Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 18 de junho de 2022

COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE V

Sábado, 18 de junho de 2022

Aldemario  Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 18 de junho de 2022

No primeiro escrito desta série, denominado COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE I, explorei alguns dos procedimentos utilizados nas campanhas eleitorais baseadas no “voto fisiológico”. Mencionei: a) a contratação interesseira de cabos eleitorais e b) a compra de lotes de votos controlados por certas lideranças comunitárias, religiosas e afins. Destaquei, ainda, que paralelamente ao “fisiologismo pesado” (ou hard) convivem fisiologismos “mais leves” (ou soft).

No segundo texto desta série, denominado COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE II, foram analisados três tipos de fisiologismos mais leves e muito comuns no universo das campanhas eleitorais nesta quadra da história do Brasil. São eles: a) os voltados para a formação de grupos políticos; b) os criados a partir da distribuição enviesada de recursos decorrentes de emendas parlamentares e c) aqueles constituídos por forte inspiração corporativa ou institucional, em especial a religiosa.

O terceiro escrito desta série, denominado COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE III, abordou o “voto de opinião”. Anotou-se que, nesse campo, a preferência eleitoral não está baseada na perspectiva de obtenção de vantagens mensuráveis em pecúnia. Em geral, o eleitor busca identificação com propostas programáticas e verifica a trajetória de vida do candidato nos planos profissionais e políticos, notadamente a ocupação de funções públicas (eletivas ou não).

No quarto texto desta série, denominado COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE IV, foram destacadas, no campo do “voto de opinião”, a apresentação de propostas excessivamente genéricas ou proposições típicas da implementação de políticas públicas formatadas e conduzidas pelo Poder Executivo. Ressaltou-se a necessidade de que o candidato (do “voto de opinião”) formule ou apresente um programa de atuação parlamentar mais detalhado ou específico, em linha com a agremiação partidária a que pertença, para que se possa identificar os critérios e valores a serem utilizados no momento do voto ou da decisão no âmbito do exercício do mandato.

A construção de uma sociedade livre, justa e sustentável, com erradicação da pobreza, redução das desigualdades e supressão de preconceitos e discriminações (artigo terceiro da Constituição), exige a inversão do panorama eleitoral preponderante desenhado nos escritos anteriores desta série. É preciso, para consecução dos nobres fins apontados, que o “voto fisiológico” seja minoritário e, no limite, alcance a posição de ser meramente residual. Com efeito, as profundas transformações necessárias para colocar a sociedade brasileira em patamares civilizatórios minimamente aceitáveis reclama escolhas eleitorais conscientes e definidas pelo compromisso de realização de decisões e políticas públicas planejadas, executadas e controladas segundo padrões científicos, republicanos e comprometidos com os interesses da maioria dos brasileiros.

Os países mais igualitários são justamente aqueles onde se verifica a preponderância do “voto de opinião”. Observam-se, inclusive, intensos debates acerca do papel do Estado, seu “tamanho” e a extensão das políticas públicas. Parece fora de dúvida que a concretização dos direitos sociais, materializados numa vida minimamente digna, decorre de pressões políticas significativas dos segmentos destinatários desses mesmos direitos. Afinal, a construção dos instrumentos, estatais ou não, viabilizadores do um ambiente de bem-estar social está inserida no intenso jogo de interesses socioeconômicos. E boa parte desses interesses são mutuamente excludentes, a exemplo da alocação dos recursos orçamentários. A compra e venda de votos e expedientes correlatos seguramente não garantem ou viabilizam um ambiente de superação de desigualdades e opressões. Pelo contrário, o “voto comprado” gera um político, notadamente um parlamentar, praticamente imune às pressões dos eleitores e da opinião pública.

Como fazer a inversão? Como transformar o “voto de opinião” em algo majoritário ou preponderante e reduzir continuamente o deletério espaço de atuação do “voto fisiológico”?

Primeiro, parece ser o caso de sublinhar o que não funciona (ou não funcionará). Os grandes problemas no Brasil não serão resolvidos por mitos, super-heróis, salvadores da Pátria, escolhidos por Deus ou coisa parecida. Ninguém, rigorosamente ninguém, detém poderes mágicos ou sobrenaturais para modificar, por sua ação individual, uma realidade extremamente complexa de um país com mais de 200 milhões de habitantes. Também não serão resolvidas as graves mazelas brasileiras com o recurso a solução golpistas ou autoritárias. A supressão da democracia e o fechamento de instituições opera no campo das intermediações políticas e não afeta os mecanismos institucionalizados viabilizadores de desigualdades e opressões. A ausência de um ambiente democrático, de transparência e de controle social ocultaria, com mais propriedade, ações elitistas e criadoras de toda sorte de privilégios.

Segundo, também parece não ser efetivo o caminho da confiança platônica nas instituições estatais para operar mudanças profundas na realidade social. A história demonstra que, em regra, as instâncias do Poder Público são capturadas pelos interesses em conflito na sociedade como forma especialmente eficiente de realização desses mesmos interesses. Simplesmente votar e aguardar modificações substanciais da realidade socioeconômica certamente se caracteriza como uma postura excessivamente  ingênua.

O caminho, a rigor o único caminho aceitável (não é autoritário, nem messiânico), é demorado e trabalhoso. Trata-se de percorrer uma trilha marcada por altas e energéticas doses de conscientização, organização e mobilização políticas. A participação política (a dimensão política da vida) não é um luxo, um capricho ou coisa de “doido”. Afinal, como já foi dito com muita propriedade, quem não se interessa por política será governado (e terá sua vida afetada) por quem se interessa (para perseguir quais objetivos no complexo jogo das forças socioeconômicas?).

Existe um virtual consenso no sentido que de as ferramentas educacionais possuem estratégicas perspectivas emancipatórias, notadamente num mundo onde o conhecimento é o principal motor do desenvolvimento (tendo deixado para trás a máquina e a terra como fatores primordiais de geração de riquezas). Portanto, são cruciais os investimentos adequados em: a) remuneração digna dos professores; b) espaços físicos modernos e funcionais; c) equipamentos ajustados ao mundo digital; d) escolas de tempo integral contemplando as vertentes cultural e esportiva da formação estudantil; e) currículos humanistas, voltados para o pensamento crítico e para as competências do atual mundo do trabalho; f) métodos pedagógicos inovadores e atraentes descolados na clássica ênfase na memorização e g) gestão administrativa democrática e eficiente de todos os componentes envolvidos no processo educacional, inclusive com a federalização da educação básica (uma antiga bandeira do destacado educador Cristóvam Buarque).

Outro elemento fundamental para a criação de um ambiente político voltado para as transformações superadoras de desigualdades, opressões e discriminações consiste na democratização econômica dos meios de comunicação de massa. Esse movimento não tem nada a ver com censura. Trata-se de garantir o pluralismo político previsto expressamente na Constituição (artigo primeiro, inciso quinto). Nesse sentido, as “redações” (espaços organizados de construção das notícias) são “sagradas”. O problema está do lado de fora das “redações”. Cumpre viabilizar o maior número possível de “redações” com as mais variadas visões culturais, políticas e ideológicas e o rico e profundo debate entre elas. Ademais, seria preciso conter, via regulação, a formação de grupos econômicos com força demasiada no controle, local, regional ou nacional, dos meios de comunicação.