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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Inquérito do mensalão do DEM entra em fase final

Segunda, 26 de setembro de 2011
Da Agência Brasil
Débora Zampier - Repórter
 
Ao completar dois anos de tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Inquérito nº 650, que investiga o esquema de pagamento de propina no governo do Distrito Federal (DF), ainda não indicou a responsabilidade de cada um dos envolvidos no processo. Investigada pela Operação Caixa de Pandora e conhecida como mensalão do DEM, a ação ilegal resultou na prisão do então governador do DF, José Roberto Arruda.
 
De acordo com a subprocuradora-geral responsável pelo caso, Raquel Dodge, o Ministério Público Federal (MPF) estava preocupado em complementar as provas com perícias para não haver surpresas no futuro. A chegada de dados importantes na semana passada deu início à fase final do processo, que é a análise das provas para a atribuição de culpa aos envolvidos.
 
“É bom quando você chega ao final da investigação e vê que não foi em vão. As perícias feitas e todos os documentos colhidos mostram um sistema de corrupção que estava em pleno funcionamento e que envolvia pessoas importantes do governo do DF. Agora temos que definir a participação de cada um nisso”, afirmou, em entrevista exclusiva à Agência Brasil.
 
A expectativa é que o texto esteja pronto até o final deste ano, mas ela prefere não dar um prazo para que isso ocorra. A subprocuradora mudou a rotina para se dedicar integralmente ao caso a partir de agora e lembra que o processo principal já tem cerca de 40 mil páginas, fora os apensos e os avulsos.
 
Na semana passada, a Polícia Federal encaminhou ao Ministério Público Federal o resultado de duas diligências que, segundo Raquel Dodge, eram fundamentais para a conclusão da investigação. Um dos documentos é uma perícia em uma gravação para garantir sua veracidade. Essa análise havia sido requisitada no início do ano, mas só chegou ao MPF na última terça-feira (20). De acordo com a procuradora, “essa é uma das provas mais relevantes neste inquérito”.
 
O MPF também recebeu vários cheques que haviam sido apreendidos pela Polícia Federal durante a Operação Caixa de Pandora na residência e em empresas de investigados. Para a procuradora, a burocracia de alguns órgãos para fornecer documentos importantes e a própria cautela do MP para que as provas não fossem refutadas posteriormente colaboraram para a demora no andamento do caso.
 
“Conseguimos a reunião dessas provas e agora elas estão sendo encaminhadas para um afunilamento do trabalho do MP, mais concentrado no exame do conjunto das provas e da coerência delas entre si, para saber a quem imputar o crime. Claro que ao longo do período a gente vai formando uma convicção, e a fase atual é de finalização”, explica Dodge.
 
Após o oferecimento da denúncia pelo MPF, os ministros do STJ analisarão se aceitam abrir ação penal contra os acusados. Caso isso ocorra, eles responderão ao processo na condição de réus.
 
Para procuradora, provas do mensalão do DEM não correm risco de serem anuladas
Débora Zampier
Repórter da Agência Brasil
 
A procuradora responsável por acusar os envolvidos no esquema de corrupção no governo do Distrito Federal (DF), Raquel Dodge, garante que os dois anos de investigação, liderados pelo Ministério Público, não correram em vão. De acordo com Dodge, eles serviram para firmar a convicção que, de fato, havia um esquema de pagamento de propina instalado no DF, conhecido como mensalão do DEM e revelado pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal. Agora, a procuradora corre contra o tempo para provar como isso ocorreu.
 
Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Raquel Dodge diz que espera oferecer a denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) até o final do ano e afirma que não há risco de as provas serem anuladas, como vem ocorrendo em diversas operações da Polícia Federal, analisadas pela corte. De acordo com a procuradora, o rigor para garantir a legalidade das provas, foi, inclusive, um dos motivos da demora nas investigações.
 
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
 
Agência Brasil - Por que o Ministério Público está demorando tanto para oferecer a denúncia sobre o caso do mensalão do DEM?
 
Raquel Dodge - As provas ainda estavam sendo reunidas, avaliadas e periciadas para complementar o convencimento do Ministério Público Federal (MPF) a respeito dos fatos, que são complexos e envolvem uma série de pessoas. Ao longo deste ano e do ano passado, pedi diligências complementares em aspectos que a prova precisava ser mais bem esclarecida antes do oferecimento da denúncia. Foram solicitados de diferentes lugares, entre eles, o próprio GDF [Governo do Distrito Federal], contratos com empresas, pagamentos feitos, cheques que o Banco de Brasília pagou. Há uma morosidade de alguns órgãos para encaminhar alguns documentos. Esses contratos que materializam o vínculo jurídico entre empresas e o GDF, por exemplo, passamos a ter acesso [a eles] a partir deste ano, quando o secretário de Transparência [Carlos Higino, do governo do DF] nos atendeu com mais prontidão.
 
ABr - Depois de o STJ ter anulado tantas provas obtidas em operações da Polícia Federal, há algum receio de que o mesmo ocorra neste caso?
 
Raquel - Esse inquérito difere dos precedentes porque não houve interceptação telefônica. Em algumas operações, que o STJ anulou recentemente, grande parte da convicção a respeito da ilicitude dos fatos decorreu de conversas telefônicas interceptadas. Já a interceptação de dados telefônicos – não de conversas – foi feita por meio judicial. A [quebra de sigilo] fiscal também foi feita pelo tribunal, assim com os pedidos de busca e apreensão. O que eu achei foi que, diante de nulidade que já tinha ocorrido na Castelo de Areia [operação, desencadeada em 2009 pela Polícia Federal, para investigar crimes financeiros envolvendo executivos da construtora Camargo Corrêa], era o caso de adotar uma estratégia diferente, assoberbando o tribunal com pedidos de autorização judicial.
 
ABr - Esse cuidado pode ter influenciado a demora para o oferecimento da denúncia?
 
Raquel - Isso acaba fazendo com que haja demora em detrimento de uma celeridade, mas porque a lei exige essa cautela. Embora a lei autorize a quebra e outras medidas, o tribunal está entendendo que não. Preferi não correr esse risco. Preferi não brigar com essa interpretação nessa fase.
 
ABr - Depois de todo esse tempo, foram confirmadas suspeitas que surgiram no início do inquérito?
 
Raquel - Há grande coerência em todos os fatos. As provas não são contraditórias entre si, como ocorre em muitas operações. Elas também chegam revestidas de todo o rigor. Quando eu vou examinar um vídeo, eu peço à pericia que faça a identificação de autenticidade, da idoneidade da prova, para não ficar baseada em algum tipo de interpretação. A jurisprudência brasileira indica que, em caso de dúvida, [a Justiça] tem que absolver, para que a acusação tenha firmeza em relação ao que ela imputa a alguém. Qualquer pessoa quer ser tratada assim.
 
ABr - A demora para o oferecimento da denúncia abre brechas para a prescrição das punições?
 
Raquel - Estamos muito bem. A prescrição tem mais possibilidade de ocorrer quando a pena é pequena, e quando é um crime só. Mas estamos diante de um caso em que há multiplicidade de conduta criminosa, e que a previsão da pena permite a tranquilidade no nosso trabalho. Alguns [envolvidos] integram uma parte mais de liderança, outros estão mais na linha de executores, outros são coniventes e beneficiários. Cada grupo é composto de mais de cinco pessoas.
 
ABr - Em quanto tempo a denúncia deve ser apresentada?
 
Raquel - Espero ser capaz de finalizar a redação no mais breve tempo possível. Darei prioridade absoluta a esse caso. Talvez antes do final do ano. É assim que eu espero. É muito difícil processar crimes de colarinho branco no Brasil, são crimes sofisticados, cuja materialidade é difícil de ser exposta com clareza, com concatenação das evidências. As pessoas que praticam esses crimes procuram dissimular essas condutas, dando aparência de legalidade.
 
ABr - Como é lidar com a pressão para que o MP ofereça logo a denúncia?
 
Raquel - É muito saudável que todo mundo esteja acompanhando e atento. A população tem acordado e está exigindo que as instituições funcionem para evitar que o patrimônio público seja dilapidado para satisfazer interesses ilícitos. Acho muito saudável esse movimento.
 
Após dois anos, envolvidos no mensalão do DEM vivem consequências das denúncias
Débora Zampier
Repórter da Agência Brasil
 
Depois de dois anos, o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, seu vice Paulo Octávio e o delator do esquema, Durval Barbosa, ainda sofrem as consequências do episódio conhecido como mensalão do DEM e que derrubou o governo do Distrito Federal, em 2009.
 
O ex-secretário de Relações Institucionais do DF, Durval Barbosa, que revelou o sistema de pagamento de propina, quase não sai às ruas e vive cercado por seguranças durante 24 horas, por estar incluído no programa de proteção a testemunhas. “Esse é um preço que ele paga por ter ajudado no desmantelamento da quadrilha que atuava no governo”, afirma a advogada de Barbosa, Margareth Almeida.
 
Sobre se seu cliente já sofreu ameaças nesses dois anos, ela se limita a dizer que “possivelmente sim”. A advogada prefere não confirmar se Durval continua morando em Brasília, mas lembra que ele tem vínculos com a cidade. “Meu cliente nunca teve a intenção de sair de Brasília, aqui ele colabora sempre que chamado pela Justiça, e sua família está aqui.”
 
José Roberto Arruda foi forçado a deixar o cenário político. Após se recuperar do episódio da violação do sigilo do painel de votações do Senado em 2001, Arruda foi eleito governador em 2007, em primeiro turno.
No meio de seu mandato, ele foi surpreendido com a divulgação de um vídeo em que recebe dinheiro de Barbosa. Arruda deixou o DEM no fim de 2009, quando o partido cogitava sua expulsão após as revelações da Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal. Continuou no governo do DF até fevereiro do ano seguinte, quando foi preso.
 
Segundo o advogado de Arruda, Nélio Machado, ele tem hoje uma vida discreta. “Ele está afastado e aguardando para refazer a vida. Já foi punido, perdeu o mandato e foi submetido à prisão em parâmetros fora da legalidade. Teve que reclamar no Ministério da Justiça, pois ficava com luz acesa durante a noite, e teve problema cardiológico”, lembrou Machado, acrescentando que seu cliente não tem pretensões políticas atualmente.
 
A Caixa de Pandora também interferiu na carreira pública do ex-vice-governador Paulo Octávio. Assim como Arruda, o empresário é acusado de receber propina de empresas que tinham contrato com o governo do Distrito Federal. Ele assumiu o governo com a saída de Arruda e deixou o cargo dias depois, pressionado pelo DEM e pela ameaça de intervenção federal no DF.
 
Paulo Octávio se afastou da vida política e agora se dedica exclusivamente às suas empresas. “Você imagina o que aconteceu com o Paulo, que é um empresário que tem milhares de empregados, família e se viu envolvido em tudo isso, para depois concluir que não há nada contra ele. É extremamente frustrante”, observa seu advogado, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
 
A Operação Caixa de Pandora também derrubou a carreira de Leonardo Bandarra, ex-chefe do Ministério Público do DF, e da promotora Deborah Guerner, acusados de cobrar propina para vazar dados sigilosos. Enquanto passavam por um processo de afastamento no Conselho Nacional do Ministério Público, eles se tornaram réus em ações penais que correm na Justiça Federal.
 
Mensalão do DEM: advogados acreditam que demora do MP tem relação com falta de provas
Débora Zampier
Repórter da Agência Brasil
A demora no oferecimento da denúncia do mensalão do DEM, segundo os advogados dos envolvidos, serve para mostrar que o Ministério Público Federal não têm provas contra seus clientes. Eles temem que o MP assuma uma postura “denuncista” apenas para respaldar as acusações que surgiram no início do inquérito, que completou dois anos de tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sábado (24).
 
Para Nélio Machado, advogado do ex-governador José Roberto Arruda, o caso é inconsistente e não há provas contra seu cliente. “Quem sabe não foi por isso que até hoje não teve denúncia. Houve uma prisão desnecessária, abusiva e ilegal e tinha que ter prova. Se vier agora, está atrasada um ano e oito meses”, afirma o advogado. Arruda foi preso em 2010, sob acusações de tentativa de suborno de testemunhas.
 
Para Machado, o MP não tem que fazer denúncia a qualquer preço, apenas para confirmar o início atribulado das investigações. “É possível que o MP tenha a grandeza e a sensibilidade de não fazer acusação por fazer. Louvo a demora neste momento. É melhor que se reserve cuidado, do que fazer [a denúncia] pelo açodamento”.
 
O trabalho do Ministério Público também é visto com desconfiança pelo advogado do ex-governador Paulo Octávio, Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay. Ele afirma que a Polícia Federal não encontrou qualquer indício contra seu cliente, e que não há por que o Ministério Público acusá-lo na denúncia que chegará ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
 
“Acho que o Ministério Público agiu de forma tão leviana e irresponsável durante dois anos, em que não concluiu nada, que não terá dignidade de pedir a absolvição. Pode ser que denuncie só para justificar o gravame que ele já fez em relação a algumas pessoas, inclusive ao Paulo Octávio”, afirma Kakay. Ele defende ainda que uma investigação longa também já é uma forma de condenação, e que a sociedade tem direito de ter respostas para perguntas não esclarecidas.
 
A advogada do ex-secretário de Relações Institucionais do DF, Durval Barbosa, Margareth Almeida, afirma que seu cliente, delator do esquema, não está frustrado com a demora no encaminhamento da denúncia. “A gente sabe que devido às condições das pessoas envolvidas, o Estado dificilmente conseguiria alcançar todos os fatos que ele relatou sem a delação, e sempre com provas. É natural que, após esse momento, haja investigação para se buscar mais, para o Estado estar mais seguro.”
 
Apesar de os termos do acordo de delação serem sigilosos, a advogada afirma que seu cliente está confiante na absolvição. “Não existe outra alternativa, senão o perdão judicial”, prevê.