Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Vai passar

Terça, 29 de dezembro de 2009
Por Ivan de Carvalho
 O Conselho Superior de Segurança Nacional do Irã confirmou ontem que pelo menos oito pessoas morreram no domingo, nos confrontos entre manifestantes oposicionistas e a forças de segurança (ou insegurança) do governo. Vale notar que são números oficiais e não conferidos por fontes independentes. Aliás, a esse respeito, o governo iraniano proibiu a presença da imprensa internacional nas áreas em que ocorram manifestações. Entre os mortos está um sobrinho do líder da oposição, Mousavi, que disputou a eleição presidencial com Ahmadinejad. Isto preparou o cenário para mais protestos de rua.
É o segundo episódio mais grave desde a suposta reeleição do presidente Ahmadinejad, aquele que tem a sem-vergonhice (vamos usar a expressão certa para a coisa errada) de reiteradamente negar o Holocausto, a matança de seis milhões de judeus pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. O mesmo Ahmadinejad recentemente recebido no Brasil com rapapés e salamaleques do presidente Lula e do Itamaraty. Nos protestos anteriores, contra a fraude, morreram 70 pessoas, centenas foram presas e alguns manifestantes condenados à morte.
Há mais de uma semana os manifestantes ocupam as ruas das principais cidades do país, entre elas a capital, Teerã e a “cidade santa” de Qom, onde se concentram os religiosos da alta hierarquia muçulmana xiita que manda no país – desde a “revolução islâmica” liderada pelo ayatollah Ruhollah Komeini em 1979 –, diretamente em muitas coisas e em outras por intermédio do presidente (?) Ahmadinejad, desde sua reeleição chamado de ditador pela oposição, que considera a reeleição resultado de uma imensa fraude eleitoral. A nova crise começou com as grandes manifestações de adeus ao grão ayatollah Montazeri, considerado liberal e de tendência simpática à oposição e seu líder Mousavi. Montazeri morreu em idade avançada. Ontem, a Guarda Revolucionária, elite das forças armadas iranianas, e a “milícia islâmica” anunciaram (ameaçaram) que estão “totalmente prontas” para intervir contra os manifestantes.
Mas o que está realmente acontecendo no Irã? Difícil analisar ou especular no espaço restrito que me é reservado neste jornal. Mas está evidente que a “revolução islâmica”, com sua ditadura teocrática em nome de Allah (que certamente abomina essas coisas), cansou grande parte da população. Até as mulheres, sujeitas a normas extremamente rígidas, reagem. A barra dos vestidos sobe disfarçadamente, centímetro a centímetro. O véu vai gradualmente descobrindo o rosto, recuando até deixar à vista o rosto e parte do cabelo. Então a repressão é acionada e tudo volta ao que era, à espera do momento de nova tentativa.
A situação atual lembra o governo Costa e Silva, no Brasil. Uma atenuação do autoritarismo, manifestações, um estudante morto no Calabouço, no Rio de Janeiro, a passeata dos cem mil, um discurso mal pensado, e, então, de volta a repressão, os mais pesados anos de chumbo, do AI-5 até o fim do governo Médici. Mas isto passou. Um dia passará também no Irã.

Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça-feira.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.