Quarta, 16 de agosto de 2017
Fonte: Blog Bahia em Pauta
DO EL PAIS
Heloísa Mendonça
Afonso Benites
São Paulo
São Paulo
Foram dias de uma arrastada novela fiscal, mas o Governo Temer não
foi capaz de mudar seu triste final. Pouco mais de um ano após assumir o
poder pregando uma política de austeridade capaz de deter a trajetória
explosiva do rombo nas contas públicas, a equipe do ministro Henrique
Meirelles (Fazenda) anunciou nesta terça que a meta fiscal, a estimativa
feita pelo próprio Governo da diferença entre gasto e receita, será
alterada. Reconhecendo problemas com as previsões de arrecadação, em
parte por causa da lenta retomada econômica, e tentando corrigir
concessões políticas como o aumento a servidores federais maior do que a
inflação – que agora será congelado no ano que vem –, a equipe
econômica disse que o déficit primário vai saltar dos atuais 139 bilhões
para 159 bilhões de reais. Meirelles destacou que a queda da inflação
também influenciou para baixo a arrecadação. A meta fiscal de 2018
também foi revisada para R$ 159 bilhões. Pior: a equipe deixou de prever
superávit (receitas maior que a despesa) em 2020.
A mudança na meta fiscal, que depende, agora, de aprovação do
Congresso Nacional, é uma derrota para a equipe de Meirelles, que é
adorado pelos investidores que viam nele as melhores chances de
reequilibrar as contas públicas. O estabelecimento de uma meta rigorosa,
que exprima redução de gastos, e principalmente a determinação em
cumpri-la, é um dado visto com lupa pelo mercado, que o considera um
indicador de que o Governo tem condições de quitar as suas dívidas. Do
ponto de vista prático dos que recebem serviços do Estado brasileiro, os
números também podem ser preocupantes: quando as despesas do Governo
superam as suas receitas, como é o caso agora, não sobra dinheiro para
fazer investimentos nem para programas de fomento à economia. A situação
fiscal do país é considerada grave e, mesmo para cumprir a nova meta,
vários serviços públicos estão à míngua ou à beira do colapso.
Para tentar conter o rombo nas contas, o Governo anunciou uma série
de medidas que visam reduzir as despesas para 2018. Entre elas estão o
congelamento do reajustes de servidores federais no próximo ano, a
instituição de um teto salarial para o serviço público – que não poderá
passar dos 33.700 reais-, o cancelamento de reajustes de cargos
comissionados, limites para ajuda de custo de transferências e
auxílio-moradia de servidores, a extinção de 60.000 cargos públicos,
atualmente vagos, e a redução de salário inicial para novos concursados.
Todas as medidas, no entanto, dependem da aprovação do Congresso.
Já no lado da arrecadação, a equipe econômica também propôs algumas
medidas como o aumento de contribuição previdenciária dos servidores
públicos, que passará de 11% para 14%, e uma mudança na tributação de
fundos de investimento fechados que passaria a ser anual.
O ministro deixou claro, no entanto, que as medidas para conter o
rombo e a própria revisão da meta dependerá dos parlamentares. “Contamos
com a aprovação do Congresso para a revisão da meta no menor patamar
possível. Sem a aprovação das medidas pelo Congresso, o aumento do
déficit pode ser ainda maior. Mas o Congresso é soberano e respeitamos
as decisões”, disse.
Jucá antecipa Meirelles
Ao definirem praticamente o mesmo rombo obtido no ano passado (154
bilhões de reais), o Governo Temer buscou sinalizar que, pelo menos, a
trajetória das contas públicas não piorou na sua gestão em relação a da
ex-presidente Dilma Rousseff. “Que imagem passaríamos ao mercado se,
depois de pregarmos um ajuste fiscal rigoroso, gastássemos mais do que
quem quebrou o país”, disse uma fonte palaciana ao EL PAÍS. A queda de
braço entre os núcleos político e econômico para fechar as contas, no
entanto, foi intensa. Várias reuniões entre ministros e Temer
aconteceram nos últimos dias – inclusive no fim de semana – e o anúncio
da meta chegou a ser adiado e remarcado mais de uma vez. Enquanto a ala
política insistia em um déficit maior – de 170 bilhões – para dar mais
espaço aos gastos, a econômica queria um rombo menor para mostrar
coerência nas medidas de austeridade e também passar maior confiança ao
mercado financeiro.
Até o anúncio em si foi contaminado pelo teatro da disputa entre as
alas do Governo. Os números foram divulgados oficialmente pelos
ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo de Oliveira
(Planejamento) em uma entrevista coletiva no começo da noite. Momentos
antes, porém, o senador Romero Jucá, líder do Governo no Senado e
ex-ministro do Planejamento (ele caiu por causa do escândalo da Operação
Lava Jato), antecipou as cifras a jornalistas e até medidas concretas
anunciadas depois,como a extinção de 60 mil cargos na máquina pública.
A novela do anúncio movimentou também os mercados. Pela manhã,
Meirelles já tinha negado que o número da meta pudesse chegar a 170
bilhões de reais o que tranquilizou os agentes financeiros e melhorou o
humor do mercado. Depois da fala do ministro, o dólar atingiu novas
mínimas e fechou em baixa de 0,79%, cotado a 3,17 reais. O ministro
também voltou a descartar novo aumento de impostos. “A carga tributária
do Brasil já é uma das mais elevadas do mundo e a sociedade já paga
impostos na medida suficiente”, disse a jornalistas. A decisão de não
elevar impostos veio após o Governo aumentar as alíquotas do PIS/Cofins
sobre combustíveis recentemente, medida que desagradou a população e
deve gerar receitas da ordem de 10 bilhões de reais só neste ano.
Na avaliação de Sérgio Valle, economista-chefe da MB Associados, a
revisão da meta está dentro do que se imaginava dado o padrão dos gastos
públicos que continuam aumentando e, especialmente, a frustração de
receitas deste ano. “A crise de maio [envolvendo o presidente em
delações da JBS] abortou o crescimento da economia e de receitas
extraordinárias. Junta frustração de receita junto com dificuldades de
achar gastos adicionais de serem cortados”, explica.
A mudança da meta adia ainda mais o desejado reequilíbrio das contas
públicas, segundo Valle, e aumenta a dívida bruta do país, que no ano
passado chegou a 70% do Produto Interno Bruto (PIB). “Acredito que o
mercado entende como razoável a mudança da meta, porque ainda acredita
na possibilidade da Reforma da Previdência passar ainda que um pouco
enxugada. A questão é que quanto mais ela demorar a ser aprovada o teto
do gasto pode ficar insustentável”, ressalta o economista.
Agências de risco
A maior flexibilização do rombo das contas públicas brasileiros,
tanto deste ano como do outro, pode ainda gerar efeitos colaterais
amargos. Economistas acreditam que algumas agências de classificação de
risco devem rebaixar ainda este ano a nota de crédito do Brasil, que
hoje já é considerado um país de grau especulativo pelas três maiores
agência de rating S&P, Moody’s e Fitch. “Ao rever a meta, a reação
de pelo menos uma agência de risco será inevitável. Ficaria surpreso se
nenhuma agência não fizer nada”, afirmou o economista-chefe do Itaú,
Mário Mesquita, em evento no banco nesta terça. A expectativa era que a
primeira a reduzir a nota seria a Standard & Poor’s, mas ainda
durante o anúncio de Meirelles a agência manteve o rating global BB do
país e colocou a perspectiva em negativa. De acordo com a agência, a
economia mostra sinais de estabilização apesar das questões políticas. A
notícia foi lida pelo ministro da fazenda aos jornalistas e foi um dos
poucos momentos de alívio de Meirelles na coletiva.
Os efeitos práticos da meta fiscal
O que é meta fiscal?
É a economia que o Governo define anualmente para quitar o pagamento
da dívida pública. A meta é resultado da subtração de dois valores: a
expectativa de receita arrecadada e a expectativa de gastos. Desta
conta, é possível obter um superávit (saldo positivo) ou déficit (saldo
negativo).
Qual o problema de ter um déficit?
Quando as despesas do Governo superam as suas receitas, não sobra
dinheiro para fazer investimentos nem para programas de fomento à
economia. Além disso, manter as contas públicas em ordem é um indicador
para o mercado de que o Governo tem condições de quitar as suas dívidas.
Foi justamente o elevado grau de endividamento público que tirou do
Brasil o selo de bom pagador, conhecido como “grau de investimento”,
concedido pelas agências de classificação de risco internacionais.
Como o déficit afeta a minha vida?
Acumular superávit fiscal, ou seja, gastar menos do
que se arrecada, é importante para que o Governo consiga pagar suas
dívidas e promover gastos estratégicos, como fomentar investimentos na
economia, garantir programas sociais, e quitar o pagamento de despesas
obrigatórias, que envolvem áreas como saúde e educação. Nesse sentido,
quanto menor for o resultado primário (diferença entre receita e
arrecadação), menos espaço para gastar terá o Governo.