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sábado, 17 de junho de 2023

Renda Básica, alívio também para dores da alma

 Sábado, 17 de junho de 2023

Precarização massacra o corpo e a mente e o desemprego é gatilho seguro para a ansiedade e depressão. E se o Estado redistribuir recursos capazes de dispensar as jornadas massacrantes e promover o bem-viver, a saúde mental e o cuidado?

Imagem: unsplash.com

Por Beatriz Duran, no El Salto | Tradução: Rôney Rodrigues

A instabilidade econômica, a falta de rendimentos e o medo do desemprego são situações precursoras de problemas de saúde mental. Quando a vida está atrelada à precariedade laboral, a experiência humana parece estar voltada exclusivamente para atividades de sobrevivência. Da mesma forma, torna-se impossível que as pessoas tenham tempo e disponibilidade para práticas que desenvolvam o raciocínio, para se encontrarem e para o pertencimento — o poder de repensar a ordem estabelecida e melhorar a vida. A incerteza econômica ligada ao acesso e manutenção de um emprego, gera contínuos desconfortos e inseguranças psicológicos. Na mesma linha, podemos dizer que o trabalho — em seu sentido mais amplo — é um precursor de problemas e doenças mentais devido à deterioração das condições de trabalho. Os empregos são feitos de demandas que a maioria dos trabalhadores não consegue administrar.

O trabalho produz relações assimétricas: as pessoas são despojadas de seu poder de barganha e de sua liberdade. Trabalhar no contexto atual significa transitar entre contratos-lixo, ritmos acelerados que não permitem descanso e, ao mesmo tempo, exploram as pessoas até que elas adoeçam. Precisamente, as características do trabalho na era do capital tendem a intensificar a deterioração da saúde. A precariedade, por vezes, é invisível aos olhos da sociedade devido à sua normalização: uma cadeia de empregos precários sem possibilidade alguma de chegar a ter boas condições de trabalho. Podemos dizer que a pobreza está diretamente ligada ao trabalho precário, não apenas ao desemprego, portanto as pessoas são consideradas pobres mesmo tendo um emprego “estável” —que não cobre as necessidades pessoais e de seu entorno mais próximo. No entanto, esta “dança da precariedade” pode alimentar a ideia malfadada de que o trabalho determina “quem somos” e ser um foco de insatisfação, incerteza e dor.

O preço da desigualdade é alto, muito alto, principalmente para 99% das pessoas que não têm os recursos de que precisam. O aumento da precariedade laboral e a falta de oportunidades andam de mãos dadas numa sociedade em que uma em cada quatro pessoas — como é o caso de Espanha — corre o risco de enfrentarem a exclusão social devido a problemas relacionados com o acesso ao emprego e à habitação. O desemprego sempre foi um elemento característico do mercado de trabalho espanhol que tem uma das taxas mais altas da União Europeia – de acordo com a EPA [Pesquisa de População Ativa] cerca de 11,9 milhões de pessoas são precarizadas; 9 milhões são assalariadas; 1,2 milhões são autônomas e 2,6 milhões estão desempregadas. Somado a esses dados devastadores, está o problema da disparidade salarial a partir da qual as mulheres não conseguem decidir sobre suas próprias vidas devido aos péssimos salários que não cobrem suas necessidades: desequilíbrios salariais entre sexos e gêneros ofuscam a independência e o bem-estar social, deixando as mulheres na linha da pobreza. É assim que esta tendência de empobrecimento da sociedade não termina quando se consegue um emprego: “acesso ao trabalho em condições precárias e inflexíveis que não possibilitam sair dessa situação de exclusão social de quem se mantém com recursos íntimos” de acordo com o relatório do CC OO [Comissão Operária da Espanha] no ano passado. O flagelo da crise econômica é sentido no âmbito do trabalho pela falta de redes de segurança e desarticulação de recursos para a população menos favorecida.

O recente relatório do PRESME [Comisión de personas expertas en el impacto de la precariedad laboral en la salud mental], elaborado por um grupo de especialistas sobre o impacto da precarização do trabalho, afirma que a desigualdade social e econômica, a discriminação e os ataques à democracia são problemas globais de saúde pública. A atual tendência de queda dos salários e do desemprego reforçam as desigualdades em relação à saúde mental. “Da população ocupada, cerca de 17,3 milhões são assalariados, dos quais 46,9% podem ser considerados trabalhadores precarizados (8,1 milhões de pessoas)”. Atualmente, o salário recebido por um trabalho não cobre as necessidades básicas de grande parte da população, assim como é muito difícil ter recursos para cobrir a assistência diante da mal-estar psíquico. Um sistema público de saúde deficiente e cada vez mais privatizado não cobre ou sequer oferece soluções para tratar os problemas mentais das pessoas.

Portanto, a profunda precariedade sob a qual a maioria das pessoas em todo o mundo trabalha, infiltra-se nos corpos e gera vidas inseguras, envelhecimento precoce e morte prematura. A disciplina do trabalho é invisível e altamente nociva à saúde: uma estigmatização dos pobres e precarizado em constante adoecimento mental. Da mesma forma, esse sofrimento psíquico aumenta quando há um desconhecimento sobre o que leva tantos indivíduos a aceitarem o inaceitável em situações de exploração. Essa posição de desamparo é intensificada com os discursos meritocráticos: “tem que se esforçar mais para conseguir o pleno emprego”.