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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

O ano da fila do osso: economia naufraga e fome volta a assolar brasileiros

Terça, 21 de dezembro de 2021
Imagens de 2021 foram de brasileiros na fila para a compra de ossos e pelancas e disputando comida em caminhões de lixo — Foto: Prefeitura de Bonito

Inflação alta e queda na renda empurram metade dos brasileiros para a insegurança alimentar

Gabriel Carriconde
Brasil de Fato Curitiba (PR)

A vida do brasileiro não estava fácil nos últimos anos, com aumento do dólar, desemprego e crise econômica prolongada, mas 2021 provou que o que estava ruim ainda podia piorar. Com o aumento do preço dos alimentos e a queda na renda média, a menor em oito anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a fome e a insegurança alimentar voltaram a ser um dos pesadelos num país que há pouco tempo era elogiado pelas Nações Unidas por programas de transferência de renda, diminuição da miséria e ter saído do Mapa da Fome.

Se, em passado recente, a fila do supermercado era de pessoas aproveitando para comprar o filé do churrasco, em 2021 a imagem foi substituída pela fila para a compra de ossos e pelancas. Outra imagem que viralizou foi a de pessoas disputando comida em caminhões de lixo.

E um dos motivos é que nos últimos 12 meses, de acordo com dados do IPCA-15, o preço da carne subiu, em média, 22%. Para o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese-PR), Sandro Silva, as raízes dos atuais problemas econômicos surgiram bem antes da pandemia.

“Desde o impeachment da ex-presidente Dilma, o país mudou sua matriz econômica, adotando um modelo neoliberal, com diminuição do Estado, teto de gastos e queda no investimento público”, explica. Sandro ainda lembra que a política de incentivo à exportação de alimentos e commodities promovida pelo atual governo, com o câmbio alto, ajudou a encarecer a comida.

“Bolsonaro fez uma política agrária de incentivo à exportação em detrimento do mercado interno. O presidente, por exemplo, em vez de incentivar os frigoríficos a venderem para ajudar a baixar os preços, na situação com a China, preferiu pedir para segurarem sua produção até resolverem o problema.” O economista refere-se ao fato de que a China cancelou por determinado período a compra de carne brasileira, mas isso não se refletiu na queda dos preços.

A situação da carne, lembrada por Sandro, é uma das que levaram o carrinho de supermercado e a mesa do brasileiro a ficarem mais vazios. Apesar do mundo sofrer de diferentes maneiras com o aumento de itens da cesta básica, no Brasil a situação é pior.

De acordo com o IBGE, os gastos com comida já passam dos 20% da renda dos brasileiros que recebem entre 1 e 5 salários-mínimos. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que a inflação média esperada para este fim de ano nos países ricos e em desenvolvimento deve chegar a 3,7% mas o Brasil terá praticamente o dobro de inflação, com 7,2%, atrás apenas de Argentina e Turquia.

Fome na periferia

E esse impacto é sentido sobretudo nas periferias. Raíssa Mello, ativista de movimentos populares e organizadora de diversas campanhas de distribuição de ''quentinhas'', afirma que a situação econômica na pandemia foi dramática nas comunidades que acompanha. “Pessoal não tinha dinheiro para comprar um gás ou levar o filho ao médico. A fome se agravou demais nos lugares em que eu acompanho, como nas ocupações", conta.

Com a insegurança alimentar atingindo mais da metade da população brasileira, Raíssa revela que o perfil dos que pedem ajuda mudou. “Antes da pandemia, geralmente as pessoas que ajudávamos já estavam vulneráveis, saindo da prisão ou mulheres em situação de agressão. Na pandemia não teve esse recorte, atingiu dos mais novos aos mais velhos. Nos natais solidários, por exemplo, antes a criançada pedia brinquedo, hoje a maioria pede cesta básica e material escolar.” Raíssa ainda completa: “As pessoas estão só sobrevivendo, e não sonhando mais”.

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini