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(Millôr Fernandes)

sábado, 6 de agosto de 2016

“Antes de ser médica, eu sou um ser humano”, afirma médica que sofreu racismo

Sábado, 6 de agosto de 2016
Ataques virtuais foram reação ao posicionamento de Júlia Rocha contra a atitude preconceituosa de médico

Por Júlia Dolce — da Redação de Saúde Popular

A médica e cantora Júlia Rocha foi alvo de ataques racistas nas redes sociais após ter se posicionado contra a atitude de Guilherme Capel, médico que publicou em seu Facebook, no último dia 27, a foto de uma receita médica com os dizeres “não existe peleumonia e nem raôxis”, em ironia ao vocabulário de um paciente que havia atendido.

Na postagem em sua própria página do Facebook, a médica, que ficou conhecida após participar do programa The Voice Brasil em 2015, afirmou: “Existe Peleumonia. Eu mesma já vi várias. Incrusive de febre interna qeu o termômetro num mostra. Disintiria, quebranto, mal olhado, impíngi, cobreiro, vento virado, ispinhela caída. Eu tô aqui pra mode atestá. Quem sabe o que tem é quem sente. E eu quero ouvir ocê desse jeitinho. Mode a gente se entendê. Po que pra mim foi dada a chance de conhecê as letra e os livro. Pra você, só deram chance de dizê. Pode dizê. Eu quero ouvir”.


A crítica recebeu cerca de 150 mil likes e 70 mil compartilhamentos na rede, mas entre as repercussões positivas, Júlia recebeu uma série de ameaças e retaliações racistas em seu perfil, e o próprio Facebook chegou a apagar o post da médica. Em outra publicação no seu perfil pessoal, Júlia afirmou estar em “estado de choque” com os ataques. “Eu me senti péssima. Foi uma violência muito grande e as sensações são as piores possíveis. Revolta, impotência, medo, tristeza”, contou, em entrevista para o Saúde Popular.

Na última terça-feira (2) a Rede de Médicos e Médicas Populares lançou uma nota em apoio à medica [leia aqui]. Na nota, a Rede lembra a importância de uma medicina focada na pessoa e destaca que a prática “não pode ser uma correia de transmissão do pensamento elitizado e preconceituoso contra os mais desfavorecidos e oprimidos na sociedade brasileira”.

Segundo Júlia, os médicos devem escutar e se importar com o que os pacientes dizem. “Ser bom tecnicamente é uma obrigação de qualquer médico. Saber tratar de  doenças é muito pouco para ser um bom médico de família”.

Confira a entrevista com Júlia Rocha na íntegra:

Por que você decidiu se posicionar contra a atitude do médico Guilherme Capel?
O meu posicionamento não foi uma afronta a nenhum colega. Foi uma forma leve de dar testemunho da forma como nós, Médicos de Família e Comunidade, atendemos habitualmente os nossos pacientes.

Como se sentiu com os ataques racistas que recebeu na internet? Já havia acontecido antes?
Eu me senti péssima. Foi uma violência muito grande e as sensações são as piores possíveis. Revolta, impotência, medo, tristeza. Em outubro do ano passado, foi publicada uma matéria sobre a minha prática como médica e cantora, na ocasião do dia do médico. Um leitor comentou no site do jornal que os pacientes deveriam ter cuidado pra não pegarem piolho quando fossem atendidos por mim.

Você entrou na justiça contra os ataques?
Sim. Todas as providências já estão sendo tomadas e todos os recursos serão usados para que os envolvidos sejam punidos.

Você tem recebido apoio da comunidade médica?
A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, a Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares e coletivos de estudantes de medicina negros, como o NEGREX,  emitiram nota de repúdio ao racismo e manifestaram apoio.

Como ter uma atitude mais humana e menos hierárquica com os pacientes?
Sendo gente. Antes de ser médica, eu sou um ser humano. Com fragilidades e fortalezas, com mais dúvidas do que certezas, com potencialidades e limitações. Eu amo escutar as pessoas. Eu me importo sinceramente com o que elas querem me dizer. Ser bom tecnicamente é uma obrigação de qualquer médico. Saber tratar de  doenças é muito pouco para ser um bom médico de família.