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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 11 de abril de 2023

Crítica à reestruturação organizacional da Petrobrás

Terça, 11 de abril de 2023

Publicado em 11/04/202 Escrito por Pedro Pinho*
A Petróleo Brasileiro S.A. PETROBRÁS comunicou que sua Diretoria Executiva (DE),em 06 de abril, quinta-feira da Semana Santa de 2023, aprovou submeter ao Conselho de Administração (CA) da Companhia o “ajuste organizacional” nos seguintes propósito e termos:

“A proposta visa a três objetivos: (i) preparar a companhia para a transição energética com a criação de Diretoria Executiva focada no tema; (ii) reunir as atividades de engenharia, tecnologia e inovação, fortalecendo a área de desenvolvimento de projetos com os esforços de pesquisa e desenvolvimento; e (iii) concentrar atividades corporativas em uma área voltada à gestão da companhia, fortalecendo sinergias entre os processos.

A proposta aprovada cria a Diretoria de Transição Energética e Energias Renováveis. O presidente da Petrobras Jean Paul Prates indica o Sr. Maurício Tolmasquim para nova Diretoria, que coordenará as atividades de descarbonização, mudanças climáticas, novas tecnologias e sustentabilidade e incorporará as atividades comerciais de gás natural.

A atual Diretoria de Desenvolvimento da Produção, ocupada por Carlos José do Nascimento Travassos, passa a ser denominada Diretoria de Engenharia, Tecnologia e Inovação, e incorporará o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo A. Miguez de Mello (Cenpes).

A atual Diretoria de Refino, Gás e Energia, ocupada por William França da Silva, passa a ser denominada Diretoria de Processos Industriais e Produtos, incluindo os derivados do refino de petróleo e os derivados de gás e biocomponentes.

A atual Diretoria de Comercialização e Logística, ocupada por Claudio Romeo Schlosser, passa a ser denominada Diretoria de Logística, Comercialização e Mercados.

A Diretoria de Relacionamento Institucional e Sustentabilidade será extinta. A Diretora Executiva Clarice Coppetti será indicada para a nova Diretoria de Gestão Corporativa, que administrará os processos internos de gestão de pessoas, saúde, meio ambiente e segurança (SMS) e serviços compartilhados — e incorporará a estrutura de transformação digital e tecnologia de informação. Carlos Augusto Barreto seguirá responsável pela área de Transformação Digital, que ficará ligada a Diretoria de Gestão Corporativa. As gerências executivas de comunicação e marcas, responsabilidade social e relacionamento externo ficarão diretamente ligadas à Presidência.

A Diretoria Financeira e de Relacionamento com Investidores, ocupada por Sergio Caetano Leite passa a ser responsável pela área de Gestão de Portfólio.

Estão mantidas as Diretorias de Exploração e Produção e Governança e Conformidade.

O presente ajuste organizacional não altera o número atual das Diretorias e não gera aumento de custos para a Companhia”.

De início, a DE poderia aproveitar a alteração estrutural da Petrobrás para corrigir o erro vernacular, cometido por Fernando Henrique Cardoso, e acentuar a “oxítona terminada em “a”, seguida de "s”, com o competente acento gráfico agudo.

Vamos aos propósitos:

a) preparar a Companhia para transição energética.

A Europa Ocidental e os Estados Unidos da América (EUA) concentram, neste momento, os países que têm o discurso da “transição energética”, cujos resultados objetivos têm privado estas áreas político-geográficas de energia para sua sobrevivência confortável e para seus desenvolvimentos econômico e social. Isso é facilmente observável nos indicadores e nos comportamentos da população desses países.

b) reunir as atividades de engenharia, tecnologia e inovação em uma única Diretoria, e

c) concentrar as atividades corporativas, igualmente, em uma só Diretoria.

A questão de centralização de atividades é um discutível tema da ciência da organização. O mais renomado e profundo analista deste segmento cognitivo, o professor baiano Alberto Guerreiro Ramos, trata em três trabalhos desta questão: “A Redução Sociológica” (1958), “A Nova Ciência das Organizações” (1981) e “Administração e Contexto Brasileiro” (1983), edição póstuma de alguns escritos.

Deste segundo livro, cujo original foi publicado em inglês, ao tempo em que o mestre lecionava nos EUA, transcrevo do Prefácio à edição brasileira:
“para viver de acordo com as prescrições da sociedade centrada no mercado, (o ser humano) é coagido a reprimir a função normativa da razão no desenho de sua existência social”.

A Petrobrás, desde o extraordinário trabalho de Hélio Marcos Pena Beltrão, o Plano Básico de 1953, com as alterações substantivas realizadas durante a presidência do general Ernesto Geisel na Companhia, ora centralizou ora descentralizou pelas atividades fim, aquelas relativas à logística, aos apoios e, em parte, à pesquisa.

Os resultados não permitem a generalização que se encontra nesta decisão da Semana Santa de 2023. Proposta similar foi encaminhada à DE, em 1977, pelo Diretor Haroldo Ramos da Silva (DIR/RES 10011/77, de 10/01/1977) e não frutificou.

Basicamente, sucessos e insucessos, como ensinou Guerreiro Ramos, se devem à adequação do modelo organizacional às condições objetivas em que se encontra a sociedade brasileira, suas necessidades, a compreensão dos objetivos e da capacitação dos agentes. Ao me referir à sociedade brasileira, tenho incluída a crítica acerba à pseudo globalização, que ignora as condições nacionais, em todo mundo. França, Alemanha, Países Baixos, entre outros, exibem casos que confirmam esta crítica.

Objetivo fundante da Petrobrás é a pesquisa de petróleo (óleo e gás), sua produção, transformação em produtos derivados, distribuição e venda em todo território nacional, aos menores custos possíveis.

Hélio Beltrão adotou dois princípios que ele denominou “fundamentais”: a unidade de subordinação e a descentralização das operações. Afirmava aquele administrador que as decisões operacionais deveriam estar o mais próximo possível daqueles que primeiro sofreriam suas implementações.

As decisões estratégicas, inversamente, deveriam ser tomadas pelos que tivessem o mais amplo conhecimento do que envolvia aquele setor nos campos político, econômico e social.

Em vários momentos do passado, estas máximas de Hélio Beltrão foram adotadas na Petrobrás, o que a levou, em 50 anos, a transformar o Brasil de importador de todos derivados de petróleo a ser autossuficiente e mesmo exportador de petróleo e derivados.

Assim, o propósito da transição energética não se adequa à realidade hodierna do Brasil, e, contrariamente, o recoloca na dependência externa em que se encontrava na década de 1950. Erro típico dos seguidores de um mercado que apenas contempla as finanças e a concentração de rendas e bens. O neoliberalismo nem mesmo dispensa a participação do Estado Nacional como nos dão seguidas provas os EUA.

As Diretorias da Petrobrás.

A Petrobrás é uma vitoriosa empresa de petróleo e este produto da natureza ainda estará, dentro de um século, sendo usado pela sociedade humana, pois não se antevê, nas condições tecnológicas e econômicas de hoje, um sucedâneo. Os relatórios estatísticos da British Petroleum - BP, com mais de 70 anos de publicação, confirmam não haver, pela demanda, qualquer produto substituindo o petróleo, quer na forma líquida quer na gasosa.

A Diretoria de Exploração e Produção, com seus Departamento de Exploração, Departamento de Produção e Departamento de Perfuração e as respetivas unidades regionais/operacionais, constitui uma das quatro atividades que caracterizam a Petrobrás como empresa de petróleo.

A Diretoria Industrial ou, como propõe a DE, Diretoria de Processos Industriais e Produtos, igualmente com suas refinarias, incluída a transformação do xisto, e a petroquímica, produção de fertilizantes e tudo que se refira a produção de derivados do petróleo, é outro setor que caracteriza a Petrobrás. À Diretoria se vincularão o Departamento de Refino e o Departamento Industrial, para as demais atividades de processamento e transformação do xisto, óleo cru e gás natural. Caberá a esta Diretoria a produção de energias de biocombustíveis e elétrica, por seus Departamentos especializados.

A Diretoria de Transporte tinha na Frota Nacional de Petroleiros – FRONAPE um órgão operacional que suplantava a Marinha de Guerra em tonelagem. Hoje, esta atividade ganha destaque no escoamento de petróleo e derivados, em malhas de dutos e terminais, que vêm sofrendo alienação por motivos ideológicos, contraproducentes para o País e para a Petrobrás. Sua redenominação como “Logística, Comercialização e Mercados” não contempla o que se espera, numa empresa de petróleo, mantenha-se portanto a Diretoria de Transporte, abrangendo os navios petroleiros e mistos (ore-oil), as redes de dutos e os terminais marítimos, fluviais e lacustres, como órgãos operacionais do Departamento de Transporte.

A quarta é a Diretoria Comercial. Se no passado sua importância, além da distribuição de derivados, estava na importação de óleo cru, hoje, com a crescente produção nacional de petróleo pode estar também na exportação, uma vez atendidas as demandas nacionais e a preservação da qualidade geológica dos reservatórios de hidrocarbonetos. A Petrobrás deve retornar à distribuição de derivados e retomar seu marketing “BR”.

A Diretoria de Engenharia, Tecnologia e Inovação, que incorporará o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo A. Miguez de Mello (CENPES), pode e deve incorporar igualmente as pesquisas e desenvolvimentos para eventual transição energética. No entanto, não se prevê, a curto prazo, a substituição do petróleo, mas a elevação de seus custos pela dificuldade crescente de descobrimento de novas reservas. Parte significativa das descobertas da Petrobrás, inclusive o pré-sal, se deve ao desenvolvimento da geofísica, em particular dos levantamentos e processamentos sísmicos. Por isso, esta área de pesquisa deve ter continuidade e reforço, para qualificar os exploracionistas em atuação no Brasil e no Exterior.

O principal objetivo da Petrobrás, repetimos, é o atendimento do mercado brasileiro. Porém sua capacidade técnica a faz ter solicitações externas desde muito tempo, o que levou o presidente Geisel a criar a BRASPETRO. Uma Diretoria Internacional seria não só um órgão coordenador dos trabalhos no exterior como outra fonte de receita da capacidade da Petrobrás ao ajudar outros países na busca, no processamento e na distribuição de petróleo e derivados. Recriar a BRASPETRO ou alguma subsidiária com estes objetivos é muito mais conveniente do que investir em futuro remoto, de energias potencialmente alternativas, o que não se propõe seja eliminado.

O número de Diretorias não seria também alterado pois permaneceriam com atribuições gerais de apoio corporativo a Diretoria de Gestão Corporativa e seus Serviços e a Diretoria Financeira, órgão de assessoria e de execução.

Esperamos estar colaborando com o País, com a Petrobrás e com os dirigentes atuais na consecução de projetos necessários para que o Brasil retome seu desenvolvimento, que vem sendo reduzido desde 1980.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, atual presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás — AEPET