Sábado, 17 de setembro de 2011
Da Agência Senado
O Sistema Único de Saúde (SUS) completa 21 anos neste mês de setembro e será tema de homenagem por parte do Senado nesta segunda-feira.
As suas raízes, no entanto, remetem aos anos 70. A chamada Reforma
Sanitária ocorrida naquela década envolveu profissionais, universidades e
o movimento sindical, na certeza de que era preciso mudar radicalmente o
sistema vigente.
Até então, explica Sólon Magalhães Vianna, existia uma espécie de apartheid
em que quem podia pagar tinha acesso pleno ao atendimento médico; havia
os que estavam assistidos pelo Instituto Nacional de Assistência Médica
da Previdência Social (Inamps), no caso dos segurados. Quem não tivesse
dinheiro e não estivesse segurado pela Previdência Social, ficava à
mercê das instituições de caridade ou da ajuda de terceiros.
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O objetivo central da reforma era eliminar isso e criar um sistema que
fosse universal - disse o especialista em saúde pública, que participou
da Comissão Nacional da Reforma Sanitária.
O
movimento se consolidou na 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada
em 1986, a primeira do regime democrático. Com a participação de mais de
cinco mil representantes de todos os segmentos da sociedade civil,
foram estabelecidas ali as diretrizes do que seria um sistema único de
saúde: universalidade, integralidade, descentralização e direção única
do sistema de saúde pública em cada nível de governo.
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Antes do SUS, havia um caos organizacional. Para caricaturar um pouco, a
prefeitura abria um posto numa rua, o estado abria outro em frente. Não
havia a menor coordenação, era um antissistema - diz Sólon, um dos
relatores da 8ª Conferência.
As diretrizes da
8ª Conferência orientaram a redação do capítulo da Saúde na Constituição
de 1988. Dois anos mais tarde, a Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de
1990, marcou o início das atividades do SUS.
"Patrimônio dos brasileiros"
Após
mais de duas décadas, o balanço positivo da construção de um sistema
público, de cobertura universal que ampliou consideravelmente o acesso a
ações e serviços de saúde é indiscutível. A opinião é do médico
especialista em Saúde Pública e em Direito Sanitário e consultor
legislativo do Senado Federal Luiz Carlos Romero.
O
médico patologista e também consultor legislativo Sebastião Moreira
Júnior observou que um erro muito comum, fomentado pelos meios de
comunicação, é confundir o SUS com a assistência médica de emergência,
ou vê-lo como um plano de saúde dos pobres.
De
acordo com a Constituição, as ações de saúde no âmbito do SUS englobam
muito mais que isso. Vão da fiscalização de medicamentos e alimentos, às
ações de vigilância sanitária e epidemiológica, passando pelo
saneamento básico, pela pesquisa, proteção do meio ambiente etc.
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O SUS é uma das mais importantes políticas de garantias sociais já
implantadas no mundo. É um patrimônio dos brasileiros, que precisa ser
defendido. E tem mostrado resultados muito importantes - afirmou Luiz
Carlos Romero.
Entre esses resultados, ele
apontou o controle das doenças em geral - a poliomielite, o sarampo e a
rubéola foram erradicados. Além disso, o Brasil vem chamando a atenção
do mundo com seu programa de controle da AIDS, como motivou recente
série de reportagens da revista especializada The Lancet.
De
acordo com a publicação, "Hoje em dia, o Brasil é reconhecido como um
modelo para a redução da epidemia do HIV graças à sua política de acesso
universal ao tratamento gratuito com medicamentos antirretrovirais".
Os
transplantes de órgãos, assim como outros procedimentos de alta
complexidade, também são, em sua maioria, realizados pelo Estado no
Brasil. É o caso das cirurgias cardíacas e oncológicas e das sessões de
hemodiálise.
- Cerca de 90% dos transplantes de
órgãos realizados no país são pagos pelo SUS. Temos um dos maiores
programas públicos de transplantes do mundo - disse Luiz Carlos Romero.
De
acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) em fevereiro de 2011, 80% dos usuários do Programa de
Saúde da Família, 70% dos pacientes que receberam assistência
farmacêutica e metade dos que procuraram assistência médica eletiva no
SUS avaliam o atendimento como bom ou muito bom.
Desafios
Ao
completar 21 anos, o SUS enfrenta, porém, o desafio de fazer frente a
uma demanda que não para de crescer com orçamento apertado e problemas
de gestão. Nesse mês de setembro, caberá ao Congresso Nacional dar a
palavra final sobre o percentual da arrecadação de cada um dos entes
federados que deverá ser destinado à Saúde.
De
acordo com o consultor legislativo Luiz Carlos Romero, a grande questão
do debate sobre a regulamentação da Emenda Constitucional 29/2000 é a
ampliação das contribuições da União para o financiamento do sistema.
-
O que está acontecendo é que a União tem retraído sua participação no
financiamento do Sistema Único de Saúde. Na formação do SUS, na década
de 90, a União contribuía com 75%, 80% de todos os recursos que o faziam
girar. Hoje, contribui com menos de 50%. A grande maioria dos recursos
do SUS vem de estados e municípios - disse.
De
acordo com o consultor Sebastião Moreira Júnior, para dar conta da
demanda, seria necessário, pelo menos, dobrar o que se investe em saúde
hoje.
- A falta de recursos no atendimento faz
com que seja necessário retirar investimentos de outras áreas, como a
prevenção. O resultado não aparece num primeiro momento, mas depois vem a
consequência, com o aumento dos casos de doença. E aí isso vira uma
bola de neve difícil de resolver - disse.
Mas a
falta de recursos não é a única deficiência do SUS. Entre falta de
pessoal capacitado, terceirização de serviços e crescentes ameaças à
universalização, a chamada "dupla porta" no atendimento tem preocupado
os defensores do sistema.
A "dupla porta"
acontece especialmente em hospitais privados que atendem pelo Sistema
Único de Saúde, quando se dá preferência a clientes de planos de saúde
privados.
- Isso é complicado em termos da igualdade no acesso, que é um dos princípios do SUS - disse Sólon Magalhães Vianna.
Para
ele, no entanto, existe um falso dilema, que se propaga por sucessivos
governos, segundo o qual só se poderá investir na saúde quando os
recursos forem mais bem administrados.
- Pouco
adianta botar mais recursos sem melhorias de gestão efetivas, mas também
não é possível em nenhum país do mundo prover serviços universais de
qualidade para todos com o nível de financiamento que o SUS tem - disse.
Raíssa Abreu / Agência Senado