Terça, 13 de novembro de 2012
Por Ivan de
Carvalho

Mas
concordei quando Sarney, na presidência do Senado, criticou as arbitrariedades
do presidente-ditador da Venezuela, Hugo Chávez, contra a imprensa
(confiscando, à força, na ocasião, a principal rede de televisão do país) e,
por isto, criou dificuldades para o Senado brasileiro aprovar o ingresso da
Venezuela no Mercosul, o que só aconteceu bem mais tarde.
Agora,
concordo com José Sarney, o imortal – ele mesmo contou, numa reunião em que
estava a presidente Dilma, no Palácio da Alvorada, uma piada segundo a qual,
quando Hebe Camargo chegou ao céu, São Pedro a cumprimentou: “Olá, pode entrar,
mas o Sarney, não vem nunca?”. É, os imortais tem certas prerrogativas.
Mas,
voltando ao caso, concordo por sua declaração de ontem, de que deve-se à “falta
do que fazer” o pedido de procurador da República no Estado de São Paulo para
que o Judiciário determine, liminarmente, a retirada da expressão “Deus seja
louvado” das cédulas de dinheiro. O pedido é de que no prazo de 120 dias as
cédulas passem a ser impressas sem a expressão, nelas introduzida em 1986,
quando Sarney era o presidente da República. Sarney acrescentou que tem “pena”
dos ateus.
Sinceramente,
não sei se Deus está muito à vontade com essa referência a Ele no dinheiro, à
moda norte-americana, onde o dólar traz a inscrição In God we trust (Em Deus nós confiamos). Lá, uma pesquisa Gallup
mostrou que 90 por cento dos americanos gostam da referência a Deus nas
cédulas.
Há
alguns meses, o então presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, defendeu a retirada
do crucifixo que está numa parede do salão em que se reúne o plenário do
Supremo Tribunal Federal. Os argumentos básicos, tanto naquela ocasião quanto
agora, são de que a Constituição estabelece que o Estado brasileiro é laico e
que falar em Deus é discriminar “outras” religiões.
Ora,
o Estado brasileiro é laico, mas não é ativista ateu. E a Constituição foi
promulgada, segundo reza – reza é bem apropriado – o seu preâmbulo, “sob a
proteção de Deus”. Então, se os constituintes invocaram a “proteção de Deus”
para a Constituição, para todo o sistema que dela flui também está
automaticamente invocada essa proteção. Se o crucifixo no Supremo é inconstitucional,
a própria Constituição é também inconstitucional – só falta do que fazer não é
inconstitucional.
Além
disso, tenho a impressão de que esse pessoal que quer atropelar tradições e
expulsar Deus de tantas lugares não tem visão periférica. Pois, se olhar para o
mundo, verá que na Inglaterra, um país laico, a rainha é a chefe da Igreja
Anglicana. A liberdade religiosa na Suécia é total, mas lá há uma igreja
oficial, a Luterana Sueca. A bandeira de nove países europeus com liberdade
religiosa plena exibem a cruz.
No
Brasil, seria muito complicado. Não basta tirar o crucifixo do STF (e de tantos
outros lugares públicos) e o “Deus seja louvado” do dinheiro. Teriam de mudar a
história do Brasil para tirar a Ilha de Vera Cruz e a Terra de Santa Cruz, bem
como mudar nomes de vários Estados (Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina,
e de capitais como Salvador, Belém, São Paulo, São Sebastião do Rio de Janeiro,
Natal, São Luís, além de uma infinidade de outras cidades, a começar aqui
pertinho em Feira de Santana. Claro que o Cristo Redentor seria intimado para
sair do Corcovado).
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Este artigo foi publicado originariamente na
Tribuna da Bahia.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.