Quarta, 30 de agosto de 2017
Camila Boehm – da Agência Brasil
O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP), a Defensoria
Pública e conselhos de classe disseram ontem (29) que o Programa
Redenção é ineficaz. A iniciativa da prefeitura paulistana é aplicada a
usuários de drogas, especialmente na região da Cracolândia. As entidades
apontaram falhas como falta de alternativa à internação, inexistência
de um projeto terapêutico individualizado, falta de profissionais nas
unidades de saúde, ociosidade dos pacientes durante a internação e falta
de acompanhamento após a desintoxicação.
A avaliação das entidades foi feita durante coletiva de imprensa para apresentação do relatório técnico Estamos de Olho: Avaliação Conjunta dos Hospitais Psiquiátricos do Projeto Redenção, na região central da capital paulista.
De
acordo com o representante do Conselho Regional de Medicina de São
Paulo (Cremesp), Mauro Aranha, o programa não tem um plano de
atendimento e corresponde a apenas ao processo de desintoxicação durante
a internação. “A internação é uma parte mínima dessa linha de
tratamento [que inclui reparação das vulnerabilidades física,
psicológica e social]. Idealmente antes da internação já deveria haver
um plano terapêutico singular [individualizado]”, disse.
O
tratamento, no entanto, se resume a aproximadamente um mês de
desintoxicação e abstinência. “A insuficiência de equipe de outras
profissões da saúde mental faz com que os pacientes fiquem ociosos,
apenas cumprem um tratamento de desintoxicação e prevenção de síndrome
de abstinência e, no mais das vezes, sem ter feito antes um planejamento
terapêutico global em linha”, disse.
Não individualizado
Quando
o paciente tem condições médicas de alta dos hospitais psiquiátricos,
são encaminhados na maioria das vezes para os Centros de Atenção
Psicossocial (Caps). Segundo Aranha, este modelo é genérico e não
individualizado. “Essa é uma população que precisa de um gerente de
caso, que vai seguir aquele indivíduo do início ao fim da linha de
tratamento e ele vai buscar ativamente esse indivíduo se a ele não
cumprir alguma etapa do tratamento. Isso não foi detectado na nossa
fiscalização”, disse.
Aranha disse que quando se esvazia as ruas
dessas pessoas, se está tratando as ruas, não as pessoas. “Elas vão ter
alta e vão voltar para as ruas, vão voltar para a Cracolândia da Sé ou
para as cracolândias diversas da cidade e do estado de São Paulo. Elas
não vão às suas famílias, elas não vão a equipamentos sociais de
abrigamento, que aliás são muito poucos. O que significa que se a
vulnerabilidade psicológica e social mantém-se a mesma, volta-se num
círculo vicioso ou numa porta giratória à Cracolândia”.
Ministério Público
O
promotor Arthur Pinto Filho disse que o propósito é estabelecer um
processo de negociação com a prefeitura sobre os equívocos cometidos na
execução Programa Redenção e que a via judicial é uma alternativa caso
não haja sucesso no diálogo.
“Acreditamos que a prefeitura tenha
todo o interesse de corrigir, ninguém quer jogar dinheiro pela janela,
não está sobrando. Então o objetivo nosso é, a partir dessa reunião,
entrar em um processo de negociação para que isso tudo que foi apontado
[no relatório] seja solucionado. Se não tudo, pelo menos grande parte
disso. Se isso não for feito, então teremos que buscar essa questão do
Judiciário”, disse.
Pinto Filho disse que os altos gastos com um
programa de atendimento a usuários de drogas que não é satisfatório é o
que mais me chama a atenção. “Os dados preliminares mostram algo em
torno de R$ 1,8 milhão por mês para esses três hospitais [alvo da
fiscalização] de dinheiro do SUS [Sistema Único de Saúde]. O que está
acontecendo? O cidadão está indo lá, ele faz em alguns dias uma
desintoxicação e ele volta [para o uso de drogas] porque não tem uma
saída articulada”, disse.
De acordo com o promotor, o Programa
Redenção estava sendo discutido desde março entre entidades da sociedade
civil e com o próprio MP. No entanto, após a ação policial na
Cracolândia em 21 de maio deste ano, a prefeitura não implementou o que
estava previsto inicialmente no projeto e deu início a uma série de
“situações erráticas”.
“Uma hora quer se fazer internações
compulsórias em massa, outra hora fala dos hospitais. Nós estivemos em
um hospital ali no Jaraguá, que estava como sendo um daqueles para as
pessoas serem encaminhadas. O hospital estava fechado. Quando o Nat
[Núcleo de Apoio Técnico do MP] estava lá, chegou uma ambulância com
gente para ser internada no hospital fechado. É uma bateção de cabeça
total, medidas erráticas, sem lógica nenhuma”, disse.
Ajustes cumpridos
O
coordenador chefe do Programa Redenção, Arthur Guerra, estava na
apresentação do relatório e disse que todos os ajustes citados serão
cumpridos. “Queria parabenizar o trabalho que vocês fizeram aqui, um
trabalho minucioso, detalhado. Apenas identificando onde estamos
errando, que nós podemos seguir adiante”, disse.
“Não achamos que
a internação seja um mecanismo mágico, milagroso, que vai resolver o
problema dos pacientes. Em nenhum lugar do mundo é assim. Nós
desenvolvemos um núcleo gestor que tem a função de ir aos hospitais e
identificar para onde esse paciente, que está internado ainda, quando
ele sair, para onde ele vai”, disse. De acordo com ele, são 26 Caps
especializados no atendimento a usuários de álcool e drogas no
município.
A rede de entidades responsável pela fiscalização
inclui Conselho Regional de Medicina de São Paulo, Conselho Regional de
Enfermagem, Conselho Regional de Psicologia, Conselho Municipal de
Política de Álcool e Drogas, Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa
Humana de São Paulo, Conselho Regional do Serviço Social de São Paulo,
Conselho Regional de Nutricionistas, Ministério Público e núcleos
especializados da Defensoria Pública (Infância e Adolescência, Direito
da Mulher, Idoso e Pessoa com Deficiência, Cidadania e Direitos
Humanos).