Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Presidindo para quem? O salto no escuro

Quinta, 16 de dezembro de 2021


Por Felipe Quintas e Pedro Augusto Pinho.

Monitor Mercantil

Redação




Nem falta simpatia com o modo espontâneo, um jeito nordestino de se apresentar. Mas há um currículo. O homem público, como todo ser humano, pode mudar. Afinal as experiências, os conhecimentos que se acumulam ao longo da existência devem servir para melhor entender as realidades sociais, a compreensão da natureza e rever decisões, posicionamentos, tendo a honestidade e sinceridade como apanágios permanentes.

No entanto deve existir uma linha, um contínuo de opções numa direção que evite a surpresa, não haja uma radical mudança de direção.

Sem rigidez nem buscando justificativas, onde a opção por Ciro Gomes para presidente faz água é nesta, digamos, volubilidade política.

Ciro Ferreira Gomes (Pindamonhangaba, SP, 1957) aos quatro anos de idade instalou-se em Sobral (Ceará), onde vivia toda a família de seu pai, José Euclides Ferreira Gomes Júnior, casado com a paulista Maria José Santos. Em entrevista ao Roda Viva (1991), afirmou que, no movimento estudantil universitário, se aproximou mais da esquerda católica.

No final da década 1970, reiniciavam, com dificuldade, as formações de grupos estudantis, debelados no período que se seguiu ao golpe de 1964, especialmente no final dos anos 1960. Com a presidência de Ernesto Geisel, os estudantes voltaram às ruas na defesa das liberdades democráticas, pelo fim das prisões e torturas e pela anistia ampla, geral e irrestrita. Pouco a pouco, as principais organizações estudantis foram se reconstruindo. Ressurgiram os DCEs, as UEEs e, em 1979, a UNE foi refundada.

Ciro, aprovado em primeiro lugar para a Faculdade de Direito em 1976, estudava na Universidade Federal do Ceará (UFC). Aos 23 anos, advogado e professor universitário, seu pai, tendo sido eleito prefeito de Sobral, o nomeou procurador do município.

Ciro chega à política pelas mãos do pai e se filia ao partido dele, o Partido Democrático Social (PDS), de sustentação da ditadura, pelo qual disputou sua primeira eleição, em 1982, tendo sido o deputado estadual mais votado na cidade de Sobral, onde obteve 11.600 votos.

Em 1983, Ciro filiou-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e, de acordo com a Wikipédia, “assumiu seu primeiro mandato de forma ousada: se manifestando inclusive contra o governador eleito pelo seu próprio partido, Gonzaga Mota. Ciro chamou a atenção da imprensa local por debater questões nacionais, democracia, reformas sociais, liberdades e até geopolítica internacional, algo que, segundo ele, havia sido deixado de lado pelos políticos cearenses”.

Podemos afirmar sem restrição que os partidos políticos, até os assumidamente ideológicos, como os comunistas, não seguem sempre as orientações doutrinárias, alguns nem mesmo as têm. Mas neste curto período da faculdade à primeira legislatura política, Ciro Gomes já transitava em partidos ou movimentos de filosofias distintas: esquerda católica, base política dos governos militares e a oposição consentida.

No PMDB, foi eleito (1988) prefeito de Fortaleza; em 1990, já no PSDB, elege-se no primeiro turno (56% dos votos válidos) governador do Ceará. Ainda no PSDB será ministro da Fazenda de Itamar Franco. Por incompatibilidade com Fernando Henrique Cardoso, vai em 1997 para o PPS.

O Partido Popular Socialista (PPS) é um exemplo da falta de consistência dos partidos políticos no Brasil, embora não seja uma característica apenas nossa. Foi fundado em 1992 por membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB), apoiou o neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso e, em 2017, compunha o ministério de Michel Temer.

Ciro, em 2005, se filia ao PSB e, em 2013, ao Pros. Desde 2015 está no PDT, que foi fundado por Leonel Brizola, em 1979, quando o general Golbery do Couto e Silva, usando manobra jurídica, lhe tirou o PTB, pelo qual sempre militara e fora cassado em 1964.

Como ministro da Fazenda de Itamar Franco (6 de setembro de 1994 a 1º de janeiro de 1995) Ciro Gomes participou da privatização da Embraer e outras quatro coligadas, por R$ 154,1 milhões, pagos integralmente em títulos da dívida de estatais (“moedas podres”), sendo adquirente o consórcio liderado pelo Banco Bozano, Simonsen com 55,4% das ações ordinárias.

De 1º de janeiro de 2003 a 31 de março de 2006, Ciro foi ministro da Integração Nacional do presidente Lula, quando se aprova o projeto de transposição do rio São Francisco, resolução 47/2005 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH).

Seu último mandato político foi o de deputado federal, entre 2007 e 2011, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).

O Brasil não vive um momento de pacífica condução e administração. Ao contrário, estamos em plena guerra híbrida, onde nem mesmo faltam assassinatos e traições ao Estado Nacional.

Para que a sociedade viva com tranquilidade, é indispensável que o Estado Nacional reflita sua confiança e corresponda a seus anseios de vida digna e progresso. Tudo isso vem sendo objeto de disputa entre os brasileiros e os capitais apátridas, onde capitais marginais, fruto de atos contra a própria humanidade, têm acolhida.

Entendemos que esta é a realidade brasileira que se instalou em 1990. Naquele momento, estando em disputa eleitoral, pela primeira vez desde 1960, a Presidência da República, entre candidatos experientes e nacionalistas, à esquerda, centro ou direita, como Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Mário Covas e Aureliano Chaves, os interesses estrangeiros, com o sempre antinacional sistema de comunicação da família Marinho, empurraram com as “fake news” um jovem, sem respaldo partidário nem higidez moral nem ética, para ser uma marionete desses interesses: do sistema Globo e dos capitais financeiros apátridas.

Ciro apoiou no primeiro turno o candidato do seu partido à época, Mario Covas, e seguiu parte dos tucanos, apoiando Lula no segundo turno. Também em 2016, como integrante do PDT, Ciro seguiu a orientação partidária colocando-se contra o impeachment da presidente Dilma, entendido como um golpe jurídico-parlamentar.

Mas o contraditório é ter como seu colaborador direto o reconhecido recrutador da CIA (agência estadunidense para espionagens, golpes e revoluções) Roberto Mangabeira Unger, um típico neodemocrata da política dos EUA.

Na verdade, o que assusta em Ciro Gomes é esta falta de consistência em um projeto para o País que, malgrado esteja filiado ao PDT, não é nacional trabalhista. Embora tenha muito clara a necessidade do desenvolvimento, falta a ele a matriz nacionalista somente pela qual o desenvolvimento ganha seu sentido verdadeiro, que não é apenas o dos projetos tecnocráticos, mas finca raízes nas condições nacionais e no imaginário popular.

Do Plano Nacional de Desenvolvimento do Ciro, já tivemos a experiência dos governos petistas, que, apesar de melhorias dignas de nota, não foram capazes de sustentar uma nova arrancada nacional. Talvez Ciro seja um bom ministro, como foi do Governo Lula, ou um bom parlamentar, como também foi, mas falta a ele a grandeza do estadista, a estatura de quem representa um enorme país como o Brasil e o conduz rumo ao futuro.

Aliado às idas e vindas partidárias, nossa avaliação é que se dá um salto no escuro. Continuaremos, como desde a sucessão do presidente Geisel, conduzidos pelas finanças – atualmente com forte participação de capitais das drogas, dos contrabandos de armas, pessoas e órgãos humanos, da prostituição, chantagens e corrupção – capitais marginais apátridas?

Ou teremos o plebiscito revogatório de todas as alterações na Constituição, que possibilitaram as privatizações, transferência para iniciativa privada de atividades próprias do Estado Nacional e alienações de bens públicos para particulares, e as extinções ou reduções dos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários?

O povo brasileiro não resistirá a mais quatro anos de sistemáticos assaltos aos bens públicos, à falta de saúde, educação, moradia e transporte urbano, ao desemprego, baixos salários, incertezas quanto ao dia de amanhã, miséria e mortes.

Esta eleição deverá produzir transformações que renovem a esperança do povo no Estado Nacional Soberano e Cidadão. Ou não valerá votar.



Felipe Maruf Quintas é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.