Após a Segunda Guerra Mundial, numa zona cada vez maior do Terceiro Mundo, as políticas implementadas viram as costas às antigas potências coloniais. Essa orientação esbarra contra a oposição firme dos governos dos grandes países capitalistas industrializados, que exercem uma influência determinante sobre o Banco Mundial e sobre o FMI. Os projetos do Banco possuem uma vertente política acentuada: refrear o desenvolvimento de movimentos que ponham em causa o poder das grandes potências capitalistas. A proibição de apresentar justificações “políticas” e “não económicas” nas operações do Banco (uma das mais importantes cláusulas dos seus estatutos) é sistematicamente contornada. A parcialidade política das instituições de Bretton Woods é demonstrada pelo apoio financeiro dado, em especial, às ditaduras que assolaram o Chile, o Brasil, a Nicarágua, o Congo-Kinshasa e a Roménia.
1.A revolta anticolonial e anti-imperialista do Terceiro Mundo
Após 1955, o espírito da Conferência de Bandung (Indonésia) [1] sopra sobre grande parte do planeta. A conferência acontece na sequência do fracasso francês no Vietname e precede a nacionalização do canal do Suez por Nasser (1956). Depois surgem as revoluções cubana (1959) e argelina (1954-1962) e o retomar da luta pela emancipação do Vietname... Numa zona cada vez mais alargada do Terceiro Mundo, as políticas implementadas viram as costas às antigas potências coloniais. Nota-se uma tendência para a substituição de importações e para o desenvolvimento de políticas voltadas para o mercado interno. Essa orientação esbarra contra a oposição firme dos governos dos grandes países capitalistas industrializados, que têm uma influência determinante no Banco Mundial e no FMI. Avoluma-se a onda de regimes nacionalistas burgueses que adotam políticas populares (Nasser no Egito, Nehru na Índia, Perón na Argentina, Goulart no Brasil, Sukarno na Indonésia, Nkrumah no Gana...) e de regimes com orientação explicitamente socialista (Cuba, República Popular da China).
Nesse contexto, os projetos do Banco Mundial têm um forte pendor político: refrear o desenvolvimento de movimentos que coloquem em causa a dominação exercida pelas grandes potências capitalistas.
2.Poder de intervenção do Banco Mundial nas economias nacionais
Desde os anos cinquenta, o Banco criou uma rede de influência que lhe seria muito útil mais tarde. Estimulou a procura dos seus serviços no Terceiro Mundo. A ascendência que o Banco dispõe decorre, em grande parte, da rede de agências que construiu nos Estados que se tornaram seus clientes e, ao mesmo tempo, devedores. O Banco exerce uma verdadeira política de influência para sustentar a sua rede de empréstimos.
A partir dos anos cinquenta, um dos primeiros objetivos do Banco é a “construção de instituições” que assumem frequentemente a forma de agências para-governamentais nos países clientes do Banco. [2] Tais agências são fundadas com a intenção de serem relativamente independentes em termos financeiros dos seus governos e de estarem fora do controlo das instituições políticas locais, especialmente dos parlamentos nacionais. Constituem pontos naturais de apoio do Banco, a quem devem muito, a começar pela sua existência e, em certos casos, o seu financiamento.
A criação de tais agências foi uma das mais importantes estratégias do Banco Mundial para se integrar nas economias políticas do Terceiro Mundo.
Funcionando segundo regras próprias (frequentemente elaboradas de acordo com as sugestões do Banco), repletas de tecnocratas simpatizantes do banco, incentivados e apoiados por ele, essas agências são uma fonte estável e digna de confiança para satisfazer as necessidades do Banco: elaboram propostas de empréstimo “viáveis”. Fornecem também ao Banco as bases do poder paralelo, que permitiram transformar as economias nacionais, e, de facto, sociedades inteiras, sem recorrer ao procedimento exigente do controlo democrático e sem debates do contraditório.
O Banco funda, em 1956, com o apoio financeiro importante das Fundações Ford e Rockefeller, o Instituto de Desenvolvimento Económico (Economic Development Institute), que oferece estágios de formação, de seis meses, aos delegados oficiais dos países membros. “Entre 1956 e 1971, mais de 1300 delegados oficiais passaram pelo Instituto; alguns deles atingiram posições de primeiro-ministro, ministro do Planeamento e ou das Finanças”. [3]
As implicações dessa política são inquietantes: o estudo realizado pelo International Legal Center (ILC) de Nova York, sobre a ação do Banco na Colômbia, entre 1949 e 1972, concluiu que as agências autónomas criadas pelo Banco têm um impacto profundo na estrutura política e na evolução social de toda a região, enfraquecendo “o sistema dos partidos políticos e minimizando o papel do legislativo e do judiciário”.
Pode-se considerar que, desde os anos sessenta, o Banco estabeleceu mecanismos únicos e novos, tendo em vista uma intervenção permanente nos assuntos internos dos países que pediam empréstimos. No entanto, o Banco nega vigorosamente que tais intervenções sejam políticas: ao contrário, insiste no facto de a sua política nada ter a ver com as estruturas de poder e de os assuntos políticos e económicos existirem separadamente.
3.A política de empréstimos do Banco Mundial é influenciada por considerações políticas e geoestratégicas.
O artigo IV, secção 10, estipula: “O Banco e os seus responsáveis não interferirão nos assuntos políticos de nenhum dos membros e é-lhes proibido deixarem-se influenciar nas suas decisões pelas caraterísticas políticas do membro ou dos membros em questão. Só considerações económicas podem influenciar as suas decisões e essas considerações devem ser avaliadas sem ideias pré-concebidas, a fim de se atingirem os objetivos (fixados pelo Banco) estipulados no artigo 1º”.
Apesar disso, a proibição de apresentar justificações “políticas” e “não económicas” nas operações do Banco, uma das cláusulas mais importantes dos seus estatutos, é contornada sistematicamente. E desde o início da sua atividade. Recorde-se que o Banco recusou emprestar à França, após a libertação, enquanto os comunistas estivessem no governo (alguns dias após a saída dos comunistas do governo, em maio de 1947, o empréstimo solicitado e bloqueado até então foi concedido).
O Banco age recorrentemente contrariando o artigo IV dos estatutos. De facto, com regularidade, as escolhas feitas têm como justificação considerações políticas. A qualidade das políticas económicas não é condição determinante das suas opções. O Banco empresta regularmente dinheiro a países sem ter em conta a má qualidade da sua política económica e o elevado nível de corrupção: a Indonésia e o Zaire são dois casos emblemáticos. Mais precisamente, as escolhas do Banco, em relação a países que assumem posições políticas de maior relevância para os principais acionistas, estão com frequência relacionadas com os interesses e as orientações desses acionistas, a começar pelos Estados Unidos.
As escolhas do Banco e do seu irmão gêmeo, o FMI, desde 1947 até a derrocada do bloco soviético [4], são amplamente determinadas pelos seguintes critérios:
evitar a manutenção dos modelos autocentrados;
apoiar financeiramente grandes projetos (Banco Mundial) ou políticas (FMI), que permitam aumentar as exportações dos principais países industrializados;
recusar ajuda a regimes considerados como uma ameaça pelo governo dos Estados Unidos e por outros acionistas importantes;
tentar modificar a política de certos países ditos socialistas, a fim de enfraquecer a coesão do bloco soviético. É nesse contexto que foi concedido apoio à Jugoslávia, que saiu do bloco dominado por Moscovo a partir de 1948, ou à Romênia a partir dos anos setenta, quando Ceausescu manifestava intenção de se distanciar do COMECON e do Pacto de Varsóvia;
apoiar aliados estratégicos do bloco capitalista ocidental, dos Estados Unidos em particular (exemplos: a Indonésia, de 1965 até hoje; o Zaire de Mobutu, de 1965 a 1977; as Filipinas sob o governo de Marcos; o Brasil da ditadura a partir de 1964; a Nicarágua do ditador Somoza; a África do Sul do Apartheid);
procurar evitar ou limitar, tanto quanto possível, um aproximação dos governos dos PED ao bloco soviético ou à China: tentar, por exemplo, afastar a Índia e a Indonésia, dos tempos de Sukharno, da URSS;
procurar, a partir de 1980, integrar a China no jogo de alianças dos Estados Unidos.
Para implementar essa política, o Banco Mundial e o FMI adotam uma tática generalizada: tornam-se mais flexíveis em relação aos governos de direita (menos exigentes em termos de políticas de austeridade antipopulares), que se confrontam com uma forte oposição de esquerda, do que em relação aos governos de esquerda, que se confrontam com uma forte oposição de direita. Concretamente, isso significa que essas instituições pretendem dificultar a vida aos governos de esquerda, confrontados com uma oposição de direita, de modo a enfraquecê-los e a favorecerem a ascensão da direita ao poder. Segundo a mesma lógica, serão menos exigentes com os governos de direita, que se confrontam com oposições de esquerda, de modo a evitarem enfraquecê-los e impedindo a esquerda de ascender ao poder. A ortodoxia monetarista possui uma geometria variável: as variações dependem muito de fatores políticos e geoestratégicos.
Alguns casos concretos – o Chile, o Brasil, a Nicarágua, o Zaire e a Roménia – ilustram o que ficou dito: trata-se, em simultâneo, de escolhas do Banco e do FMI, porque essas escolhas são determinadas, grosso modo, pelas mesmas considerações e são submetidas às mesmas influências.
O FMI e o Banco Mundial não hesitam em apoiar as ditaduras, quando (tal como outras grandes potências capitalistas) acham oportuno. Os autores do Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano, realizado pelo PNUD (edição de 1994), afirmam claramente isso: “De facto, a ajuda dada pelos Estados Unidos, durante os anos oitenta, é inversamente proporcional ao respeito pelos direitos humanos. Os doadores multilaterais também não parecem muito incomodados com tais justificações. Parecem, de facto, preferir os regimes autoritários, aceitando sem pestanejar que esses regimes favorecem a estabilidade política e gerem melhor a economia. Logo que o Bangladesh e as Filipinas puseram fim à lei marcial, as parcelas respetivas nos empréstimos do Banco Mundial diminuíram”. [5]