Quarta, 30 de agosto de 2017
André Richter - Repórter da Agência Brasil
O
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso votou
hoje (30) a favor da ação da Procuradoria-Geral da República (PGR) que
pede que a Corte reconheça que o ensino religioso nas escolas públicas
deve ser de natureza não confessional, com a proibição de admissão de
professores que atuem como representantes de confissões religiosas. Após
o voto do ministro, relator do caso, o julgamento foi suspenso e será
retomado na sessão de amanhã (31), prevista para começar às 14h.
Único
a votar na sessão desta tarde, Barroso votou para dar interpretação
conforme a Constituição e declarar que o ensino religioso nas escolas
públicas de todo o país deve ser de forma não confessional, com
proibição de admissão de professores ligados a qualquer religião e com
matrícula facultativa.
A ação da PGR foi proposta em 2010 pela
então vice-procuradora Débora Duprat. Segundo entendimento da
procuradoria, o ensino religioso só pode ser oferecido se o conteúdo
programático da disciplina consistir na exposição “das doutrinas,
práticas, histórias e dimensão social das diferentes religiões”, sem que
o professor tome partido.
Para a procuradora, o ensino religioso
no país aponta para a adoção do “ensino da religião católica”, fato que
afronta o princípio constitucional da laicidade. O ensino religioso
está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no
Decreto 7.107/2010, acordo assinado entre o Brasil e o Vaticano para o
ensino da matéria.
Relator
Se o voto do
relator prevalecer no retorno do julgamento, alguns estados serão
obrigados a rever o atual modelo de ensino religioso porque não houve
regulamentação nacional sobre o tema pelo Ministério da Educação.
Segundo Barroso, alguns estados, como a Bahia, Ceará e Rio de Janeiro,
adotam modelo confessional, ligado a uma religião. Outros realizam
matrícula automática dos alunos na disciplina e não oferecem opções para
substituir a matéria.
Barroso iniciou a fundamentação de seu
voto afirmando que o Estado deve assegurar a liberdade religiosa e
conservar uma posição de neutralidade, sem privilegiar ou favorecer
nenhuma religião. "O que está em jogo é a definição do papel do Estado
na educação religiosa de crianças e adolescentes brasileiros. Cumpre,
portanto, estabelecer qual a melhor forma de prepará-los com valores e
informações para que possam fazer as suas próprias escolhas na vida",
disse.
De acordo com o ministro, o ensino confessional é
inconstitucional por entender que a sala de aula, como local público,
não pode ser usada para pregação de uma religião específica e o Estado
não pode permitir que professores sejam contratos como representante das
religiões. “O ensino religioso confessional viola a laicidade porque
identifica estado e igreja, o que é vedado pela Constituição. A
incompatibilidade parece patente”, concluiu.
PGR
Durante
o julgamento, ao se manifestar novamente sobre o caso, a
Procuradoria-Geral da República (PGR) voltou a defender a ação. Para o
procurador-geral, Rodrigo Janot, as escolas e professores não podem
tomar partido sobre as diferentes denominações religiosas.
"A
única forma, ao ver do Ministério Público, de compatibilizar o caráter
laico do Estado brasileiro com o ensino religioso nas escolas públicas é
através da adoção de modelo não confessional, em que o conteúdo
programático da disciplina consiste na exposição das doutrinas das
práticas da história e das dimensões das diferentes religiões, sem
qualquer tomada de partido por parte dos educadores".
Outro lado
O
advogado Fernando Neves, representante da Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), defendeu a obrigatoriedade do ensino religioso
por estar previsto na Constituição. Além disso, Neves argumentou que o
poder público não pode impedir o cidadão de ter a opção de aprofundar os
conceitos sobre sua fé.
“O ensino religioso não é catequese, não
é proselitismo. É aprofundamento daquele que já escolheu aquela fé, por
si ou por sua família. Os alunos são livres para frequentar”,
argumentou.
Advocacia-Geral da União
Durante
o julgamento, a advogada-geral da União, Grace Mendonça, defendeu
também o ensino religioso nas escolas públicas no formato atual. Para
ela, ao prever expressamente a disciplina, a Constituição obriga o
Estado a oferecê-la. Gracie argumentou que a oferta da disciplina nas
escolas públicas fortalece a democracia, tornando-a mais inclusiva.
“O
que fortalece mais a democracia, eliminarmos o ensino confessional ou
ampliarmos a base do ensino confessional, permitindo que todas as
crenças se desenvolvam no ambiente escolar? O ensino é ofertado pelo
Estado, mas não se impõe qualquer tipo de credo. O que se busca aqui, na
verdade, é assegurar uma democracia mais forte e mais inclusiva”,
disse.
Em 2011, a Agência Brasil publicou uma
série de matérias retratando o desafio das escolas brasileiras de
oferecer um ensino religioso que respeite as diversas crenças. O
especial Escolas de Fé: a Religião na Sala de Aula foi vencedor do Prêmio Andifes de Jornalismo 2012, na categoria educação básica.