balanços operacionais não têm sido lucrativos, e a insatisfação de usuários se reflete numa galopante judicialização.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

Concentração de capital e os limites da saúde privada

Segunda, 12 de junho de 2023
Imagem: NPR

Economista da UFRJ traça um panorama detalhado da situação do setor suplementar no Brasil. Sua “crise” parece apontar que a saúde voltada ao lucro é uma lógica ineficiente. Também por isso, é preciso que o Estado deixe de financiá-la


OUTRASAÚDE
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Publicado no OUTRASAÚDE EM 06/06/2023

O setor privado de saúde passa por um momento peculiar. De um lado, a saúde suplementar fechou o ano de 2022 com um medíocre lucro de R$ 2,5 milhões, margem ínfima de 1 centavo para cada R$ 1.000 despendidos na prestação de serviços. De outro lado, grandes fusões e aquisições marcam cada vez mais o mercado, processo típico do capitalismo em sua fase globalizada, mas ainda recente neste setor no Brasil. Foram 73 transações do tipo apenas em 2021.

“Um dos aspectos desse processo de centralização são as combinações de negócios em atividades de saúde antes claramente separadas, funcionalmente distinguíveis. Quer dizer, atividade de empresas que se dedicam a diagnósticos, análises clínicas, exames de imagem, fora dos ambientes hospitalares assistenciais”, descreve Artur Monte Cardoso, economista e professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, em entrevista ao Outra Saúde. “Normalmente era um ramo separado das redes hospitalares ou das empresas de planos de saúde. Já há algum tempo vêm ocorrendo processos de verticalização, quando uma empresa controla uma cadeia mais longa de atividades que servem ao objetivo final de controlar a assistência à saúde dos seus clientes.”

Na entrevista, Cardoso descreve o processo descrito como de centralização de capitais, repetidor da lógica de compras e fusões de grandes empresas de uma mesma cadeia produtiva, que geram processos complementares de suas operações, numa racionalização de custos e potencialização de margens de lucro. O economista colaborou com uma edição especial dos Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz que tratou exclusivamente sobre o tema.

Na longa conversa com o Outra Saúde, ele explica o próprio processo histórico das grandes operadoras de serviços de saúde, que deixaram de ser empresas familiares para corporações com alto nível de profissionalização e os mais contemporâneos padrões de gestão — o que inclui a financeirização. Dessa forma, trata como natural que o resultado final do balanço da saúde suplementar de 2022 só tenha se salvado em razão dos bilionários ganhos em aplicações financeiras, conforme publicado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.

“É verdade que outros componentes podem ajudar nesse resultado de 2022 e precisam ser melhor estudados”, reflete ele. “Precisamos saber o quanto cresceu o consumo de serviços dos clientes do plano de saúde, comparar com outros anos e saber se os clientes estão consumindo realmente muito mais serviços do que antes”. A inflação também teve um peso importante, em especial nos suprimentos de saúde: “houve ampliações de preço relevantes que podem ter impactado negativa e momentaneamente na conjuntura das empresas de planos de saúde”, explica.

Apesar das circunstâncias, Cardoso lembra do essencial: “o setor de planos de saúde durante muitos anos acusa uma crise, mas ela nunca aparece como uma crise terminal, uma crise estrutural. Essas empresas estão sempre crescendo e ampliando seus negócios”.

De toda forma, os últimos meses têm marcado importantes conflitos entre as seguradoras de saúde e seus próprios usuários. A batalha do rol taxativo foi um episódio marcante, com vitória das famílias que se mobilizaram pela garantia de que tratamentos em saúde não podem ficar restritos a um escopo previamente limitado. Agora, aparecem cada vez mais denúncias sobre cancelamento unilateral de planos de saúde em tratamentos caros, como câncer e terapias de autismo. Sinais que precisam ser lidos.

“A lógica do lucro tende a conflitar na medida em que ou inviabiliza a assistência integral ou torna impossível ampliar de maneira significativa o mercado das empresas, isto é, o número de clientes, sem reduzir a abrangência dos serviços aos quais as pessoas têm direito”, explica Cardoso, que enxerga que a estagnação de 25% da população brasileira com planos de saúde desde os anos 2000 pode significar que o setor bateu no teto. “O que parece ser visível é que a sustentação de tal mercado é um mecanismo de concentração de renda das maiores empresas, dos principais estados da federação em termos econômicos, das maiores cidades, onde os salários são maiores e as empresas mais dinâmicas, e não parece ser um modelo generalizável”, sintetizou.

Em sua visão, estamos chegando ao fim das ilusões de uma pressuposta eficiência do setor privado, ao passo que o SUS, mesmo subfinanciado, aparece como o sistema que cumpre a ideia de direito à saúde em sua totalidade. Por tabela, outro mito deve ser superado: o de que aumentar o número de usuários de planos de saúde desonera o Estado e alivia o SUS.

“A política de financiamento para o SUS não pode ser unicamente a de mais recursos. Tem que garantir menos recursos ao setor privado. Só dessa maneira é possível equacionar a estruturação do Sistema Único de Saúde. E existem várias maneiras de fazer isso, há experiências internacionais das mais variadas. O caminho inicial é que o SUS seja o articulador do sistema de saúde, para que mesmo as empresas privadas estejam a seu serviço”, sugere Cardoso.

Leia a entrevista completa.

Você fez parte de um grupo de pesquisadores que publicou nos Cadernos de Saúde Pública uma edição especial sobre centralização de capital no setor de saúde. Como você descreve esse processo?

A centralização de capital é um processo que envolve um conjunto de empresas, controladas por um número cada vez menor de proprietários. É um fenômeno que já vem ocorrendo há umas duas décadas no Brasil. Não é uma novidade no capitalismo e não é uma novidade no capitalismo brasileiro. Mas ocorre no Brasil junto ao crescimento do setor privado, um conjunto muito grande de atividades e empresas: planos de saúde, redes hospitalares, redes de diagnóstico ou de serviços assistenciais terapêuticos, indústria farmacêutica e rede de farmácias e drogarias, até alguns outros setores que entraram no radar mais recentemente e dizem respeito à saúde, como as Organizações Sociais que atuam na gestão de unidades básicas ou mesmo as escolas profissionais de saúde, como as escolas médicas, que também estiveram na nossa pesquisa.