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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Petróleo é energia; finanças, ONG e comunicação, fantasias – A técnica

Quarta, 31 de maio de 2023

Escrito por Pedro Pinho*

Publicado em A-Destaque em 31/05/2023

O consumo de energia per capita é o verdadeiro indicador da riqueza e do bem-estar dos países 

“O pragmatismo do empresário brasileiro é um estado de espírito que se sobrepõe tranquilamente a sentimentos nacionalistas. A venda de terras a empresas e cidadãos estrangeiros era feita por firmas brasileiras especializadas, principalmente na Amazônia Legal e no Brasil Central. Os setores do governo procurados pelo repórter, particularmente o Ministério da Justiça e o Ibama, manifestaram completo desconhecimento do assunto” (Delcio Monteiro de Lima, Os Sobrinhos de Judas, Francisco Alves, RJ, 1992).

Os Petróleos

O petróleo é uma mistura de hidrogênio e carbono, que se encontra na natureza nas formas líquida e gasosa. Além destes, muitos outros elementos participam da formação do petróleo, sendo o enxofre o mais comum, mas há oxigênio, minerais, principalmente os que resultaram da matéria orgânica decomposta há milhões de anos.

O petróleo está classificado, junto ao carvão mineral, aos xistos e às areias betuminosas, como combustível fóssil.

O petróleo é encontrado em “reservatórios” que são “rochas sedimentares”, onde ele impregna na sua corrida da “rocha geradora” para a superfície da terra. Isso porque o petróleo é menos denso do que outros compostos, como a água, por exemplo. Mas, neste caminho, ele encontra “rochas selantes” que bloqueiam seu deslocamento e, ao fim, formam os reservatórios.

A investigação exploratória é parte da indústria do petróleo que procura essas acumulações ou os reservatórios de petróleo.

Mas as misturas que formam o petróleo lhes dão características diferentes. Por isso, há classificação dos petróleos, e essas características fazem o petróleo variar no preço e, mesmo, na obtenção de derivados.

A classificação mais geral é o “grau API”, a gradação da densidade estabelecida pelo American Petroleum Institute (API). De modo geral, os petróleos até 22º API são considerados pesados; entre 22º e 31º API, médios; e acima de 31º API, leves. Os petróleos leves são os mais caros, pois permitem a maior produção dos derivados mais valiosos: o gás liquefeito (GLP ou gás de cozinha), a nafta (importante insumo petroquímico), o querosene (usado como combustível nos aviões) e a gasolina. Também a quantidade de enxofre acarreta valorização/desvalorização do petróleo conforme seja pouca ou muita.

O petróleo brasileiro, em média, tem 28,1º API, e temos cerca de 6,5% de petróleo pesado. No pré-sal do Sudeste, o petróleo é leve, com mais de 31,1º API, e tem baixas percentagens de enxofre, o que o valoriza ainda mais.

Mas existem outros componentes que classificam o petróleo como parafínicos, naftênicos e aromáticos, sendo estes últimos excelentes para produção de solventes de ótima qualidade e gasolina com alto índice de octanagem.

O reservatório de petróleo se organiza conforme as densidades: na parte superior, há gás; na intermediária, o óleo líquido; e na inferior, existe água.

Diferente do petróleo são as areias betuminosas (tar sands). Constituem uma forma quase sólida de petróleo, pois os hidrocarbonetos pesados, com outros compostos oxigenados e sulfurados, impregnam as rochas, compostas basicamente por areia e argila. A extração de petróleo das areias betuminosas, por lavagem de água e produtos químicos, emite muito mais poluição do que a mesma quantidade obtida de petróleo convencional. Das areias betuminosas, extrai-se o betume que é diluído com gás natural condensado na proporção de 75% de betume para 25% de condensado.

Mas o dano ambiental não para por aí. Essa produção esgota e polui as reservas de água doce e cria lagoas gigantes de lixo tóxico. Do refino resulta uma grande quantidade de coque, um subproduto perigoso para a saúde humana e para o ambiente.

Como se não bastasse, o petróleo obtido das “tar sands” é muito mais caro, o que levou os governos Federal e estaduais dos Estados Unidos da América (EUA) a encontrar fórmulas de absorver parte dos custos e dispensar cobrança de impostos. Mas, ainda assim, quase todas as empresas que se constituíram para essa atividade faliram.


As reservas de petróleo e a política

Embora sob a roupagem técnica, as reservas de petróleo que são divulgadas para o público em geral contêm uma forte dose de interesse político e até fraudam os volumes com artifícios diversos. Analisemos a mais divulgada relação, publicada anualmente até 2022, pela empresa do Reino Unido, a British Petroleum – BP.

Ao fim da II Guerra Mundial (1948), o mundo teria 68,2 bilhões de barris de petróleo. Tem início o período que a Associação Francesa de Economia Política (Afep) denomina “os 30 gloriosos”, pois a França e também a Europa e o Brasil conhecem um período de grande crescimento que termina com as crises do petróleo em 1978.

As reservas de petróleo elevavam-se então a 645,8 bilhões de barris. Naquele ano, sempre em bilhões de barris, os EUA tinham 29,5; o Canadá, 6,0; a América Latina, 40,3; o Mundo Ocidental, 75,8; o Oriente Médio, 366,2; a África, 59,2; sobrando para Ásia e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) 68,8 bilhões de barris.

Mas é a partir da década de 1980, quando as finanças apátridas tomam o poder no Atlântico Norte, se expandindo pelas antigas, porém permanentes, colônias em todos continentes.

A produção de petróleo tem uma retração em meados dos anos 80, mas volta a crescer até a crise deste último quinquênio (2017). As reservas são mais reveladoras, conforme se observa na tabela seguinte, da BP Statistical Review.

RESERVAS PROVADAS DE ÓLEO EM BILHÕES DE BARRIS:

[Clique no quadro abaixo para melhor visualizá-lo]

Na medida em que vão sendo produzidos o óleo e o gás dos reservatórios, as reservas vão diminuindo. Para manter as produções e não reduzir as reservas, as empresas de petróleo desenvolvem métodos de recuperação das reservas.

Com a energia natural dos reservatórios, pode-se produzir até 30% dos volumes ali contidos. Esta razão entre os volumes existentes e os volumes produzidos, na ótica dos reservatórios, denomina-se Fator de Recuperação. O mais comum é promover a compressão do óleo com a injeção de gás e de água, que, pelas densidades, irá manter ou até elevar a pressão sobre o óleo impregnado nas rochas. Atualmente, pode-se, com métodos de recuperação especiais, e dependendo do óleo e das características do reservatório, atingir 75% de recuperação.

Os 30 anos observados na tabela relativos à Arábia Saudita são bom exemplo deste cuidado com a manutenção das reservas. No Canadá e nos EUA, constata-se a farsa de incluir as areias betuminosas como se fossem reservatórios convencionais de petróleo.

Cabe transcrever, em tradução livre, da ONG ambiental NRDC, o trecho seguinte:

“Há 300 anos, o explorador britânico James Knight observou a ‘goma ou breu que flui das margens’ do que hoje é o rio Athabasca, no Canadá. Knight estava descrevendo areias betuminosas, depósito lamacento de areia, argila, água e betume preto pegajoso (usado para fazer óleo sintético) que fica abaixo da floresta boreal do norte de Alberta, em região do tamanho da Flórida. Extrair e converter areias betuminosas em combustível utilizável é um empreendimento extremamente caro e intensivo em energia e água, que envolve a mineração em faixas gigantes de terra e a criação de cargas de lixo tóxico e poluição do ar e da água”.

“Apesar desses custos econômicos e ambientais, a corrida para ganhar dinheiro com esse combustível sujo foi iniciada, em meados da década de 1990, pelo aumento dos preços do petróleo. Em 2004, a produção canadense de petróleo de areias betuminosas atingiu 1 milhão de barris por dia – com grande parte da produção destinada aos EUA – e as grandes petrolíferas tinham planos ambiciosos de expansão” (Melissa Denchak, A luta suja pelo petróleo das areias betuminosas canadenses, Natural Resources Defense Council, 31 de dezembro de 2015).

As reservas da Noruega e do Reino Unido mostram que as expectativas para o Mar do Norte foram um jogo político europeu para reduzir o protagonismo árabe no petróleo mundial.

Quanto à Venezuela, foi a descoberta de petróleo na Faixa do Orinoco, correspondendo aos estados Guárico, Anzoátegui e Monagas, que transformou a Venezuela no país de maiores reservas de petróleo no mundo e responsável pelos acréscimos das reservas mundiais desde 2010. Os EUA, que perderam a gestão dessas riquezas venezuelanas a partir da Revolução Bolivariana de Hugo Chávez, em fevereiro de 1999, têm usado a agressão das sanções para impedir que a Venezuela possa auferir todos os ganhos daquela descoberta.

O crescimento das reservas brasileiras demonstra a subavaliação dos volumes para não valorizar a Petrobras, cuja alienação integral para os capitais estrangeiros é meta dos governos Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e Jair Bolsonaro. Também indicam o descaso dos governos após 2016 com a questão da energia no Brasil, submisso que está o país aos capitais financeiros, desde a denominada redemocratização, em 1985.

 
As energias e o progresso humano

As energias mostram a conquista humana da Terra. Também como foi aumentando a capacidade de transformação da natureza, em benefício do bem-estar e do conforto humano.

O homem descobriu o fogo, o uso da força dos animais, das correntes de água, o petróleo até a energia nuclear, ponto em que nos encontramos. Mas cada energia tem seu custo, sua capacidade e seus resultados. Portanto, devem-se avaliar a economia e as tecnologias para produção e uso das energias.

A energia contida em um barril de petróleo é semelhante a 5,8 milhões de unidades térmicas britânicas (MBTUs) ou 1.700 quilowatts-hora (kWh) de energia, e 1 m³ de condensado é igual a 6,29 barris.

Nessas relações, já se vê a impossibilidade de somar o óleo das areias betuminosas às do petróleo convencional, como faz a BP para reservas mundiais.

São falácias que acompanham todas as energias pretensamente ou potencialmente renováveis quando comparadas ao petróleo. Não é por qualquer outra razão que o consumo de energia fóssil corresponde a 82% do consumo total de energia no planeta. E isso, com todas as inúmeras Organizações Não Governamentais (ONGs) fazendo campanhas bilionárias contra o uso do petróleo.

O consumo de energia per capita é o verdadeiro indicador da riqueza e do bem-estar dos países. Usar o Produto Interno Bruto (PIB), seja pelo valor produzido ou pelo poder de compra, falseia a riqueza mal distribuída. E o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) também considera o PIB, a taxa de alfabetizados e matrículas escolares, que estarão muito influenciadas pela distribuição etária da população.

Vejam-se os consumos de energia per capita em países expressivos pela sua posição no poder mundial ou pela sua capacidade de atuar fora de suas fronteiras. Dados de 2021 obtidos da BP Statistical Review of World Energy e da US Energy Information Administration (EIA).

Cingapura, na Ásia, tem um dos maiores consumos de energia per capita do planeta: 161.103 kWh. Também no Oriente estão os Emirados Árabes Unidos – 134.317 kWh e o Kuwait – 113.650, entre os grandes.

Seguem-se, sempre em kWh: Noruega (105.148), Canadá (101.459), Arábia Saudita (83.635), EUA (78.634), Coreia do Sul (67.397), Luxemburgo (65.830), Bélgica (65.217), Austrália (61.297) e Suécia (60.610). A Federação Russa comparece com 59.914 kWh, e a Europa, como um todo, com 40.177 kWh. Abaixo temos o Japão (39.545), Suíça (34.322), Israel (32.816), Itália (29.800), Reino Unido (29.641) e o Chile (23.710), o primeiro sul-americano a comparecer neste rol privilegiado.

O mundo tem o consumo de 20.902 kWh per capita. Apenas a Argentina (21.057) o supera, entre os sul-americanos (além do Chile), e a Venezuela (20.011) à Ásia (18.819). O Brasil, com 16.286 kWh, só supera a América do Sul (15.836) e a África (3.985).

E não querem que aumentemos a produção do petróleo nacional, impedindo a pesquisa em áreas ainda virgens de investigação exploratória.

Que bilionárias ONGs, como Greenpeace, WWF, a pioneira UICN (1948), não queiram o desenvolvimento brasileiro, mantendo-nos como toda África, como reserva de recursos exauríveis para o futuro europeu e do Atlântico Norte, até se compreende, embora se deva combater. Mas que brasileiros, principalmente ocupando cargos nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, também o façam, é inadmissível.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, atual presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet).

Fonte: Monitor Mercantil