Sábado, 17 de março de 2018 Da Ponte — Direitos Humanos, Justiça e Segurança Pública Por Arthur Stabile
Munição que matou Marielle é do mesmo lote que já havia sido usado na chacina de Osasco; para especialista, desvio pode ter acontecido no fabricante ou na Polícia Federal
Manifestação por Marielle Franco e Anderson Gomes realizada em 15/3 em SP | Foto: Daniel Arroyo/Ponte
Faz dois anos que um lote de munições 9 mm fabricada pela empresa CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) e vendida à Polícia Federal vem deixando um rastro de mortes de pessoas negras e faveladas, a mais de 450 quilômetros de distância uma das outras. Segundo o jornal Extra, investigações da Polícia Civil carioca a respeito da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, na última quarta-feira (14/3) apontam que a munição 9 mm usada no crime pertence ao mesmo lote usado na maior chacina da história de São Paulo, em que policiais militares e pelo menos um guarda civil metropolitano mataram 23 pessoas em Osasco, Carapicuíba, Baueri e Itapevi, na Grande SP, em 2015.
Até o momento, as investigações descobriram o início da trajetória dessa munição. A origem é legal: em 2006, o lote foi vendido pela empresa CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) à Polícia Federal do Distrito Federal. O que aconteceu nos anos seguintes, e como as munições que deveriam estar nas pistolas de policiais federais na capital do país foram parar dentro de corpos de pessoas como Marielle ou as vítimas de Osasco, é algo que ainda falta descobrir.
A Ponte conversou com Marcos Camargo, presidente da APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais), e ele disse que há vários caminhos que poderiam explicar o extravio dessa munição. A investigação, segundo o perito, deveria começar pela empresa e depois focar a Polícia Federal.
“Pode haver algum desvio na empresa. O lote [pode] ter sido roubado, furtado. Via de regra, em casos de lote furtado, tem B.O. [boletim de ocorrência]. Essa pode ser uma munição regular decorrente de furto. Ou, então, [pode ter havido] desvio na linha de produção, [ou um] desvio de uma força policial dentro da PF… São várias as possibilidades e, nesse caso, não se pode descartar a possibilidade de como é o controle da empresa para garantir que isso foi mesmo para a Polícia Federal”, sustenta Camargo.
Caso seja comprovado que houve o procedimento correto da empresa na entrega da encomenda à PF, aí será vez da corporação responsável dar explicações acerta das munições. “Superada essa etapa, comprovado que [o lote] foi para a PF, aí vamos ver a segunda etapa: o que aconteceu dentro da PF?”, pondera Camargo.