Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 17 de março de 2018

10 insultos argumentativos no caso de Marielle

Sábado, 17 de março de 2018
Por
Aderson Bussinger

1- "Isso é que dá se meter com essas ideias de esquerda, defender bandido".

Nenhum verdadeiro progressista defende o crime. Pelo contrário. A esquerda historicamente procura eliminar as chagas sociais por meio de investimentos sociais, especialmente em educação, capacitação profissional e saúde. Ela testa a realidade, testa os resultados e compreende que a violência deriva das injustiças sociais, da intolerância e da concentração da riqueza.

2- "Bem feito, porque era desse tal de Direitos Humanos".
Direitos Humanos é uma expressão perfeitamente compreendida no mundo civilizado, menos em setores da fanática direita brasileira. Direitos Humanos são os direitos básicos de todos os seres humanos. Ou seja, o direito à vida, à liberdade, à liberdade de opinião, ao trabalho, à educação, à crença religiosa, entre muitos outros. Investir nesta área é patrocinar a paz social por meio da educação, da assistência social e de programas de formação.

3- "Este é o país da impunidade".

Concordamos em parte... De alguma forma, é, sim, porque heróis da direita amarela, como Aécio Neves, José Serra e Aloysio Nunes, entre outros tucanos, seguem livres, leves e soltos. Tampouco ganham cadeia os juristocratas fora-da-lei, que seguem recebendo gordos salários. Não é assim, no entanto, com a dona de casa que não pagou por um pote de margarina. Com ela, o tribunal foi implacável. O Brasil já tem a terceira população carcerária do mundo. É o país do Ocidente em que a polícia mais mata. No entanto, essa cultura de ódio e truculência não faz nossas cidades mais seguras. Pelo contrário, retira recursos públicos para sustentar a imensa máquina judiciária, aquela cujos membros recebem apenas em auxílio moradia 4,8 vezes o salário mínimo.

4- "Tem que prender e pronto".

O total de pessoas encarceradas no Brasil chegou a 726.712 em junho de 2016. Em dezembro de 2014, era de 622.202. Houve um crescimento de mais de 104 mil pessoas. Cerca de 40% são presos provisórios, ou seja, ainda nem mesmo possuem condenação judicial. No total, 89% dos presos estão em unidades superlotadas. Não há processo de reinserção social nesses ambientes. Pelo contrário, a tendência é de conversão ao crime organizado.

5- "Foi morta pelos bandidos que defendia".

Marielle nunca defendeu o banditismo. Pelo contrário, lutava para que seus iguais tivessem paz e segurança. Na verdade, sua voz se erguia contra qualquer forma de violência, em especial aquela cometida pelos agentes da lei que, remunerados pela sociedade, servem como parceiros do crime.

6- "Quando morre um branco, ninguém fica indignado".

Ficamos, sim, todos nós. E a própria vereadora sempre se indignou com as vítimas da violência, fossem brancos ou negros. 

7- "Vitimismo dos negros".

A direita brasileira, por má fé ou ignorância, costuma minimizar a importância dos casos que têm negros como vítimas. Para sustentar essa tese, os conservadores apontam casos de um ou outro branco vítima da violência. Todos esses eventos são tristes, revoltantes e merecem uma reação da sociedade. O que tentam disfarçar, porém, é o antigo roteiro de brutalidades sistemáticas contra aqueles que serviram nas senzalas (o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravatura) e depois se viram excluídos, relegados às favelas e periferias. Tentam, pois, a todo custo, confundir o estrutural com o episódico, em tentativas sempre desonestas de equiparar situações diferentes. Todas as vidas valem. Todas! Mas há uma assimetria estatística e um descompasso histórico que a direita procura maliciosamente ocultar.

8- "Morre tudo igual, não tem diferença, isso é coisa da esquerda para dividir o país".

Atualmente, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras etnias, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência. Os dados são do Atlas da Violência, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

9- "Outra moda é esse vitimismo de gay, que virou peça de propaganda do homossexualismo" (sic).

É frequente ouvir um direitista usando o ridículo termo "homossexualismo", equívoco que parece derivado dos artigos preconceituosos da mídia oligopolista. Na verdade, no Brasil, é assassinada uma pessoa LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, trans e travestis), em média, a cada 25 horas. É o pais que mais mata LGBTs no mundo. Um detalhado levantamento do Grupo Gay da Bahia documentou, em 2016, dados de 168 municípios brasileiros. Dos 343 assassinatos ocorridos em 2016, 173 eram gays, 144 trans, 10 lésbicas, 4 bissexuais e 12 heterossexuais (parentes ou conhecidos de LGBTs que foram mortos por algum envolvimento com eles).

10- "Isso tudo aí é conversa para boi dormir. A 'gente de bem' sabe que é na bala que se resolve". 

Dificuldades cognitivas, educação para o ódio, fanatismo religioso ou desinformação tóxica levam determinados indivíduos a acreditar na fantasia de que problemas complexos têm soluções fáceis. Não somente o desonesto, mas também o ignorante e o alienado tendem a atribuir as mazelas sociais a um inimigo singular, seja ele marcado pela diferença étnica, de classe, de credo ou de ideologia. É o que marca o pensamento destrutivo e doentio dos fascismos de toda ordem. Problemas complexos, como a violência urbana, são resolvidos com um conjunto de medidas, que incluem o desenvolvimento da inteligência da segurança pública, a ação cidadã preventiva, além de universalização de direitos, que incluem acesso ao emprego, oportunidades educativas e atendimento de saúde.

* Aderson Bussinger, advogado, conselheiro da OAB-RJ, integra o MAIS - Movimento Por Uma Alternativa Independente Socialista. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais/UFF, colaborador do site TRIBUNA DA IMPRENSA Sindical, Diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, membro Efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ. Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros-IAB.

Fonte: Tribuna da Imprensa Sindical