Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 25 de maio de 2023

ALGO MUITO ERRADO NESTE MUNDO – PARTE II

Quinta, 25 de maio de 2023


ALGO MUITO ERRADO NESTE MUNDO – PARTE II


Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 26 de maio de 2023

No texto “ALGO MUITO ERRADO NESTE MUNDO ...”, datado de 7 de abril de 2023 [acesse aqui], destaquei a notícia de que a fortuna do homem mais rico do mundo alcançou a impressionante cifra de 1,1 trilhão de reais. Disse mais. Para se ter uma mínima ideia do tamanho desse patrimônio, podemos imaginar uma inusitada situação. Para o trilionário Bernard Arnault, maior acionista do conglomerado LVMH, “consumir” sua fortuna, precisaria gastar cerca de 30 milhões de reais por dia durante 100 anos.

Outra notícia, veiculada no dia 1º de maio de 2023, reforça a afirmação anterior de que existe algo muito errado neste mundo. Segundo dados do relatório anual do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), considerada uma das principais entidades globais de análise de conflitos, os gastos militares bateram o recorde de 2,24 trilhões de dólares, algo em torno de 11 trilhões de reais, em 2022 (fonte: noticias.uol.com.br).

Esta é a lista dos dez países com maiores despesas na área militar no ano de 2022: a) Estados Unidos (US$ 877 bilhões, equivalente a R$ 4,44 trilhões); b) China (US$ 292 bilhões, equivalente a R$ 1,47 trilhão); c) Rússia (US$ 86,4 bilhões, equivalente a R$ 437 bilhões); d) Índia (US$ 81,4 bilhões, equivalente a R$ 412 bilhões); e) Arábia Saudita (US$ 75 bilhões, equivalente a R$ 379 bilhões); f) Reino Unido (US$ 68,5 bilhões, equivalente a R$ 347 bilhões); g) Alemanha (US$ 55,8 bilhões, equivalente a R$ 282 bilhões); h) França (US$ 53,6 bilhões, equivalente a R$ 271 bilhões); i) Coreia do Sul (US$ 46,4 bilhões, equivalente a R$ 235 bilhões); e j) Japão (US$ 46 bilhões, equivalente a R$ 233 bilhões).

Recupero alguns dados apresentados no escrito anterior (“ALGO MUITO ERRADO NESTE MUNDO ...”). Segundo o relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022, lançado pela ONU: a) quase 924 milhões de pessoas, ou 11,7% da população global, enfrentaram insegurança alimentar em níveis graves, um aumento de 207 milhões em dois anos e b) quase 3,1 bilhões de pessoas não podiam pagar uma dieta saudável em 2020 (fonte: brasil.un.org). A alta comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, afirmou que "mais de 4 bilhões de pessoas, mais da metade da população mundial, não têm acesso a nenhum tipo de proteção social" (fonte: vaticannews.va).

Apresento outros dados igualmente estarrecedores. Segundo o relatório Poverty and Shared Prosperity (Pobreza e Prosperidade Compartilhada), do Banco Mundial, divulgado em 2022, cerca de 719 milhões de pessoas sobreviviam com menos de 2,15 dólares por dia no final de 2020 (fonte: ambientelegal.com.br). “Mesmo antes da pandemia de Covid-19 e da atual crise de custo de vida, os dados mostravam que 1,2 bilhão de pessoas em 111 países em desenvolvimento viviam em pobreza multidimensional aguda. Isso é quase o dobro do número de pessoas consideradas neste grupo com base na definição da pobreza, que é sobreviver com menos de US$ 1,90 por dia” (fonte: news.un.org). Essa última consideração decorre de análise realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e da Iniciativa Oxford de Pobreza e Desenvolvimento Humano, da Universidade de Oxford. O estudo, divulgado em outubro de 2022, não se concentra na renda para entender como as pessoas vivenciam a pobreza. São observados diferentes aspectos, desde acesso à educação e saúde, a padrões de vida como moradia, água potável, saneamento e eletricidade.

Disse antes, e repito agora, que a situação atual, tanto na sociedade brasileira quanto mundial, é perturbadora, para dizer o mínimo. Além das desigualdades socioeconômicas cada vez mais acentuadas também enfrentamos problemas enormes, como: a) uma crise ambiental profunda; b) uma forte financeirização parasitária da economia que coexiste com corporações transnacionais poderosas e Estados nacionais relativamente impotentes e c) a erosão dos valores democráticos e dos direitos humanos, que inclui a crise da democracia representativa tradicional e a abordagem ainda deficiente dos direitos da natureza e dos animais. Enfrentar essas questões e construir uma sociedade democrática, justa e sustentável é uma tarefa extremamente difícil, mas não é impossível.

Nesse contexto, é inacreditável, com toda dose de ingenuidade que possa ser atribuída a essa inquietação, que a humanidade, diante de todos os problemas humanitários destacados e outros tantos não mencionados, comprometa a montanha de recursos referida inicialmente com artefatos voltados para produzir dor, sofrimento e morte em magnitudes estratosféricos.

Onze trilhões de reais de despesas militares anuais no mundo quantificam, sem o menor espaço para dúvidas e tergiversações, o tamanho do atraso civilizatório vivenciado no Planeta Azul. Avançamos um bocado, desde os tempos da pedra lascada como artefato bélico, mas ainda engatinhamos nos primeiros degraus na escala universal do progresso moral. Reza a lenda que o grande Albert Einstein teria afirmado: “Não sei como será a Terceira Guerra Mundial, mas poderei vos dizer como será a Quarta: com paus e pedras”.

Atualmente, entre os espíritas, e mesmo para além deles, é comum encontrar afirmações no sentido de que a Terra passa por uma peculiar transição. De um mundo de provas e expiações, em que o destrutivo prepondera sobre o construtivo, estaríamos passando para um mundo em que o positivo supera o negativo. Não rejeito o sentido geral da evolução planetária. Só não estou convencido de que estamos experimentando o aludido momento de transição. A realidade socioeconômica e os dados dela emergentes não parecem apontar nesse sentido. E, ainda, é preciso considerar a hipótese de a humanidade destruir toda a vida (tal como a conhecemos) num intervalo de tempo relativamente curto (poluição, aquecimento global, guerra nuclear, inteligência artificial descontrolada, etc).

Disse e repito. Antes de ser qualificado como comunista, como milhões e milhões de almas sensíveis à justiça social, expresso uma preocupação em sentido diverso. Esperanço (do verbo esperançar) uma organização socioeconômica da humanidade que antecipe o Céu (ou o Mundo Espiritual) na Terra. Sou um “ceuista”.

Acredito na possibilidade, ainda por aqui, de um sistema de produção e distribuição de riquezas que não transforme tudo em mercadoria, não destrua nossa casa cósmica e não persiga lucro e acumulação patrimonial acima de tudo e de todos. Se no Céu (ou no Mundo Espiritual) não existem desigualdades e injustiças sociais, é uma utopia legítima pretender que comecemos “imediatamente” a treinar ou nos acostumar com esses novos padrões de convívio como dominantes. Inegavelmente, são parâmetros radicalmente diferentes dos experimentados atualmente nos domínios de Arnault, da poderosa indústria bélica e companhia limitada (muito limitada, limitadíssima).