Segunda, 12 de novembro de 2012
Por Ivan de Carvalho

Para
os ocidentais, ainda era um conflito lá no fim do mundo. Mas então soldados
foram acrescidos aos assessores e monges budistas começaram a jogar gasolina nas
próprias vestes e neles mesmos dentro delas, após o que ateavam fogo, criando
fogueiras em praça pública. Isto acontecia principalmente em Saigon, capital do
Vietnam do Sul e, apesar de ser autoritário o regime do país, não era
totalitário e a imprensa estrangeira tinha liberdade para a cobertura local. As
tochas humanas passaram a aparecer na televisão e nas fotografias publicadas em
jornais e revistas do mundo inteiro.
Daí
em diante, a luta armada só fez ampliar-se – com o progressivo envio de um
contingente que chegou a 500 mil soldados americanos e o ingresso no conflito
do exército do Vietnam do Norte – até a derrota final americana (mal disfarçada
por um acordo em que o inimigo levava todos os bônus) e a queda de Saigon e do
Vietnam do Sul.
Analistas
militares e políticos estão de acordo que, além da configuração geográfica e do
terreno desfavoráveis, o outro grande fator que levou à primeira e até hoje
única derrota norte-americana em conflitos bélicos foi a cada vez mais ampla e
intensa oposição de opinião pública americana ao conflito. Os EUA, pagando o
preço de serem uma democracia, perderam a guerra internamente, na opinião
pública de seu país, antes de a perderem no campo de batalha.
Na
China, naquela época como hoje, as condições são diferentes. Porque a China não
tem uma democracia, mas seu oposto, um regime totalitário. Assim, as tochas
humanas em que nos últimos dias vêm se transformado monges tibetanos, que
defendem a libertação do Tibet, brilham muito menos que as que brilharam em
Saigon.
Desde que, na quinta-feira,
começou o 18º Congresso do Partido Comunista Chinês, pelo menos sete monges – o
último, com apenas 18 anos – praticaram a autoimolação pelo fogo. Com isso eles
querem mandar ao novo comando do PCC e da China (o presidente Hu Jintao passa a
presidência a Xi Jinping) a mensagem de que devem resolver o problema do Tibet,
anexado à força.
Desde março de 2011, foram
registrados 70 casos de autoimolações pelo fogo, a maioria envolvendo monges
budistas. Apesar de acusado pelo governo chinês de estimular os sacrifícios, o
Dalai Lama, exilado na Índia, já se declarou, não de agora, oposto a atos extremos
contrários ao caráter sagrado da vida.
A realização do 18º Congresso do PCC exacerbou as
“medidas de segurança”. Em Pequim, os táxis têm de transitar com as janelas
fechadas para evitar que algum passageiro lance panfletos nas ruas. A Internet,
especialmente o Google, ficou praticamente inacessível. O governo não quer que
os chineses saibam sobre as disputas no PCC e o enriquecimento bilionário, por
corrupção, da família de Xiabao, importante liderança do PCC que há pouco tempo
caiu em desgraça. Isso daria uma idéia da amplitude da corrupção no sistema,
como no Ocidente mostrou, detalhadamente, reportagem do The New York Times sobre o caso Xiabao.
Ah, o governo teme uma autoimolação no centro de
Pequim, porque teria a visibilidade que as do Tibet não têm – especialmente
para as câmeras. Extintores de incêndio foram levados para a Praça da Paz
Celestial, apesar de, por causa da vigilância extrema, ser muito difícil que um
tibetano possa ter acesso à praça. Quanto aos dissidentes, mesmo os “tolerados”,
foram proibidos de dar entrevistas e muitos removidos para longe da capital.
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Este
artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de
Carvalho é jornalista baiano.