Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 3 de setembro de 2023

Indo recolher os passos no Chile

Domingo, 3 de de 2023

Do Pátria Latina

José Bessa Freire

Si vas para Chile / Te ruego, viajero / Le digas a ella / Que de amor me muero.  (Chito Faró, 1942)

Sim senhora, vamos ao Chile outra vez agora, 8 de setembro, em uma caravana de brasileiros que lá se exilaram em três levas. A primeira após o golpe de 1964. A segunda, da qual fiz parte, levada pelo AI-5, ambas no governo democrata cristão de Eduardo Frei. A terceira, na era Garrastazu, acolhida pelo governo socialista de Salvador Allende. Os chilenos solidários, que nos receberam de braços abertos, comprovam “cómo quieren en Chile al amigo cuando es forastero”.

Partiremos de várias cidades do Brasil. No Rio de Janeiro, o grupo de ex-exilados se reuniu sábado (26) no salão reservado da Taberna da Glória, que lotou. “Nunca vi família tão grande” – disse o garçom. O que ele viu foi apenas pequena amostra. Quantos foram os exilados? Calcula-se entre 3 até 4 mil pessoas, dos quais cerca de 500 formaram o grupo Viva Chile no WhatsApp. Desses, cerca de 100 voltaremos para agradecer em nome de todos a hospitalidade.

O grupo criado em maio pelo sociólogo Ricardo Azevedo e o matemático William Martani propiciou encontros e reencontros, veiculando milhares – eu disse milhares – de postagens sobre o exílio.  A última coisa ao me deitar e a primeira ao acordar era lê-las com sofreguidão. As narrativas, dolorosas umas, divertidas outras, tornaram-me um dependente anímico do Viva Chile.

Os relatos de violência, prisão e tortura me causaram seguidos pesadelos. E não fui o único a tê-los. Um dos administradores do Grupo, Beluce Bellucci conta isso ao descrever “O setembro de 1973 em Valdívia”. Apesar disso, o que prevaleceu não foi nem a vitimização nem a glorificação de heróis individuais, mas a resistência coletiva, mostrando que no final, apesar de toda a barbárie, venceu a humanidade.

Pau-de-arara

Alguns exilados testemunharam o bombardeio do Palácio La Moneda, os tiroteios nas ruas, a busca de asilo em embaixadas, incluindo a do Panamá – um apartamento com três quartos pequenos que abrigou centenas de pessoas em pé, alternando horas de dormir. O economista Theotônio dos Santos e a socióloga Vania Bambirra doaram a própria casa para a Embaixada do Panamá, que abrigou mais de 300 pessoas, entre elas crianças e mulheres grávidas. A casa transformada depois em um centro de tortura, hoje é um museu de resistência.

Não convivi in loco com essa cruel realidade. Quando Pinochet emergiu das trevas, em setembro de 1973, eu já estava residindo no Peru. Só fui informado depois por amigos. O estarrecedor é que documentos oficiais atestam a participação da ditadura brasileira na preparação do golpe que derrubou Allende, desde 1970, quando o Itamaraty contatou militares chilenos de extrema-direita e espionou os exilados que, presos depois no Estádio Nacional, foram interrogados por agentes brasileiros da repressão.

Esses agentes torturaram não apenas seus patrícios, mas também os presos chilenos – segundo o jornalista Robert Simon, que se refere à incorporação do termo pau-de-arara no espanhol falado pela milicada chilena. Empréstimos lexicais revelam sempre as relações entre comunidades linguísticas. O léxico importado se referia ao método de tortura física, produto brasileiro de exportação.

Esse tipo de “cooperação” foi uma política de estado, que poucos funcionários se recusaram a seguir, ao contrário do então embaixador da ditadura brasileira no Chile, Antônio Cândido Câmara Canto – guardem o nome do pilantra – que serviu com fidelidade canina à ditadura de Pinochet, de quem era amigo pessoal. Ele morreu em 1977 e virou nome de rua no bairro La Victoria, em Santiago, assim como no bairro de Piqueri em São Paulo, homenageado assim pelas duas ditaduras irmãs.

Luta pela memória

A rua de Piqueri parece esperar a eleição de Boulos para prefeito, mas a de Santiago – já está decidido pela subprefeitura chilena – vai mudar de nome e, por proposta do Viva Chile deve ser denominada rua Dr. Otto Costa Brockes, pediatra brasileiro preso e torturado no Estádio Nacional. Ele salvou filhos de tantas mães e examinou durante todo o exílio milhares de crianças de diferentes nacionalidades, conforme documentário da TV Senado.

Viva Chile vai inaugurar duas placas em Santiago: uma na embaixada do Brasil, que termina assim: “No Brasil e no Chile, ditadura nunca mais”. A outra na Praça Brasil nominando os brasileiros assassinados por Pinochet. Segundo William Martani, o grupo conta com o apoio do Itamaraty, do atual embaixador brasileiro no Chile, Paulo Roberto Pacheco e do ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos). As placas já foram feitas e uma das atividades da caravana será a sua colocação.

Levaremos flores aos túmulos de Allende e de Victor Jara, além de cumprir uma extensa agenda política vinculada à luta pela memória. Visita ao Museu da Memória e dos Direitos Humanos e à exposição de fotos de Evandro Teixeira a ser inaugurada no dia 10, atividade no Estádio Nacional, manifestação com velas acesas em memória dos mortos e desaparecidos, com performance teatral, música, danças, falas.

Na taberna da Glória

Tudo isso foi conversado na reunião da Taberna da Glória, onde todos cantamos Los Hermanos de Atahualpa Yupanqui observados pelo garçom Loyola, que tinha razão: somos uma grande família. “Yo tengo tantos hermanos, que no los puedo contar”.

O repertório musical incluiu ainda “Volver a los 17” de Violeta Parra. Juro – quero ver minha mãe mortinha no inferno se minto – que enquanto cantávamos, eu me sentia o próprio Milton Nascimento, vi o Chico Buarque na voz do Chiquinho Mendes, meu querido colega da Escola de Comunicação, naquele momento o Caetano era o Tuca ou o Gaiola, a Gal podia ser a Mônica Rabelo, a Márcia Fiani ou as ausentes Angelina e Leda Gitahy. A Mercedes Sosa era a Solange Bastos ou a Flávia Cavalcanti.

O retorno ao Chile será uma forma de “volver a los diecisiete, después de vivir médio siglo”. No mundo andino, que concebe o tempo como circular, ao chegar a uma certa idade as pessoas voltam aos lugares por onde passaram para “recoger los pasos”. É esse caminho de volta que faremos agora, os cem exilados, como uma forma de revisitar a história. “Eso es lo que sentimos nosotros en este instante fecundo”.

Referências:

  1. Roberto Simon:  O Brasil Contra a Democracia, Editora Companhia das Letras, 2021

  2. O médico Otto Brockes aborda aspectos de sua experiência durante o golpe que depôs pres. chileno – YouTube  https://www.youtube.com/watch?v=Mdo3SxFSnJY

  3. Emir Sader. O golpe militar no Chile 30 anos depois. 11 /09/ 2003 https://www.sintrajusc.org.br/30-anos-depois-leia-aqui-artigo-do-sociologo-emir-sader-sobre-o-golpe-militar-no-chile/


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Ato no Rio lembra os 2 mil dias sem solução para o caso Marielle

Domingo, 3 de setembro de 2023

Mães de vítimas da violência policial participam de ato simbólico da Anistia Internacional nos 2 mil dias do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, na Praça Mauá. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Mobilização pede andamento mais rápido das investigações

Por Douglas Corrêa - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

A Anistia Internacional promoveu na tarde deste sábado (2) um ato simbólico para marcar os 2 mil dias sem justiça pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocorrido em 14 de março de 2018, na região central da cidade.

A mobilização, realizada na Praça Mauá, em frente à Superintendência da Polícia Federal, teve por objetivo reivindicar o andamento mais rápido das investigações, com imparcialidade, transparência e o esclarecimento das motivações do crime e quem foram os mandantes. A Anistia cobra ainda que o governo federal implemente, por meio de cooperação técnica internacional, um mecanismo independente de especialistas para trabalhar no apoio à elucidação do crime.

A diretora executiva da Anistia Internacional, Jurema Werneck, disse que 2 mil dias são muito tempo para esperar por uma resposta.

“É inadmissível que depois de tanto tempo e recursos investidos nesse processo, não tenham chegado a uma conclusão. Desde o dia do crime, a Anistia Internacional Brasil segue mobilizada para que se faça justiça por Marielle e Anderson. E assim seguiremos, em luta e com coragem”, avaliou.

Marinete da Silva e Antônio Francisco da Silva Neto, pais de Marielle Franco, em ato simbólico da Anistia Internacional pelos 2 mil dias do assassinato da vereadora e de Anderson Gomes, na Praça Mauá. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

“Nos últimos cinco anos, tivemos seis delegados de polícia à frente do caso, quatro chefes de Polícia Civil, um interventor, 11 promotores de Justiça, dois procuradores gerais de Justiça, dois procuradores-gerais de Justiça, três governadores, dois presidentes da República, um superintendente da Polícia Federal e continuamos sem resposta”, diz a Anistia Internacional.

A manifestação teve a participação de coletivos de mães e familiares de vítimas da violência do Estado e coletivos de defensores de direitos humanos para endossar o pedido de respostas.

Luzes de led trouxeram a mensagem “2 mil dias sem Justiça”, acompanhadas por girassóis, flores que simbolizam as sementes de Marielle e Anderson e velas que representam o símbolo da organização.

Veja galeria de fotos:
Ato simbólico marca 2 mil dias do assassinato de Marielle e Anderson
Fernando Frazão/Agência Brasil
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Avanços

No início do governo Lula, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, mobilizou a Polícia Federal para atuar diretamente no caso junto com o Ministério Público do Rio (MPRJ). O motorista que dirigia o carro utilizado no assassinato, o ex-policial militar Élson Queiróz, confirmou o nome dos envolvidos no crime. Na delação premiada com a Polícia Federal (PF) e com o Ministério Público do Rio de Janeiro, ele confirmou sua participação, a de Ronnie Lessa e a do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa nos assassinatos de Marielle e Anderson. O ex-PM ainda indicou envolvimento de mais pessoas no crime, informação que segue em segredo de Justiça.

Para o Dino, a colaboração premiada de Élcio de Queiroz encerrou uma fase da investigação ao retirar todas as dúvidas sobre a execução do crime, abrindo a possibilidade de a polícia chegar aos mandantes do duplo assassinato.

“Há um avanço, uma espécie de mudança de patamar da investigação. A investigação agora se conclui em relação ao patamar da execução e há elementos para novo patamar: o da identificação dos mandantes do crime”, destacou o ministro, em coletiva após a delação.

Edição: Sabrina Craide

Tecnologia para tratar câncer de pele é aprovada para uso no SUS

Domingo, 3 de setembro de 2023
Foco é o carcinoma basocelular em fase inicial de tratamento


© Marcello Casal Jr/Agência Brasil/Arquivo

Pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) com o tipo de câncer de pele mais comum vão ter um novo tratamento desenvolvido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). A tecnologia 100% nacional promete um tratamento rápido, com menos desconforto e foi aprovado para uso na saúde pública.

Por Fernanda Cruz - Repórter da TV Brasil - São Paulo

“Só deu uma queimadinha e pronto”, conta Helena sobre o procedimento a laser.

O tratamento é oferecido gratuitamente no Hospital Amaral Carvalho, na cidade de Jaú, no interior paulista, um dos 70 centros de estudos que utilizam a terapia. As lesões que podem ser tratadas são as não melanoma, que respondem pela maioria dos casos de câncer de pele entre os brasileiros.

“O foco do nosso projeto é o carcinoma basocelular em fase inicial de tratamento, uma lesão pequena, com subtipo histológico específico para ser contemplado, para receber a terapia fotodinâmica”, explica a dermatologista Ana Gabriela Sálvio.

sábado, 2 de setembro de 2023

O coração do Faustão

 Sábado, 2 de setembro de 2023

O coração do Faustão

Graças ao SUS, Brasil é o segundo país que mais salva vidas por transplante — e um dos únicos a ter “fila” unificada. Sistema público faz 96% das operações. Nota triste: apresentador salvou-se, mas “doutor” Sócrates, que tanto lutou pela democracia, pereceu

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Por Paulo Capel Narval

O SUS está no coração do Faustão. No período dificílimo da pandemia de covid-19, o SUS esteve em preces e nas lutas pela vacina. E esteve também na camisa do glorioso Bahia Esporte Clube, naquela inesquecível noite de 22 de julho de 2020, no Estádio de Pituaçu, quando a equipe venceu em Salvador o igualmente glorioso Clube Náutico Capibaribe, do Recife.

O placar daquele jogo pela Copa do Nordeste não importa tanto quanto o golaço feito pelo tricolor baiano naquela quarta-feira: após quatro meses sem entrar nos gramados, o escudo do Bahia estava com a metade encoberta pelo desenho de uma máscara facial, simbolizando a oposição do clube baiano ao negacionismo científico que, naquele contexto, dividia o país. Mas um outro símbolo, o do SUS, que também motivava a ira dos poderosos de então, estava estampado na camiseta do Bahia. Poderia estar na altura do coração, mas ali estava a máscara. Então, o símbolo do SUS foi deslocado para a parte inferior da frente.

Desde então, meu coração corintiano tratou de arrumar um lugarzinho para também acolher o Bahia Esporte Clube, em reconhecimento aquele que foi mais do que um gesto bonito e solidário. Estampar o símbolo do SUS ajudou a dar visibilidade ao nosso sistema universal de saúde e aos profissionais que lhe dão vida, diariamente. Os mesmos profissionais que renovaram a vida do Faustão.

O SUS está no coração do cidadão Fausto Silva, 73 anos, conhecido apresentador de TV (aliás, torcedor do Santos, o “glorioso alvinegro praiano”, como diz o hino do clube), pois Faustão apresentou agravamento de uma insuficiência cardíaca que evoluía havia mais de dois anos. Em 5 de agosto de 2023 o jornalista foi internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e a bem-sucedida operação de transplante ocorreu 22 depois.

Tão logo a notícia foi divulgada, as redes sociais pulsaram.

Embora os comunicados médicos e da Central de Transplantes do Estado de São Paulo tenham informado sobre as graves condições do doente, e sua posição na lista de pacientes à espera de um órgão, “o sangue de muita gente ferveu” e foram postados comentários apressados e desinformados que contribuíram para dar curso a equívocos sobre o que é e como funciona a Central de Transplantes. Frases como “ser rico deve ser muito bom”, ou “nunca duvide do poder de compra de um bilionário” são péssimas, pois desvalorizam o trabalho de centenas de profissionais de saúde, não apenas em São Paulo, mas em todo o Brasil, atingindo-lhes a dignidade e colocando-os, injusta e indevidamente, sob suspeição.

Brics+ mostra força na energia

Sábado, 2 de setembro de 2023
Países do bloco dominam lítio, terras raras e manganês, além de óleo e gás

Monitor Mercantil
1 de setembro de 2023
Fábrica de bateria lítio em Tangshan (foto de Yang Shiyao, Xinhua)

A força do Brics+ no mercado mundial de energia é incontestável. Levantamento do Center for Strategic and International Studies (CSIS) demonstra que a entrada da Argentina posicionará os Brics com 3 dos 5 maiores produtores de lítio do mundo, ao lado da China e do Brasil.

O lítio é fundamental para baterias, não só para os automóveis elétricos, cujas vendas estão se ampliando, mas para celulares, energia solar e uma variedade de outros usos.

O Brics ampliado terá 72% de terras raras (e 3 dos 5 países com as maiores reservas); 75% do manganês mundial; 50% do grafite; 28% do níquel; e 10% do cobre mundial (excluindo as reservas do Irã).

O Brics+ incluiu os países fundadores (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) mais os recém-admitidos: Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã.

Bloqueio questionado

O Irã tem as maiores reservas de zinco do mundo e o segundo maior depósito de cobre. No entanto, o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos impede investimentos para aumentar a produção. O Brics+ deverá suplantar essas limitações.

Dólar ainda domina, mas Brics+ vai no sentido da desdolarização

Além de reunir os maiores produtores e exportadores de óleo e gás do mundo, o Brics+ tem também 2 dos maiores importadores: China (1º) e Índia (3º) – os EUA estão em 2º. A possibilidade de o comércio de petróleo entre os países do bloco ser feito em moedas alternativas ao dólar é grande.

Isso já é feito, ainda que de forma limitada, na compra de óleo russo pelas refinarias indianas. A rúpia já é utilizada. Mas os russos acumularam grandes quantidades da moeda indiana.

Em maio, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse que estavam em andamento negociações para trocar bilhões de rúpias acumuladas em bancos indianos por outras moedas.

A partir de junho, as refinarias indianas começaram a liquidar alguns pagamentos pelas importações de petróleo russo em yuan, a moeda chinesa, mas o dólar continua sendo dominante para tais pagamentos.

O petróleo russo representou 41,9% das importações da Índia em julho, superando os volumes acumulados dos próximos 4 grandes fornecedores – Iraque, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos. Antes do conflito na Ucrânia, o fornecimento russo representava menos de 2% nas importações de petróleo da Índia.

Rápidas

Caso Bustani: ataque dos EUA contra embaixador brasileiro prova urgência de reforma internacional

Sábado, 2 de setembro de 2023
© Foto / IELA-UFSC

Sputnik Brasil
Ana Livia Esteves

Embaixador brasileiro que confrontou os EUA nos preparativos para a invasão do Iraque reconta sua trajetória e explica o papel do BRICS na reforma do sistema internacional. Alvo de chantagem e ameaça por parte de altos funcionários dos EUA, caso Bustani revela por que manter a ordem global inalterada é inaceitável para países em desenvolvimento.

O embaixador brasileiro José Maurício Bustani, famoso por confrontar os Estados Unidos durante os preparativos para a invasão do Iraque, concedeu entrevista exclusiva à Sputnik Brasil recontando sua trajetória e explicando por que uma das principais tarefas do BRICS é democratizar organismos multilaterais.

Alvo de chantagem e ameaça por parte de altos funcionários dos EUA, Bustani foi ilegalmente afastado da diretoria da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), filiada às Nações Unidas, pouco antes da invasão no Iraque.

"O que aconteceu comigo foi um reflexo da ordem mundial construída após a Segunda Guerra Mundial, na qual a possibilidade de ingerência e pressão em função da dependência orçamentária das principais economias mundiais é uma realidade", disse o embaixador Bustani à Sputnik Brasil.

Apesar das tensões do atual contexto geopolítico, organizações multilaterais continuam desempenhando papel em assuntos fundamentais para a sobrevivência da espécie humana, como o controle de armas químicas e nucleares.

Porém, o funcionamento imparcial das organizações internacionais é cotidianamente colocado em xeque por grandes potências, que utilizam seu poderio econômico para cercear suas atividades e chantagear seus membros mais idôneos.

Esse foi o caso de Bustani, obrigado a travar uma luta solitária contra a maior potência militar da atualidade, os EUA. Durante sua permanência no cargo de diretor da OPAQ, Bustani esteve a poucos passos de impedir a invasão norte-americana do Iraque, em 2003, sob o falso pretexto de que o regime de Saddam Hussein estaria desenvolvendo arsenal de armas químicas.

CENTRO PRA QUEM? Organizações lançam manifesto contra privatização das áreas centrais de Brasília

Sábado, 2 de setembro de 2023

Rodoviária do Plano Piloto faz parte do plano de privatização - Marcelo Casal Jr/Agência Brasil


Mobilização repudia entrega da Rodoviária do Plano Piloto, Conic, SCS e Galeria dos Estados para iniciativa privada

Valmir Araújo
Brasil de Fato | Brasília (DF) | 01 de Setembro de 2023 às 18:31

Organizações e ativistas que atuam pela revitalização cultural do centro de Brasília lançam um manifesto e coletam assinatura em um abaixo-assinado online contra a privatização da Rodoviária do Plano Piloto, Conic, Galeria dos Estados, Setor Comercial Sul (SCS) e os espaços que estão prestes a serem entregues à iniciativa privada por iniciativa do Governo do Distrito Federal.

“Eu já fui vendedora de flores na Rodoviária e sei da importância da manutenção desse local como espaço público”, declarou Danielle Sanchez, que atua na articulação do movimento ‘Centro pra quem?’, que reúne organizações e ativistas contra a privatização do centro de Brasília.

De acordo com Danielle, a meta inicial do abaixo-assinado lançado na quarta-feira (30) é de alcançar 500 assinaturas, mas já contava com 300 no fechamento desta matéria. Segundo ela, ao longo de todo mês de setembro haverão novas metas e uma forte mobilização contra a privatização.

“Nós queremos uma discussão verdadeira sobre esse projeto. Essas áreas são muito importantes para os comerciantes, os usuários de transporte público e para as áreas recreativas”, analisou Danielle Sanchez, destacando que a audiência pública que foi realizada pelo governo para discutir o assunto foi no meio da pandemia, o que impediu muitos de participarem.

Uma das organizações que integra o movimento 'Centro pra quem?' é o Instituto No Setor, que promove projetos culturais na região da Galeria dos Estados. “O lugar recebe centenas de atividades ao longo de um ano, são festas, ensaios de fanfarras, feiras, campeonato de skate, tour de turismo, entre outras, que movimentam uma parte importante da economia criativa e do setor cultural”, ressaltou o coordenador-geral Rafael Reis.

De acordo com ele existe uma grande preocupação sobre impacto da privatização nas atividades culturais que acontecem nessas áreas que o governo pretende privatizar. “Mas agora, a dúvida sobre o uso do espaço, caso seja concedido, paira sobre todos esses grupos”, acrescentou Rafael.


O ativista e historiador Guilherme Lemos, que pesquisa sobre o processo histórico de segregação entre brancos e negros em Brasília acredita que a privatização das áreas centrais deverá aprofundar esse processo. “Vai gerar intensificação da especulação imobiliária, gentrificação do centro e restrição para circulação de pessoas pobres, pretas e periféricas nesses locais”, analisou.

Privatização do Centro

No dia 25 de agosto houve uma Audiência Pública na na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) para discutir a privatização da Rodoviária do Plano Piloto, Galeria dos Estados, SCS e Conic. Na ocasião, o subsecretário de parcerias e concessões, Marco Antonio de Souza Bellini, garantiu que o projeto de Parceria Público Privado (PPP) dessas áreas está em fase final, após a autorização do Tribunal de Contas.


Em julho, o projeto de privatização do governador Ibaneis Rocha para a Rodoviária do Plano ganhou aval do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Assim, o governo segue com os prosseguimento ao processo de concessão, que segundo o subsecretário de parcerias e concessões será de 20 anos. Mais de 650 mil pessoas passam pela Rodovia do Plano Piloto diariamente.


Edição: Flávia Quirino
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O Blog Gama Livre recomenda, sobre privatização, você recordar do conteúdo do vídeo abaixo. Vídeo da campanha de 2018 para governador do DF.


STF suspende concurso da Polícia Militar do Distrito Federal que limita a 10% a participação de mulheres nos quadros da instituição

Sábado, 2 de setembro de 2023

Do STF
O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu concurso para praças da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) que limita a 10% a participação de mulheres nos quadros da instituição. A liminar, deferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7433, suspende a divulgação de resultados e a convocação para novas fases do concurso até análise posterior do caso.

Critério misógino

Na ação, o Partido dos Trabalhadores (PT) questiona a regra da Lei Distrital 9.713/1998, sustentando que ela estabelece critério discriminatório e misógino para o ingresso e a composição da carreira de policial militar no DF. A legenda solicitava a concessão de liminar para suspender a norma, de forma que concursos e editais para a carreira obedeçam a critérios de isonomia pretendidos na ação.

Porém, nesta sexta-feira (1º), o PT apresentou petição solicitando a suspensão do certame em curso, tendo em vista a iminência da divulgação oficial do resultado da prova objetiva e a divulgação dos candidatos habilitados para a correção da redação, prevista para a próxima segunda-feira (4).

Igualdade de gênero

Em análise preliminar do caso, o ministro verificou que o percentual de 10% reservado às mulheres parece violar o princípio da igualdade de gênero. Ele destacou que um dos objetivos fundamentais da República é a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e essa vedação se estende ao exercício e preenchimento de cargos públicos.

Ele citou também precedente do STF que trata do incentivo à participação feminina na formação do efetivo das polícias militares, "não aceitando a adoção de restrições de cunho sexista".

Notas inferiores

Por fim, Zanin observou que a nota de corte prevista inicialmente no edital teve de ser reduzida para que todas as vagas destinadas aos homens fossem preenchidas, permitindo o ingresso destes no serviço público com notas muito inferiores às inicialmente estabelecidas.



Processo relacionado: ADI 7433

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

O chororô dos super-ricos e seus sabujos

Sexta, 1º de setembro de 2023

O chororô dos super-ricos e seus sabujos


Para taxar o 0,001% dos brasileiros que acumulam centenas de bilhões em fundos e paraísos fiscais… quanta comoção! Dinheiro sai da economia e não gera empregos, só endividamento. Mas a reação quer imputar aos pequenos a culpa dos tubarões

OUTRASPALAVRAS

Publicado 01/09/2023 às 19:17

A atual discussão em torno das taxações sobre os fundos exclusivos e o dinheiro brasileiro em paraísos fiscais fora do país traz muito da história da formação do Brasil e também sobre como estamos fora de debates no resto do mundo, onde se discute como reduzir a desigualdade tendo como um dos instrumentos uma maior tributação dos mais ricos.

Na última segunda-feira (28), o governo federal publicou uma medida provisória (MP) prevendo a aplicação de alíquotas de 15% a 20% de Imposto de Renda sobre rendimentos dos fundos exclusivos, e também foi enviado um projeto de lei ao Congresso Nacional para tributar o capital de residentes brasileiros nos paraísos fiscais, com alíquotas de 0% a 22,5%.

A primeira reação veio do próprio Legislativo, já que originalmente as duas iniciativas estavam contempladas na MP do Salário Mínimo, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), forçou um acordo para retirar os dispositivos. Depois, vozes de sempre que costumam aproveitar os holofotes da mídia para denunciar “aumento de impostos” e outros lugares-comuns utilizados sempre para preservar privilégios

Primeiro, é importante saber quem seria atingido pelas mudanças. No caso dos fundos exclusivos, pertencentes a um único titular, são 2,5 mil pessoas que acumulam R$ 756,8 bilhões nestas aplicações, aproximadamente 12,3% do total dos fundos no Brasil. Mas com regras diferenciadas em relação aos outros investidores de fundos: são tributados pelo Imposto de Renda somente na hora do resgate, enquanto os demais são cobrados duas vezes por ano, no sistema come-cotas. Trata-se simplesmente de estabelecer uma isonomia de tratamento entre os grandes e os pequenos.

No caso dos paraísos fiscais, offshores e trusts, mais uma vez apenas uma parcela pequena será afetada. Rendimentos menores do que R$ 6 mil por ano não serão tributados, ganhos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil terão alíquota de 15% e acima de R$ 50 mil serão taxados em 22,5%.

Este é um problema global. Os paraísos fiscais respondem por uma perda de arrecadação global de US$ 480 bilhões por ano, ou R$ 2,340 trilhões, segundo relatório da Tax Justice Network. No Brasil, são responsáveis pela evasão de US$ 8 bilhões por ano, em torno de R$ 40 bilhões. Como destaca a Agência Brasil, para efeito de comparação este foi o orçamento do ano inteiro aprovado para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Os defensores dos super-ricos

São iniciativas pontuais importantes do ponto de vista arrecadatório e que, na prática, mexem muito pouco na estrutura regressiva do sistema tributário brasileiro, que castiga os mais pobres e é generoso com os mais ricos. Mesmo assim, a reação é grande.

Houve jornalista dizendo, sem qualquer dado, que a mudança diminuiria a base de arrecadação porque os donos do dinheiro retirariam seu dinheiro dos fundos, recursos estes que ajudariam no “desenvolvimento do país”. Alguns utilizaram como base para a afirmação um dado divulgado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), mostrando que entre janeiro e julho de 2023 teriam sido sacados R$ 71,4 bilhões em resgates líquidos dos fundos exclusivos. Um “analista” mais afoito afirmou que tal resultado era uma amostra da alegada inteligência dos endinheirados em fugir da tributação que eles já imaginavam que seria implementada.

O fato é que a Anbima corrigiu a informação (correção que, obviamente, recebeu menos destaque do que a desinformação inicial). Houve, na verdade, captação líquida positiva de R$ 13,7 bilhões entre janeiro e julho de 2023, ou seja, entrou mais dinheiro do que saiu. “Não se tratou de um erro metodológico, de captura ou de consolidação de dados. A falha ocorreu ao copiar números incorretos e encaminhá-los por engano”, disse a nota da associação.

Muitos dos defensores dos super-ricos têm interesses evidentes, com acessos e facilidades que reforçam sua “ideologia”. Mas muitos o fazem por eventuais mitos que são propagados como este de que o dinheiro depositado nos fundos fechados financiariam o desenvolvimento. Na prática, são recursos esterilizados, que pouco ou nada contribuem para a sociedade, como já ressaltou o economista e professor da PUC-SP Ladislau Dowbor, em especial no seu livro A Era do Capital Improdutivo, mas também neste artigo em que diz:

“Hoje, enriquecer os ricos não gera produção, empregos e receita para o Estado, e sim aplicações financeiras, endividamento da população, das empresas e do setor público. Quando as fortunas se tornam imensas, os gestores e proprietários recorrem à evasão fiscal e, inclusive, aos paraísos fiscais. Em geral, são suficientemente poderosos para fazê-­lo impunemente.”

Assim, cai outro argumento recorrente de que os bilionários ou grandes corporações “geram muitos empregos” e por isso mereceriam proteção. Certamente não é o dinheiro imobilizado no sistema financeiro que se transforma em trabalho. Em 2022, por exemplo, levantamento do Sebrae feito com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostra que, a cada dez postos de trabalho gerados no país, aproximadamente oito foram criados pelas micro e pequenas empresas. Transnacionais e mega-corporações, além de concentrar mercado e regular preços prejudicando consumidores, fagocitam os menores e destroem empregos.

Mudança cultural

Muitos fatores podem explicar que pessoas da classe média consigam se identificar mais com os super-ricos do que com pessoas que estariam mais próximas no estrato social. Desde uma ilusão de que poderiam viver uma espécie de “sonho americano” tropical, onde muito trabalho e dedicação trariam sucesso financeiro, como a própria estrutura histórica brasileira baseada em uma abolição ainda inconclusa que impede a mobilidade social. Além disso, a teologia da prosperidade pregada pelas igrejas neopentecostais, cada vez mais influentes e com maior alcance no país, servem para justificar a riqueza de quem está no topo. A meritocracia a serviço do status quo.

Nos Estados Unidos, a extrema-direita conseguiu se servir de um discurso que culpabilizava os mais vulneráveis pela decadência econômica da classe média, a exemplo do que fez e faz o bolsonarismo no Brasil. O triunfo de Donald Trump – aliás, um bilionário – em 2016, não teria sido possível sem vitórias em regiões fortemente afetadas pela desindustrialização. Os alvos eram os migrantes, a China e os recursos destinados à assistência social (com forte conotação racista), moldando uma política do ressentimento que fornece soluções simples para questões complexas.

Na ótica trumpista, nada de discutir aquilo que levou diversas cidades dos Estados Unidos à ruína: destruição do Estado, excessiva concentração econômica, terceirização, automação e reengenharias de empresas que precarizavam empregos. Assim preservam-se bilionários e os inimigos passam a ser aqueles que já sofrem com a dinâmica socioeconômica.

A grita contra o Bolsa-Família à época de sua criação e, de certa forma, até hoje, mostra que a direita e os extremistas brasileiros sabem também quais inimigos escolher para preservar os privilégios da casta de cima. Não à toa quase toda a elite econômico-financeira topou o projeto bolsonarista.

Reverter a desigualdade histórica que caracteriza o Brasil não é tarefa trivial, dados tantos interesses que estão arraigados fortemente por setores que detêm muito poder e contam com aliados em toda parte, além de um caldo cultural orientado pelo elitismo que os favorece. Por isso, a estratégia política da esquerda precisa contemplar a denúncia a respeito do papel predatório dos super-ricos, bilionários e das grandes corporações, incluindo explicações didáticas e acessíveis. Como já se faz em outros países, inclusive nos próprios Estados Unidos, onde o senador Bernie Sanders tem sido personagem central na luta dos trabalhadores da Amazon ao destacar o contraste entre os privilégios e lucros do fundador da corporação, Jeff Bezos, e as condições de seus funcionários. Apontar a exploração do trabalho é tarefa permanente.


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GLAUCO FARIA
Glauco Faria é jornalista, ex-editor-executivo de Brasil de Fato e Revista
Fórum, ex-âncora na Rádio Brasil Atual/TVT e ex-editor na Rede Brasil Atual.
Co-autor do livro Bernie Sanders: A Revolução Política Além do Voto (Editora

'INTOLERÁVEL' —CNDH recomenda interrupção imediata da Operação Escudo, que já matou 24 pessoas na baixada santista

Sexta, 1º de setembro de 2023

Adolescentes estão entre as vítimas da violência policial na baixada santista - Foto: Divulgação

Conselho também apresenta recomendações aos ministérios dos Direitos Humanos, Igualdade Racial e Justiça

Redação
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 01 de Setembro de 2023 às 17:31

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) recomendou a suspensão imediata da Operação Escudo, realizada pelas forças policiais de São Paulo, e que já matou 24 pessoas na região da baixada santista, litoral do estado. Para o conselho, a taxa de letalidade da operação — a que causou mais mortes no estado desde o massacre do Carandiru, em 1992 — é "intolerável".

A recomendação faz parte de uma lista de 27, apresentadas pelo CNDH ao governo paulista. A iniciativa acontece diante do acúmulo de relatos de violações aos direitos humanos na operação, iniciada no fim de julho após a morte de um agente policial das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota).

"Os relatos colhidos pelo CNDH indicam graves excessos no uso da força e execuções sumárias com disparo de armas de fogo. Um desses relatos registrou que: 'um novato da Rota foi 'batizado'. Pessoas da comunidade relataram ter ouvido um policial que seria mais experiente haver ordenado o policial mais novo atirar e executar uma das pessoas", diz trecho do documento.

Para elaboração do relatório, o CNDH se encontrou com familiares de vítimas, lideranças comunitárias e lideranças das Mães de Maio residentes na baixada santista. Além disso, representantes tiveram reuniões com o procurador-geral de Justiça do estado, Mário Sarubbo; com o defensor público-geral, Rafael Pitanga; e com o ouvidor das polícias do estado, Claudio Aparecido da Silva. Foi solicitada reunião com a Secretaria da Segurança Pública, que cancelou o encontro após tê-lo agendado.

Recomendações

MAIS VINTE ANOS DE VIDA SAUDÁVEL

Sexta, 1º de setembro de 2024


MAIS VINTE ANOS DE VIDA SAUDÁVEL

Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 1º de setembro de 2023

Não é preciso um grande esforço de análise para concluir que nos últimos 60 anos a saúde pública, no Brasil e no mundo, vivencia um processo de profunda deterioração. Existe um conjunto de doenças “novas” com crescimento acelerado (câncer, cardiovasculares, degenerativas, autoimunes, etc). A obesidade, como principal indicador visível das dificuldades referidas, assume proporções alarmantes.

Vejamos dois dados emblemáticos. Estima-se que em 2040 cerca de 650 milhões de pessoas terão diabetes no mundo. A grande maioria será portadora do tipo 2, justamente aquela adquirida em função do estilo de vida, notadamente a alimentação inadequada. Em 2000, esse número era calculado em cerca de 150 milhões de pessoas (fonte: saude.gov.br). De acordo com um estudo publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature, em 2030, aproximadamente 70% dos brasileiros estarão com excesso de peso (considerados os obesos e com sobrepeso).

É inegável que o estilo de vida moderno, influenciado e aproveitado pelas indústrias farmacêutica, alimentícia, dos planos de saúde, das redes hospitalares e correlatas, responde pela parte preponderante das mazelas crescentes em termos de saúde e bem-estar.

Faça dois exercícios simples e gaste um bocadinho de tempo refletindo sobre as conclusões. Primeiro, num despretensioso passeio pela sua cidade, conte a quantidade de farmácias (drogarias é a designação mais apropriada) avistadas em comparação com as padarias e as livrarias. Depois, numa visita ao supermercado, conte a quantidade de corredores (ou a área ocupada) reservada aos alimentos processados e aos alimentos não processados (ou naturais).

Recentemente, o professor Nuno Cobra Júnior fez uma provocação interessante: “Qual seria o impacto da covid se a população mundial tivesse um baixo índice de pessoas sedentárias, obesas, estressadas, insones, deprimidas, à beira de um ataque de nervos, e que não apresentassem diversas outras comorbidades?”.

Em 2022, lancei o livro “Saúde e bem-estar. Minhas anotações”. Não é usual alguém com formação jurídica produzir um texto nessa área. Obviamente, não tratei de procedimentos médicos, medicamentos ou coisas do gênero. As quase 280 páginas da obra, voltadas para destacar questões de alimentação, atividade física, hábitos diversos e equilíbrios espiritual, emocional e social, podem ser resumidas de forma intuitiva. Seria possível afirmar que hábitos saudáveis produzem qualidade de vida (saúde e bem-estar) consistente e duradoura.

Inúmeros estudos envolvendo uma quantidade considerável de pessoas e publicados nos principais repertórios científicos confirmam o caminho dos hábitos saudáveis, em várias vertentes, como o “segredo” de uma boa qualidade de vida, notadamente na sua última etapa (“terceira idade”).

Uma pesquisa divulgada recentemente chamou muita atenção, dentro e fora dos meios científicos, por quatro fatores singulares. Primeiro, envolveu mais de 700 mil pessoas, um número enorme e raras vezes alcançado nesses experimentos. Segundo, porque indicou a viabilidade de acréscimo, de uma forma geral, de mais 20 anos de vida saudável. Terceiro, porque concluiu que o risco de morte por qualquer causa pode ser reduzido em 13% em relação a quem não adota os comportamentos recomendados. Quarto, porque apontou uma lista sucinta de 8 hábitos a serem cultivados para o alcance daquele resultado.

O estudo foi apresentado pela pesquisadora Xuan-Mai Nguyen, do Carle Illinois College of Medicine (EUA), no último Congresso da Sociedade Americana para Nutrição. O levantamento compilou dados de 719.147 americanos com idades entre 40 a 99 anos no período de 2011 a 2019 (fonte: estadao.com.br).

Segundo os resultados do trabalho de Xuan-Mai, os oito hábitos diretamente relacionados com o ganho na longevidade saudável são: a) não fumar; b) praticar exercícios físicos; c) contar com boas relações pessoais; d) não ter episódios frequentes de abuso de álcool; e) ter boas noites de sono; f) manter uma dieta saudável; g) controlar o estresse e h) não ter vício em medicamentos opioides.

Não fumar. A relação entre o tabagismo e câncer de pulmão é amplamente conhecida. Entretanto, segundo o Ministério da Saúde, o cigarro está associado a mais de 50 doenças, como infarto, bronquite crônica, enfisema pulmonar e derrame cerebral.

Praticar exercícios físicos. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta para um mínimo de 150 minutos de atividade física por semana. Dois aspectos são especialmente relevantes: a) a aceleração dos batimentos cardíacos (caminhada “puxada”, natação e bicicleta) e b) o fortalecimento dos músculos.

Contar com boas relações pessoais. São assim consideradas as relações de amizade onde ocorre apoio recíproco e troca de experiências (convívio social efetivo).

Não abusar de álcool com frequência. Os efeitos nocivos da ingestão de bebidas alcoólicas são bem conhecidos. A rigor, a formulação “não abusar” não é a mais apropriada. Segundo as ponderações científicas mais rigorosas, não existe nenhuma quantidade segura ou saudável de consumo de álcool.

Ter boas noites de sono. Observam-se crescentes dificuldades para efetivar noites de sono satisfatórias. Os quadros de insônia são cada vez mais frequentes. Admite-se variações da quantidade de sono necessária para cada pessoa. Em geral, os adultos precisam dormir de seis a nove horas, acordando sem sinais de cansaço ou indisposição. 

Manter uma dieta saudável. A regra geral indica que os alimentos naturais (verduras, legumes, frutas, ovos, castanhas e nozes) e minimamente processados devem ser preponderantes. Já os alimentos processados e ultraprocessados devem ser evitados ou, de preferência, eliminados. É preciso especial atenção e cuidado com: a) açúcar refinado; b) sal de mesa; c) farinha de trigo e d) leite de vaca.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizou recentemente, na linha mencionada, as diretrizes referentes ao consumo de alimentos. A referida entidade reforçou as restrições ao açúcar refinado, presente em produtos processados e ultraprocessados. A orientação é que o consumo (reduzido) de carboidratos seja feito principalmente por meio de alimentos com fibras naturais (milho, feijão, grão-de-bico, lentilha, ervilha, vegetais, frutas e leguminosas). Pretende-se, com a recomendação, evitar a produção excessiva de insulina e suas consequências negativas de longo prazo. Vale o registro, também destacado pela OMS, de que as fibras são extremamente relevantes na promoção do adequado funcionamento do intestino (o “segundo cérebro”), além de outros benefícios.

Controlar o estresse. Submeter o organismo a um estado frequente ou permanente de tensão emocional provoca um deletério desequilíbrio metabólico. Nesse sentido, são indispensáveis as atividades de lazer, prática de esportes, desenvolvimento da espiritualidade e ações congêneres.

Não se tornar dependente de opioides. São os medicamentos voltados para aliviar dores crônicas. Segundo dados da Anvisa, o número de prescrições médicas de opiáceos vendidos nas farmácias brasileiras em 2009 foi de 1.601.043 e, em 2015, alcançou 9.045.945. O alerta deve ser ampliado para os remédios de uma forma geral, notadamente quanto aos usos desnecessários, excessivos e as complicadas interações medicamentosas.

Entre os hábitos não mencionados expressamente no estudo em questão, devem ser destaca dos, pela importância no processo de construção de saúde e bem-estar: a) exposição adequada à luz solar (para produção de vitamina D); b) consumo de água em quantidade apropriada; c) cuidados com a utilização de plásticos e d) adoção de técnicas de respiração e meditação.

Não custa lembrar, para concluir estas singelas linhas, uma verdade incontornável. Quem não tem tempo (e disposição) para cuidar da saúde, precisará, mais cedo ou mais tarde, investir tempo (energia e recursos financeiros) para cuidar das doenças.