Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Os alagamentos na Bahia tem sim culpados.

Quarta, 29 de dezembro de 2021

Car@ amig@, 

Vc já notou que após tantas chuvas que assolam a Bahia e outras regiões do país, como nunca visto antes, a mídia comenta exaustivamente sobre a tragédia causada sobre as populações e as cidades mas nenhuma palavra sobre as causas?

Helder Barbosa www.aldeianago.com.br 


Os alagamentos na Bahia tem sim culpados. 
Por Daiana Paris Rodríguez —Trancoso, Bahia

Demorei um tempo pra decidir escrever esse texto. São muitas ideias e sentimentos que me atravessam nesses tempos chuvosos.

Aqui no Brasil ainda se fala muito pouco sobre as mudanças climáticas. O que ouvimos são discursos "importados" e notícias de situações que nos parecem muito distantes da nossa realidade.

Em novembro aqui no litoral da Bahia sempre caem as "chuvas de verão" que refrescam e introduzem nosso bem conhecido verão baiano, retratado por selfies de festas e praias ensolaradas. Mas esse ano foi diferente. Tá tudo debaixo d'água. Muitos dos frequentadores que "amam a Bahia" não vieram. Os que vieram em suas mansões de veraneio reclamam do tempo que não deu pra bronzear. 

Enquanto isso temos casas alagadas e destruídas. Pessoas desalojadas. Comunidades isoladas. Estradas, barrancos, postes de luz, comunidades indígenas, bairros inteiros, tudo devastado. Cidades debaixo d'água. E tudo isso tem culpados, não é meramente culpa da natureza.

Para além das mudanças no clima estou falando de justiça climática. O que implica em justiça social.

O Litoral baiano, conhecido mundialmente, sofre a desenfreada especulação imobiliária. A cada ano que passa — e com um aumento apavorante nos últimos anos em que discursos governamentais incentivam e autorizam a devastação ambiental — o desmatamento cresce. 

Aqui em Trancoso e região (mas não só) imensos condomínios tomaram lugar do que eram áreas de mata, restinga e manguezal. Aterraram cursos d'água naturais e áreas em que naturalmente as chuvas fluíam e formavam lagos e riachos foram substituídas por construções. 

As cidades crescem focando no lucro dos investidores, não na mobilidade, acessibilidade e bem estar da população. Não na preservação da natureza, da cultura, dos biomas. O centro e as praias vão adquirido preços surreais. Classes operárias são obrigadas a ir para as periferias e zonas rurais, que crescem a cada dia sem planejamento, sem infraestrutura. A tal da gentrificação.

E o que isso tem a ver com os alagamentos? Tudo.

Quando chove a água precisa correr e seguir seu fluxo. Mas se o chão está impermeabilizado, se onde a água deveria se acumular existem casas, ruas, construções. Se a mata ciliar não existe mais. Se os lagos e fluxos d'água foram aterrados... É isso que acontece.

E se não existe justiça social então temos um problema de justiça climática. Um estado de calamidade. Porque são os mais pobres que estarão vivendo sem estruturas adequadas para situações de chuva intensa, em zonas de risco de alagamento. Em zonas onde talvez não devessem existir bairros, mas que é o lugar possível em todos esses processos de especulação imobiliária, gentrificação, "desenvolvimento" e "progresso" com foco no lucro e não na Vida. 

Então você que ama a Bahia, ajude a Bahia.

Ajude agora, quando é urgente.

Mas também ajude a mudar esse sistema de turismo exploratório, de destruição ambiental disfarçada de empreendimento.

Nossa terra e nosso povo não são recursos a serem explorados. São a verdadeira riqueza desse lugar e merecem ser pensados no centro antes de tudo.

Não culpe a natureza, tudo isso é consequência da ganância humana, de uma cosmovisão moderna doente.

27 dezembro 2021

Trancoso - Bahia

Daiana Paris Rodríguez