Quarta, 30 de agosto de 2017
Helena Martins - Repórter da Agência Brasil
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão colegiado
composto por representantes do Estado e de organizações da sociedade
civil, editou resolução
em que manifesta “repúdio” a iniciativas de restrição da discussão
sobre a vida política, nacional ou internacional, e também relativa a
gênero e sexualidade nas escolas do país. O posicionamento foi aprovado
por consenso pelos integrantes do Conselho, em reunião presencial
realizada na última semana.
Com a medida, o CNDH estabelece um
contraponto ao chamado movimento Escola sem Partido, que tem fomentado a
aprovação de legislações em estados e municípios. Um dos exemplos dessa
proposta é o Projeto de Lei (PL) 867, que tramita Câmara dos Deputados
desde 2015. O texto propõe que sejam vedadas, em “sala de aula, a
prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de
conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com
as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos
estudantes”.
O movimento Escola sem Partido foi fundado em 2004 pelo procurador de Justiça de São Paulo Miguel Nagib.
Em 2014, ganhou força quando se transformou no Projeto de Lei
2974/2014, apresentado na Assembleia Legislativa Estadual do Rio de
Janeiro (Alerj). O movimento é contrário ao que chama de “doutrinação
ideológica” nas escolas e disponibilizou modelos de projetos de lei,
estadual e municipal, a fim de que a iniciativa fosse replicada em
outros locais do país. Nos últimos anos, essa perspectiva ganhou espaço no debate público, e gerou polêmica entre a comunidade escolar.
A posição do CNDH acompanha a da Organização das Nações Unidas (ONU),
que em abril deste ano recomendou que o governo brasileiro tome
atitudes necessárias para conduzir uma revisão dos projetos de lei (PLs)
que expressam as diretrizes do Escola sem Partido”. Baseado na
Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em
outras regras, o CNDH aponta que o direito à educação deve ser
assegurado e que o Estado deve buscar garantir o direito à igualdade e à
não-discriminação.
Tendo em vista que é no
período escolar escolar que muitas crianças e adolescentes começam a
manifestar suas diversas formas de sexualidade, podendo sofrer
preconceitos por isso, o silenciamento da escola sobre temas de gênero e
sexualidade poderá gerar permanência da violência, em vez do combate à
discriminação, avalia o órgão. Diante disso, “a censura a assuntos
relacionados à orientação sexual e à identidade de gênero constitui
grave obstáculo ao direito fundamental de acesso e permanência de
crianças e adolescentes na escola, pois contribui para um ambiente
hostil no qual as diferenças não são respeitadas, dificultando o
aprendizado e o processo de socialização”.
A resolução também
demonstra a preocupação do conselho com a disponibilização, em sites na
internet, de modelos de notificação extrajudicial que ameaçam processar
diretores e professores que abordem conteúdos sobre gênero e sexualidade
nas escolas. O órgão destaca que a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) fixa que o ensino será ministrado com base em
princípios como a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber”, o “pluralismo de ideias e de
concepções pedagógicas” e o “respeito à liberdade e apreço à
tolerância”.
Entendimento do STF
A
resolução do CNDH sugere ainda que o Conselho Nacional da Educação (CNE)
“efetivamente esclareça a todos os gestores e instituições pertencentes
ao sistema" sobre a inconstitucionalidade de duas iniciativas que
objeto de ações que trataram de leis aprovadas no estado de Alagoas e no
município de Paranaguá (PR).
No primeiro caso, a lei criava o
programa “Escola Livre”, que vedava “a prática de doutrinação política e
ideológica, bem como quaisquer outras condutas por parte do corpo
docente ou da administração escolar que imponham ou induzam aos alunos
opiniões político-partidárias, religiosa ou filosófica”. No segundo,
proibia o ensino sobre gênero e orientação sexual nas escolas de
Paranaguá. Ambas as iniciativas foram analisadas pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), que as considerou inconstitucionais. No caso da
legislação alagoana, o STF destacou que a supressão de temas das salas
de aula desfavorece o pleno desenvolvimento da pessoa, além de ir de
encontro à proteção ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
Escola sem Partido
Para
o fundador do movimento Escola sem Partido, o procurador de Justiça de
São Paulo Miguel Nagib, “a proposta do movimento Escola Sem Partido não
restringe a discussão científica de nenhuma questão; até mesmo as
questões de gênero podem e, na minha opinião, devem ser discutidas
cientificamente”, por meio da apresentação de teorias diversas sobre o
tema. O que o projeto busca evitar, segundo ele, é “adotar dogmatismo”
ou “doutrinação”. "O que não se pode fazer, por exemplo, é vestir
criança com roupa de menina, constranger menino a brincar de boneca.
Isso não é ciência, é manipulação de comportamento”, opina. Na avaliação
dele, crianças ainda não estão formadas para fazer uma leitura crítica
de discussões controversas.
Nagib é também um dos autores dos
exemplos de notificação extrajudicial citados na resolução do CNDH. Para
ele, o instrumento possibilita que um pai que se sentir lesado pelo
ensino ofertado ao filho na escola possa notificar o professor para que
ele saiba que a conduta em sala de aula poderá resultar em processo. De
acordo com o procurador, a proposta está baseada na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, que tem peso de lei no Brasil. O artigo 12 da
convenção dispõe que: “os pais, e quando for o caso os tutores, têm
direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e
moral que esteja acorde com suas próprias convicções”.
Questionado
sobre como compatibilizar perspectivas individuais em uma escola
pública, por exemplo, onde há opiniões heterogêneas, ele aponta que,
nesses casos, “a única solução para o professor é se abster de tratar de
convicções religiosas e morais, deixando esses assuntos a cargo da
família”, defende.