Terça, 2 de julho de 2016
Da Agência Brasil
O número de casos de mortes resultantes de ações policiais
cresceu 100% entre abril e junho de 2016 no Rio de Janeiro, na
comparação com o mesmo período de 2015. A informação é da assessora de
Direitos Humanos da Anistia Internacional, Renata Neder. Segundo ela,
este já é um padrão quando se aproximam eventos de grande porte na
cidade.
De acordo com dados da Anistia, até
maio 151 pessoas foram assassinadas por agentes públicos de segurança
na cidade do Rio de Janeiro, 40 somente em maio – 135% a mais que no
mesmo mês de 2015.
Em 2007, ano de realização dos
Jogos Pan-Americanos, o número de óbitos cresceu 30% se comparado a
2006. Em 2014, quando foi realizada a Copa do Mundo, a quantidade de
casos aumentou em 40%, tendo como parâmetro o ano anterior. Os dados
foram apresentados durante coletiva realizada para expor o uso excessivo
de poder dos militares em alguns casos, entre eles as remoções de
moradores da Vila Autódromo para os Jogos Rio 2016.
"Infelizmente,
temos notando um padrão de casos sempre que esses eventos se aproximam.
O Rio de Janeiro teve uma série de oportunidades de sediar eventos de
grande porte, mas não soube aproveitá-lo da melhor maneira. Diversas
pessoas morreram em virtude disso. Não custa lembrar da chacina do Pan,
em 2007, quando 19 pessoas morreram na comunidade do Alemão. Não
precisamos ir muito longe. Recentemente, estamos observando essas
remoções da Vila Autódromo. Infelizmente, nossa polícia é uma
organização que tem um histórico pesado de uso abusivo de poder. Pelo
que mostram os dados, não aprendeu com erros anteriores", disse Renata.
Aplicativo
No
início de julho, a Anistia Internacional lançou um aplicativo que
mapeava regiões da cidade com relatos de fogo cruzado em determinados
momentos. Chamado de Fogo Cruzado, o aplicativo, segundo afirmou Renata,
registrou, em um mês de uso, 756 notificações de confronto armado por
toda a cidade. Mais de 30 mil pessoas baixaram o programa para seus
dispositivos móveis.
"Quando lançamos esse aplicativo, buscávamos
ajudar os cidadãos e também ter uma noção de como estava a cidade. É
notório que o Rio de Janeiro tem muitos problemas na segurança pública,
mas esses 756 relatos de tiroteio são impressionante. Ilustra bem como a
cidade falhou imensamente no legado de segurança que a Olimpíada
prometia. Como se sentir seguro em um lugar assim?" O Complexo do
Alemão, na zona norte do Rio, foi o local com maior número de
ocorrências.
Solidariedade
Vitor
Santiago, morador da comunidade da Maré, também na zona norte da cidade,
ficou paraplégico ao ser atingido por disparos feitos pelo Exército em
uma operação de segurança durante a Copa do Mundo de 2014. Segundo ele, o
Estado em nenhum momento prestou solidariedade ao seu caso. Santiago
foi mais um a classificar a segurança do Rio de Janeiro como falha e
racista.
Santiago lembrou que chegou ao hospital com 7% de chance de sobreviver e que ficou internado durante 98 dias.
"Graças
a Deus estou vivo, mas com marcas desse absurdo. Fiquei paraplégico e
tive de amputar uma perna. Tudo que tive de custear durante esse tempo,
seja minha cadeira de rodas ou até mesmo os exames mais corriqueiros,
saiu do meu bolso ou de doações. O Estado não me deu sequer um curativo.
Hoje, sou pai de uma menina de 4 anos, mas não posso atender às
expectativas e pedidos de minha filha graças à polícia que mata, fere e
atinge jovens pobres e negros".
Vila Autódromo
Para Naomy
Oliveira, 14 anos, que vivia na Vila Autódromo, comunidade pobre que
sofreu diversas remoções por conta dos jogos, o evento é importante, mas
as atitudes da prefeitura durante esse tempo foram classificadas como
erradas e irregulares.
"Pretendo ser atleta um dia. Um evento
como esse na cidade é muito legal, mas isso não dá ao prefeito Eduardo
Paes o direito de fazer o que fez. Uma postura totalmente errada e
irregular com os moradores da Vila. Me lembro que tinha viajado para
passar o carnaval em Cabo Frio. Quando voltei, não tinha mais minha
casa. Tinham colocado tudo que era nosso em um depósito. Um tratamento
digno de animal", lamentou.
Preeitura
Por
meio de nota, a prefeitura informou que, para realização das obras de
construção da via de acesso e recuperação ambiental da faixa marginal da
Lagoa, 275 famílias teriam de deixar suas casas na Vila Autódromo.
Para
todas essas famílias foram oferecidas opções de apartamentos do
Condomínio Parque Carioca ou indenização. Essas opções formam escolhidas
por 268 famílias. Na grande maioria dos casos, os moradores saíram de
construções irregulares, em condições insalubres, para apartamentos do
Parque Carioca. As demais 549 famílias não precisariam sair da
comunidade.
De acordo com a nota, 531 famílias
solicitaram à prefeitura reassentamento ou indenizações. Os moradores
fizeram inclusive abaixo-assinados pedindo a inclusão no cadastro
municipal.
Urbanização
A nota informou
ainda que as 20 famílias remanescentes da Vila Autódromo serão
beneficiadas com a urbanização da comunidade, projeto que inclui a
construção de casas de dois quartos com quintal, redes de drenagem,
esgoto, iluminação, pavimentação da Rua Nelson Piquet e paisagismo da
área.
A prefeitura vai construir duas escolas e área de lazer na
região. As escolas serão erguidas com a estrutura da Arena do Futuro,
que receberá os jogos de handebol. Após a Olimpíada, a arena será
desmontada e reaproveitada. Todo o processo de construção das casas foi
resultado de um Termo de Acordo Administrativo, assinado entre a
prefeitura do Rio e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.