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Postado originariamente na Agência Pública em 23 de janeiro de 2025
Por Amanda Audi
Bebês tirados das mães assim que nasciam eram vendidos. Homens eram explorados como “reprodutores”
A investigação foi feita com apoio do Pulitzer Center
Um dos aspectos menos conhecidos da escravidão no Brasil é também um de seus lados mais sombrios: a reprodução sistemática de pessoas escravizadas. Mulheres eram forçadas a engravidar continuamente, enquanto homens (os mais fortes e saudáveis) eram colocados na posição de “reprodutores”. Os bebês ficavam pouco tempo com a mãe e logo eram negociados pelos senhores de escravos como mercadoria. Exatamente como funciona hoje uma fazenda de criação de gado.
O tema é pouco conhecido no país porque não há muitos documentos históricos — em parte por causa da destruição de arquivos ligados à escravidão no fim do regime, e em outra medida por ser uma atividade ilegal, feita às escondidas. As informações que se tem sobre o assunto baseiam-se principalmente em relatos orais e no que sobrou de censos e controles de natalidade das fazendas.
O pesquisador e jornalista Laurentino Gomes, autor de uma trilogia de livros sobre a escravidão brasileira, encontrou ao menos duas fazendas que serviam como espaço de reprodução de escravizados. Uma delas fica em Remígio, na Paraíba, e a outra em Mangaratiba, no Rio de Janeiro. Ele acredita que havia muitas outras espalhadas pelo interior do país, mas que acabaram desaparecendo aos olhos dos historiadores. “Essa é uma prática muito camuflada no Brasil, muito dissimulada, mas que permeou todo o sistema escravista”, afirma.
Localizada na região de Campina Grande, a segunda maior cidade da Paraíba, a fazenda de Remígio é conhecida até hoje pelos moradores do entorno como “a maternidade”. Lá era o lugar em que as escravizadas de Francisco Jorge Torres, um português que se mudou para o Brasil no início do século 19 e fez fortuna com a criação e venda de pessoas, iam para dar à luz os bebês que depois seriam comercializados por ele. Pelo menos cem crianças tiveram esse destino. Além de servir para a reprodução de pessoas, o local funcionava também como fazenda de criação de gado e curtume.