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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Um fiasco olímpico

Quinta, 4 de maio de 2017
Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
por Rogério Pacheco Jordão | 4 de maio de 2017

Analisamos as 328 páginas da denúncia contra os supostos terroristas que ameaçavam a Olimpíada do Rio. Suspeitas de infiltrações, denúncia anônima e espetáculo marcaram uma ação montada para desbaratar um atentado que não ia acontecer

“Dez suspeitos de terrorismo na cadeia.” A frase de abertura do Jornal Nacional, da TV Globo, o de maior audiência no país, no dia 21 de julho de 2016, duas semanas antes da abertura da Olimpíada do Rio, apresentou aos telespectadores a fase ostensiva da Operação Hashtag, da Polícia Federal (PF). Naquela quinta-feira, dez suspeitos de “planejar ataques durante a Olimpíada” haviam sido presos em dez estados brasileiros, segundo o telejornal. A notícia ocupou 14 minutos do noticiário, com imagens de suspeitos algemados sendo transferidos para o presídio de segurança máxima de Campo Grande (MS), entremeadas por diversas intervenções do então ministro da Justiça Alexandre de Moraes, cuja fala dominou a edição do dia.
Moraes convocara, horas antes, uma entrevista coletiva em Brasília para detalhar uma operação que, naquele momento, seguia sob segredo de Justiça. O caráter de urgência que impregnava a fala do ministro, e o próprio tom do noticiário naquela noite, parecia, porém, não condizer totalmente com os fatos narrados.
“Aparentemente era uma célula amadora, sem nenhum preparo”, tergiversou o ministro na coletiva. A operação precipitara-se, disse ele, pois os suspeitos teriam começado os preparativos para uma ação. Uma das evidências, afirmou, seria a tentativa de comprar uma arma AK-47, via internet, por um deles, Alisson Luan de Oliveira, de 19 anos, morador de Saquarema (RJ). A evidência, viu-se depois, referia-se a um e-mail de fato enviado por Alisson a uma loja do Paraguai, mas em 2015, e não na véspera da Olimpíada, como deixou entender Moraes (a referência ao e-mail está na página 75 da denúncia do MPF). A compra não se concretizou. O ministro se precipitaria mais uma vez na entrevista coletiva ao atribuir, de forma equivocada, a liderança da suposta célula a um suspeito detido no Paraná, Levi Ribeiro Fernandes de Jesus, de 21 anos – fato não comprovado nas investigações da PF.
Ainda na noite daquela quinta-feira, ao lado de uma agente fardada da Polícia Rodoviária Federal, e tendo como pano de fundo carros da polícia com sinais de alerta ligados, Moraes voltou a falar com jornalistas, em uma espécie de segunda coletiva improvisada. Dessa vez para dizer que as prisões significavam o afastamento da “possibilidade, ainda que remota, de terrorismo na Olimpíada”. A frase encerrou o bloco de 14 minutos do noticiário do JN sobre o assunto. A cobertura internacional seguiu o mesmo tom; o New York Times estampou: “Com proximidade da Olimpíada, Brasil prende 10 em plano terrorista”; a BBC: “Olimpíada do Brasil: dez presos por planejar terror”; e a CNN: “Polícia brasileira prende 12 suspeitos de planejar atos terroristas durante Olimpíada”.