Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Partido é res publica

Segunda, 31 de maio de 2010 
Por Ivan de Carvalho
     O PT da Bahia escolheu ontem Walter Pinheiro, o mais votado deputado federal do partido em todo o país nas eleições de 2006, ex-líder da bancada do PT na Câmara federal, candidato derrotado a prefeito de Salvador em 2008 e ex-secretário do Planejamento do governo Wagner para candidato a senador.
    Em votação de resultado incerto e não sabido, porque realizada a votação em ambiente vedado à imprensa e dispensada a contagem dos votos pela direção partidária, o PT da Bahia escolheu Pinheiro e assim extinguiu a candidatura do ex-governador e ex-ministro Waldir Pires, de 84 anos, sob a principal alegação de que na conjuntura atual o partido deve formar ou consolidar novas lideranças, um entendimento sustentado pelo governador Jaques Wagner e endossado pela quase totalidade da executiva estadual do partido.
    Abrindo um parêntesis. Konrad Adenauer foi o primeiro chanceler da República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental) e a governou durante 14 anos, até 1963, quando tinha 87 anos. Foi, durante todo seu período de governo, um dos principais líderes mundiais responsáveis pela barreira erguida na Europa contra o avanço do império totalitário da União Soviética. Um dos políticos mais eficientes do mundo no século XX.
    Voltando ao PT, a escolha de Pinheiro e a exclusão de Waldir eram esperadas, devido ao amálgama de forças que se formou, sob evidente estímulo do governador (surpreendeu não comparecendo ao evento), o que certamente determinou a atuação da direção partidária na mesma direção e mesmo a adesão à candidatura de Pinheiro de muitas lideranças que estiveram antes apoiando Waldir Pires e mesmo várias das que tiveram a iniciativa de lançar seu nome. Faltou firmeza ou sobraram interesses pessoais ou de grupos. Durante o processo, Waldir pedira “neutralidade” ao governador, mas seria uma fantasia dizer que foi atendido.
    Uma questão estranha a registrar é o fato de ter sido proibida a presença dos jornalistas no encontro petista, criado para substituir a eleição prévia proposta pelos waldiristas e rejeitada pela direção partidária. A imprensa não teve acesso aos discursos e ao “clima” do encontro. Até as informações sobre a forma de votação foram inicialmente desencontradas, esclarecendo-se, depois, que foi feita pela modalidade de “levantamento de crachás”, que não foram contados porque, em evidente maioria, os crachás dos 350 presentes não votaram em Waldir.
Impressiona que o presidente do partido, Jonas Paulo, haja justificado o caráter secreto do encontro como “uma praxe do PT” e comparado a situação à de “uma empresa que faz uma reunião” para decidir assuntos de seu interesse. Ora, empresa é ente de direito privado. Partido, no Brasil, é ente de direito público e, se busca os votos e a confiança do eleitor, não deve estar escondendo dele as decisões, sobretudo quando elas são importantes e miram o eleitorado, caso das candidaturas. Partido político é “res publica”, coisa pública, república. Espera-se que seja republicano, apesar das praxes.
Em tempo. Waldir disse ao governador, na sexta-feira, considerar essencial que houvesse a disputa no encontro para que os delegados tomassem posição. E ontem o ex-governador completou, falando ao blog Política Livre: “Não faria bem ao PT não realizar este momento hoje. Seria uma repetição de coisas do passado que eu não quero ver repetidas”, disse Waldir.
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Este artigo foi publicado na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.