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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

TCU: auditores reagem a ataques de Lula e governistas

Quarta, 4 de novembro de 2009
do site Contas Abertas
TCU: auditores reagem a ataques de Lula e governistas
Interesse estranho
Em entrevista ao Contas Abertas, a presidente da União dos Auditores Federais de Controle Externo (Auditar), Bruna Mara, defendeu a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) e criticou os ataques do presidente Lula e membros do governo à instituição. “Nosso corpo técnico é um dos melhores do país, reconhecido internacionalmente. Não há nepotismo nem cargos comissionados no tribunal”, afirmou. No início de outubro, o TCU entregou ao Congresso Nacional uma relação contendo 41 obras com “graves indícios de irregularidade”, como superfaturamento, licitação irregular e problemas ambientais. Dentre os empreendimentos, foram encontrados 13 do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que somam quase R$ 7,4 bilhões.

Irritados com as paralisações das obras, o presidente Lula e alguns ministros criticaram a atuação do TCU e lançaram ao vento as dúvidas: estaria a Corte de Contas trazendo, propositalmente e sem qualquer critério, entraves ao andamento do PAC? Falta sensibilidade aos técnicos do tribunal quanto às carências do país? Após ouvirem duras críticas sobre os frutos do seu trabalho, auditores do TCU decidiram se reunir para debater e esclarecer dúvidas sobre o modelo de fiscalização adotado para recomendar a paralisação de obras. Na próxima sexta-feira, a Auditar fará uma coletiva para falar sobre a atuação dos auditores.

Além da presidente da Auditar, Bruna Mara, participaram da entrevista realizada pelo Contas Abertas (CA) na última sexta-feira nas instalações da entidade, na sede do TCU, em Brasília, o diretor parlamentar e jurídico da Auditar, Cláudio Avellar, a ex-presidente da instituição Glória Merola e o membro do Conselho Fiscal Leônidas Mourão.

CA - Sabe-se que o tribunal começou a determinar paralisação de obras a partir das graves irregularidades encontradas na construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), caso em que ficou conhecido o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. Quais as vantagens do atual modelo de fiscalização do TCU em relação ao utilizado anteriormente, quando o tribunal apenas encaminhava ao Congresso informações sobre a situação das obras?

Bruna Mara - Na verdade, o papel do tribunal não mudou. Continua o mesmo. Antes deste caso do TRT, o tribunal já informava ao Congresso Nacional as obras com indícios de irregularidades. Só que a partir deste episódio emblemático, o papel do Congresso Nacional passou a ser diferente. Ele passou a determinar a suspensão de recursos orçamentários para essas obras com indícios de irregularidades. A principal vantagem deste sistema é que o controle passar a ser preventivo.

Glória Merola – É preciso lembrar que o presidente Fernando Henrique Cardoso também teve um programa de investimentos selecionados no orçamento da União semelhante ao PAC: o Avança Brasil. Mas ele nunca ‘colocou fogo’ no tribunal dizendo que nós atrapalhamos o Avança Brasil. Por isso, é muito estranho criticar um procedimento que já vinha sendo adotado e que simplesmente passa a ser questionado agora, como se o tribunal fosse o grande agente vilão da história, atrasando o desenvolvimento do país.

Contas Abertas (CA) - Segundo o presidente Lula, o governo elaborou por dois anos uma licitação para entregar 350 mil computadores a crianças nas escolas. “Demorou dois anos para que o Tribunal de Contas permitisse que houvesse a licitação. Agora, as pessoas não medem qual é o prejuízo para a nação e para as crianças se você ficar dois anos esperando”. Em casos como este, o tribunal leva em consideração o benefício social que o serviço pode trazer ou a avaliação é de que o controle rigoroso gera maior economia e, consequentemente, é mais vantajoso no futuro?

Bruna Mara - Pesquisamos a respeito deste pregão especificamente e vimos que foi realizado do final de 2008 e que na verdade se refere à compra de 150 mil. Na ocasião, o TCU foi provocado em função de falhas no processo licitatório. Pela análise dos fatos, foram identificados alguns problemas como a ausência de identificações orçamentárias, ou seja, a fonte de recursos que financiaria a compra dos laptops, além da ausência de especificações técnicas que impediriam a comparação de preços. Diante disso houve uma suspensão cautelar e foram identificadas falhas no edital do FNDE. Em março, o ministro José Jorge se pronunciou no processo e revogou a cautelar e mandou dar continuidade ao processo de licitação.

Bruna Mara - Quando o pregão foi finalizado, a empresa que ganhou não quis mais fornecer os computadores e, assim, chamaram a segunda colocada, o que já é um fato muito estranho. Em resumo, este é um caso prático que mostra que o tribunal se preocupa com o benefício social de forma célere, porque não se sabia as especificações técnicas do produto. As coisas que o presidente Lula falou não são verdadeiras. Ele fala qualquer bobagem e a imprensa infelizmente publica como se o fato fosse verdade. Eu acredito que o tribunal é muito rigoroso com as obras que estão paralisadas. No caso das obras o TCU determina, muitas vezes, a retenção dos recursos, e não a paralisação da obra. Essas questões não podem ser tratadas genericamente, mas sim caso a caso.

CA - O presidente Lula também defendeu o entendimento entre as instituições sobre a necessidade de manter a realização das obras do PAC e criticou que "até pessoas de quarto escalão resolvem que não pode fazer e acabou". Qual a qualificação dos servidores do tribunal responsáveis pelas auditorias?

Bruna Mara - Neste caso é importante dizer que o quarto escalão ao qual o presidente está se referindo são os parlamentares do Congresso Nacional, pois quem manda paralisar a obra é o Congresso e não o TCU. O tribunal faz apenas recomendações técnicas com base em indícios de irregularidades. O corpo técnico do TCU é todo formado por concursados; em concurso reconhecido como um dos mais difíceis do país. Além disso, há um reconhecimento internacional com entidades de fiscalização superior nas áreas de regulação, auditoria, controle externo e fiscalização. Aqui no tribunal não tem nepotismo, não tem cargos comissionados na área de auditoria. Todos os servidores são concursados.



Glória Merola – Quando o presidente Lula falou ‘funcionário de baixo escalão’, ele provavelmente estava se referindo a um auditor. Mas, na verdade, nenhum auditor do tribunal pode paralisar coisa nenhuma. O trabalho do auditor é realizado também pelo corpo técnico, ou seja, seu diretor, seu secretário, passa pela assessoria, depois vai para o ministro e ainda vai ao plenário, que é um colegiado de ministros. Então, a decisão final passa por todas essas instâncias técnicas. Jamais um auditor, sozinho, teria poder para paralisar algo. O que acontece é que o presidente ou está mal assessorado e mal informado ou está prestando um desserviço. O órgão de controle externo do Brasil é um dos mais sérios da América Latina.

Glória Merola – Não há uma pessoa a ser responsabilizada quando acontece alguma coisa. Se alguém tem que ser responsabilizado, este alguém é o gestor, que deveria estar implementando ações de acordo com a lei e o interesse público. Esse sim é que fez alguma coisa errada e nós que vamos saber o porquê para prestar contas à sociedade.

CA – A fiscalização por parte do controle interno (Controladoria-Geral da União e similares estaduais e municipais) pode falhar, a ponto de chegar algum caso no TCU que poderia ter sido resolvido anteriormente?

Glória Merola - Não existe controle universal. Todo controle é seletivo. Portanto, não tem como o tribunal afirmar, por exemplo, que em determinado programa analisado não existe fraude, pois o controle tem que ser seletivo por natureza. Você não vai usar o seu tempo disponível para controlar cada item de despesa. No controle externo é a mesma coisa. Eventualmente, se existir uma denúncia de fraude e o TCU identificá-la, isso não quer dizer que o controle interno não esteja funcionando.

CA - A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) defendeu um novo método para as fiscalizações de obras feitas pelo TCU. Para Dilma, o argumento de que há “indício de irregularidade” é muito frágil para suspender uma obra. "O indício de irregularidade é uma coisa frágil, extremamente frágil", disse ela. Quais os critérios usados pelos técnicos do tribunal para avaliar a situação de uma obra? O que pode configurar um indício de irregularidade?

Bruna Mara - Os indícios de irregularidades estão previstos em lei. Inclusive no último dia 30 foi apresentado um estudo pelas consultorias de orçamento do Senado e da Câmara. Eles são responsáveis por produzir os pareceres do Congresso Nacional que embasam a decisão dos parlamentares de não enviar recursos para determinadas obras. Neste trabalho é observado que os indícios que o TCU indicam são suficientes para recomendar a paralisação das obras e que tanto é importante analisar com base nesses indícios que isso determina que o controle seja a priori. Se você realiza o controle a posteori, o dano será irreversível.

Glória Merola – Vale lembrar que os consultores de orçamento do Congresso são especialistas e que fazem um trabalho técnico isento de política, que nem sequer é vinculado ao tribunal. Eles têm, inclusive, total independência para discordar do TCU. Então, o que consultores dizem – e eles têm muito mais competência para falar do que a Casa Civil – têm um peso. Quando se afirma que o indício é relevante, é porque é de fato. Não é essa superficialidade apontada.
Bruna Mara - Se você esperar para ter uma prova, talvez seja tarde demais. Por isso nos baseamos em indícios. Porque no momento dos indícios já é possível determinar que se paralise o envio de recursos para aquela obra para evitar o prejuízo. É diferente de você constatar alguma coisa depois e ter o prejuízo. Um dos principais indícios de irregularidades, sem dúvida, é o sobrepreço, que se configura como identificação de que o preço já estava elevado antes da despesa ter sido comprometida, antes de ter sido emitido uma fatura.

CA - Tramitam no Congresso Nacional alguns instrumentos legais que podem limitar a atuação do tribunal. Além disso, o TCU já deverá sofrer limitações com a nova lei de licitações e a LDO de 2010. De maneira geral, como a Auditar vê essas mudanças previstas?

Bruna Mara – Não que o tribunal não tenha nada a melhorar. Mas pensando no próprio interesse público, nós não vemos com bons olhos qualquer iniciativa que restrinja o controle. Até porque existem outras instituições, além do TCU, na área de controle. Quanto à proposta que sugere que a indicação de ministros do tribunal seja substituída por admissão por concurso público, por exemplo, não há uma posição unânime dos técnicos sobre o assunto. Mas acredito que não seja o melhor modelo para o país. A respeito da proposta que trata da extinção do TCU ou que a atuação das auditorias fique subordinada ao Legislativo, há um risco. Essa palavra subordinada é preocupante e perigosa, ainda mais com a história política do país.

Amanda Costa, Leandro Kleber e Milton Júnior
Do Contas Abertas