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(Millôr Fernandes)

domingo, 19 de dezembro de 2021

Afeganistão: Sem direitos básicos, população luta pela sobrevivência

Domingo 19 de dezembro de 2021

Legenda: Fátima, de dois anos, tem seu estado nutricional examinado no centro de saúde Bab-e-Bargh, que é apoiado pelo UNICEF na maior clínica de saúde da cidade de Herat
Foto: © Sayed Bidel/UNICEF

Da Nações Unidas Brasil
Afeganistão: Sem direitos básicos, população luta pela sobrevivência

Enquanto os afegãos são assombrados pela insegurança alimentar e lutam para atender às necessidades mais básicas, a população se torna cada vez mais suscetível a tomar medidas desesperadas, como o trabalho e o casamento infantis. O panorama sombrio foi descrito pela vice-alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Nada Al-Nashif, durante uma reunião do Conselho de Segurança.

Apesar de uma anistia geral do Talibã, anunciada em agosto, o Escritório de Direitos Humanos da ONU (ACNUDH) recebeu “alegações confiáveis” de mais de 100 assassinatos de ex-forças de segurança nacional afegãs e outras pessoas associadas ao antigo governo. Pelo menos 72 deles foram atribuídos ao Talibã e, em vários casos, os corpos foram exibidos publicamente. 
A vice-alta comissária também expressou profunda preocupação com o risco contínuo de recrutamento de crianças, especialmente meninos, tanto pelo ao Estado Islâmico-Província de Khorasan (ISIL-KP) quanto pelas autoridades atuantes. As crianças também continuam a representar a maioria dos civis mortos e feridos por munições não detonadas. 

Enquanto isso, mulheres e meninas enfrentam grande incerteza no que diz respeito à garantia de seus direitos à educação, subsistência e participação na vida pública. Cerca de 4,2 milhões de jovens afegãos estão fora da escola, sendo que 60% deles são do sexo feminino. 

Para rever a situação, Al-Nashif insistiu que só o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais por parte das autoridades pode garantir a estabilidade no país. 


Na terça-feira (14), em Genebra, a vice-alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Nada Al-Nashif, destacou e detalhou aos membros do Conselho como a profunda crise humanitária no Afeganistão está ameaçando direitos básicos. Segundo a oficial da ONU, mulheres, meninas e a sociedade civil estão entre os mais afetados. Para rever a situação, Al-Nashif insistiu que só o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais por parte das autoridades pode garantir a estabilidade no país. 

Dignidade ou privação - A oficial das Nações Unidas para os Direitos Humanos disse que enquanto os afegãos lutam para atender às necessidades básicas, eles estão sendo pressionados a tomar medidas desesperadas, incluindo trabalho e casamento infantil. Também surgiram notícias de crianças sendo vendidas. 

“A maneira como as autoridades de fato e a comunidade internacional lidarem com a drástica crise econômica e humanitária no país determinará o gozo dos direitos humanos pelos afegãos, agora e no futuro”, argumentou, ao apontar que as próximas decisões “marcarão a diferença entre preservar vidas potenciais, dignidade e bem-estar - ou privação acelerada, injustiça e perda trágica de vidas” .

Funcionários do Escritório de Direitos Humanos da ONU, o ACNUDH, permanecem trabalhando no Afeganistão, onde a economia está em grande parte paralisada enquanto a pobreza e a fome aumentam em ritmo vertiginoso. 

Questão de vida ou morte - A situação é ainda agravada pelo impacto das sanções e do congelamento de bens do Estado.  


“As difíceis escolhas políticas que os Estados-membros fazem neste momento crítico, para evitar o colapso econômico, são literalmente de vida ou morte. Eles definirão o caminho do Afeganistão para o futuro.”


— Nada Al-Nashif, vice-alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Ela também relatou que, embora os combates tenham diminuído desde agosto, quando o Talibã assumiu, os civis afegãos continuam em risco de conflito, já que a Província do Estado Islâmico Khorasan (ISIL-KP) e outros grupos armados estão realizando ataques letais. 

Assassinatos extrajudiciais - Apesar de uma anistia geral do Talibã, anunciada em agosto, o ACNUDH recebeu “alegações confiáveis” de mais de 100 assassinatos de ex-forças de segurança nacional afegãs e outras pessoas associadas ao antigo governo. Pelo menos 72 assassinatos foram atribuídos ao Talibã e, em vários casos, os corpos foram exibidos publicamente. 

“Somente na província de Nangarhar houve pelo menos 50 assassinatos extrajudiciais de indivíduos suspeitos de serem membros do ISIL-KP. Métodos brutais de assassinato, incluindo enforcamento, decapitação e exibição pública de cadáveres foram relatados”, acrescentou. 

Preocupação com mulheres e crianças - A agente do ACNUDH também expressou profunda preocupação com o risco contínuo de recrutamento de crianças, especialmente meninos, tanto pelo ISIL-KP quanto pelas autoridades de fato. As crianças também continuam a representar a maioria dos civis mortos e feridos por munições não detonadas. 

Enquanto isso, mulheres e meninas enfrentam grande incerteza no que diz respeito à garantia de seus direitos à educação, subsistência e participação na vida pública. Cerca de 4,2 milhões de jovens afegãos estão fora da escola, 60% deles são meninas. 

Também houve um declínio na frequência das meninas à escola secundária, mesmo nas províncias onde as autoridades de fato permitiram que elas frequentassem as instituições de ensino. Isso se deve em grande parte à ausência de professoras, já que em alguns locais as meninas só podem ser ensinadas por mulheres. 

Perguntas não respondidas - Embora um decreto de 3 de dezembro sobre os direitos das mulheres tenha sido "um sinal importante", Nashif disse que ele deixa muitas perguntas sem resposta. “Por exemplo, não deixa claro uma idade mínima para o casamento, nem se refere a quaisquer direitos mais amplos das mulheres e meninas à educação, ao trabalho, à liberdade de movimento ou à participação na vida pública”, evidenciou. 

Além disso, as mulheres estão amplamente proibidas de trabalhar, exceto como professoras, profissionais de saúde e funcionárias de ONGs. Eles também não podem vender produtos desde que as autoridades de fato fecharam as lojas operadas por mulheres. 


“Muitas mulheres e meninas afegãs agora precisam ser acompanhadas por um parente do sexo masculino sempre que deixam sua residência. Isso é estritamente aplicado em alguns lugares, mas não em todos”, constatou Al-Nashif ao Conselho. 

Ela alertou que os parceiros da ONU estimam que restringir o trabalho das mulheres contribuirá para uma perda econômica imediata de até 1 bilhão de dólares. 

Sociedade civil sob ataque - A sociedade civil afegã também foi atacada nos últimos meses. Desde agosto, pelo menos oito ativistas e dois jornalistas foram mortos e outros feridos por homens armados não identificados. 

A Missão de Assistência da ONU no Afeganistão (UNAMA), documentou quase 60 detenções, espancamentos e ameaças aparentemente arbitrárias de ativistas, jornalistas e funcionários da Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão, todos atribuídos às autoridades atuantes. 

Várias defensoras dos direitos das mulheres também foram ameaçadas, e perdura um medo generalizado de represálias desde a violenta repressão aos protestos pacíficos das mulheres em setembro. Muitos meios de comunicação fecharam as portas, assim como vários grupos da sociedade civil. 

Justiça em bloqueio - Além disso, a Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão está impossibilitada de operar desde agosto, enquanto a Ordem dos Advogados Independentes do Afeganistão enfrenta perda de independência, já que as autoridades de fato agora administram suas atividades sob o Ministério da Justiça.  

“A segurança de juízes, promotores e advogados afegãos — especialmente mulheres profissionais do direito — é um assunto para alarme particular”, acrescentou Al-Nashif. “Muitos estão atualmente escondidos por medo de retaliação, inclusive de prisioneiros condenados que foram libertados pelas autoridades de fato, principalmente homens condenados por violência de gênero.” 

A vice-alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos enfatizou que defender os direitos humanos é fundamental para que o Afeganistão avance:


“O respeito e a proteção, por parte das autoridades de fato, dos direitos e liberdades de todas as pessoas no Afeganistão, sem discriminação, são essenciais para garantir a estabilidade. O fracasso em defender os direitos humanos levará inevitavelmente a mais turbulências e distúrbios e travará o desenvolvimento do Afeganistão.” 

“Além disso, como membro da comunidade internacional, o Afeganistão está vinculado às obrigações internacionais existentes dos tratados que ratificou. As obrigações ao abrigo destes tratados permanecem em vigor, independentemente das autoridades em particular que exerçam o poder efetivo.” 

Avalanche de fome e miséria - A desintegração da economia afegã está tornando difícil para as pessoas obterem o suficiente para comer, disse o Programa Mundial de Alimentos (WFP) na terça-feira. A agência da ONU precisa urgentemente de 220 milhões de dólares por mês em 2022, à medida que aumentam as operações para fornecer alimentos e assistência em dinheiro a mais de 23 milhões de afegãos que enfrentam fome severa. 

O WFP ajudou 15 milhões de pessoas em todas as 34 províncias do país até agora este ano, atingindo cerca de sete milhões apenas em novembro, contra quatro milhões em setembro. 


“O Afeganistão está enfrentando uma avalanche de fome e miséria como nunca vi em meus mais de vinte anos com o Programa Mundial de Alimentos”, disse Mary-Ellen McGroarty, a Diretora Nacional da agência para o país. 

Medidas desesperadas - A última pesquisa por telefone do WFP revelou que cerca de 98% dos afegãos não estão consumindo alimentos suficientes, um preocupante aumento de 17% desde agosto. As famílias estão recorrendo a medidas desesperadas com o início do inverno, com oito em cada dez pessoas comendo menos, e sete em cada dez pedindo comida emprestada para sobreviver, relatou a agência.